"Está na hora de os mercados financeiros se acalmarem; o nervosismo não surgiu do nada, mas é irracional", escreve
Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista, em artigo publicado no jornal
Folha de S. Paulo, 15-08-2011.
Segundo ele, "no capitalismo, na prosperidade, os lucros são privados, na crise, os prejuízos são socializados". "É injusto, mas inevitável", atesta.
Eis o artigo.
Eu sei muito bem que não adianta gritar "Chega de crise!" para que essa velha e desagradável bruxa se retire. Mas quando decidi escrever este artigo sobre a crise financeira atual que se manifestou na semana passada em elevadas quedas de preço nas bolsas de valores de todo o mundo, essa frase se impôs de tal forma que não encontrei outra para começar o artigo.
Porque, em seguida, vêm outras frases: "Chega de nervosismo", "Chega de desconfiança", "Chega de medo". Não estou subestimando a profundidade da crise financeira global de 2008 - que também foi a grande crise do neoliberalismo e da teoria econômica ortodoxa.
Sabemos que nos países ricos as dívidas do setor privado tornaram-se altas demais, de forma que agora as famílias e as empresas estão pagando suas dívidas -o que deprime a demanda.
Nem estou ignorando a fraqueza da reação fiscal contra a crise nos EUA, porque os republicanos desfiguraram a proposta de
Obama no início de seu governo ao transformarem boa parte do pacote fiscal em redução de impostos para os ricos. E todos assistimos a essa patética prova de irresponsabilidade e de falta de patriotismo das alas fundamentalistas desse partido ao haverem chantageado o presidente para elevar o teto de endividamento do Estado americano.
Todos esses fatos ajudam a explicar por que a recuperação americana está sendo tão débil, e por que uma nova recessão talvez se materialize. Mas isto não é nenhum fim de mundo.
Qual a diferença entre um crescimento de meio por cento e uma retração de meio por cento?
A economia real não está ajudando as finanças americanas saírem do buraco, mas definitivamente não justificam nova crise financeira.
O crédito dos EUA não está em risco. Nem do Estado americano, nem de suas empresas. A desclassificação decidida pela
Standard & Poors foi uma irresponsabilidade.
Mas há a crise financeira do euro. Não é ela suficiente para desencadear nova crise financeira global? Em relação a essa questão estou mais pessimista. Mas é ridículo colocar também a
França na ciranda da crise. E o mais importante é que os governos e o
Banco Central Europeu se convenceram de que o euro vive tempos anormais e decidiu, como o
Federal Reserve Bank dos Estados Unidos já havia decidido, reagir com políticas igualmente anormais. A superação da crise passa necessariamente por esse caminho.
Na Europa como nos Estados Unidos a origem da crise foi a dívida privada, mas esta já está em processo de estatização. O que é injusto, mas inevitável. No capitalismo, na prosperidade, os lucros são privados, na crise, os prejuízos são socializados. Mas no último acordo os governos lograram passar uma parte do custo da restruturação (diminuição) da dívida para os bancos. O
BCE está firmemente concedendo créditos à
Espanha e à
Itália, depois de havê-lo feito para a
Grécia, a
Irlanda e
Portugal.
Está na hora de os mercados financeiros se acalmarem. O nervosismo da última semana não surgiu do nada, mas é irracional. Nem os dados econômicos, nem os financeiros justificam um novo 2008.
Justificam, contudo, que se cobre mais impostos dos ricos para contrabalançar a socialização das dívidas que as políticas neoliberais e ortodoxas causaram ao aumentar irresponsavelmente a dívida do setor privado e desregularem o sistema financeiro.
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