“A emoção substituiu a expertise, e nosso cérebro adora isso!” Entrevista com Samah Karaki

Fonte: Unsplash

11 Dezembro 2025

A neurocientista Samah Karaki decifra os mecanismos que nos levam a seguir certas personalidades nas redes sociais. Programados para buscar figuras de autoridade, nosso cérebro se vê preso em uma economia da atenção que privilegia a emoção em detrimento da expertise.

Samah Karaki é uma neurocientista franco-libanesa. Ela fundou o Social Brain Institute (SBI), organização que utiliza a ciência cognitiva para elucidar os novos desafios ambientais e sociais.

Samah Karari (Foto: Wikipedia)

Ela analisa os mecanismos cerebrais que nos levam a seguir os influenciadores e o impacto das redes sociais em nosso comportamento coletivo. Seu novo livro, Contre les figures d’autorité (Contra as figuras de autoridade), será publicado em janeiro pela Rue de l’échiquier.

A entrevista é de Anne Guion, publicada por La Vie, 19-11-2025. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

De onde vem essa necessidade fundamental de acreditar em alguém e segui-lo?

Essa necessidade está profundamente enraizada em nossa natureza como espécie social. Para sobreviver, precisamos reduzir nosso nível de incerteza. Nosso cérebro reage à incerteza da mesma forma que reage à dor física: quando não sabemos o que esperar, as mesmas áreas cerebrais são ativadas como quando nos machucamos.

É por isso que a incerteza é tão desagradável para nós. Para escapar desse desconforto, naturalmente nos voltamos para aqueles que conseguem identificar, dentre todas as informações disponíveis, o que é coerente e benéfico para a sobrevivência do grupo.

Historicamente, essa autoridade era conquistada por meio da competência e da expertise. Por isso, era concedida aos indivíduos mais longevos, os anciãos do grupo. Observamos esse mesmo mecanismo em animais: ao contrário da crença popular sobre o “macho alfa”, nos babuínos, por exemplo, a autoridade reside nos membros mais velhos, pelo simples fato de que acumularam mais experiência. Essa confiança em figuras de autoridade desempenhou um papel fundamental na sobrevivência da nossa espécie.

Como podemos explicar o apelo atual aos influenciadores que não são especialistas nem figuras de autoridade tradicionais?

Os influenciadores se beneficiam de um dos nossos vieses cognitivos: o do teste social. Sua autoridade não deriva da sua expertise, mas do número de seus seguidores. Os circuitos de recompensa do nosso cérebro são tranquilizados por um conteúdo amplamente compartilhado – este é o princípio da conformidade social, onde a legitimidade vem da popularidade e não da expertise.

Esse fenômeno não é totalmente novo: Jean-Jacques Rousseau já era uma espécie de influenciador em sua época, com admiradores que se aglomeravam em frente às suas janelas. A ascensão da publicidade, depois, amplificou esse culto à personalidade: as pessoas iam assistir a uma peça não pela obra em si, mas pela celebridade de seus atores. As mídias sociais apenas aceleraram e democratizaram esse mecanismo.

Qual o papel das emoções na influência dos criadores de conteúdo?

Os influenciadores criam um vínculo de confiança baseado em emoções compartilhadas, em vez de fatos ou raciocínio lógico. Quando alguém compartilha um afeto (tristeza, alegria, raiva, etc.), tendemos a considerá-lo mais “real” do que uma informação factual, mesmo que esta última seja comprovada. Isso é chamado de viés de autenticidade afetiva: confiamos mais em alguém que evoca sentimentos em nós do que em alguém que apresenta fatos objetivos.

Os influenciadores entendem isso muito bem e compartilham seu cotidiano, sua privacidade e suas experiências pessoais, com as quais todos podem se identificar. Também observamos o “efeito halo”: as palavras de alguém considerado importante parecem mais profundas do que realmente são, como se vê com certos gurus cujas mensagens, mesmo as absurdas, são percebidas como repletas de sentido.

Como podemos explicar a atual desconfiança em relação aos especialistas tradicionais?

Hoje, rejeitamos cada vez mais os especialistas tradicionais (cientistas, acadêmicos, especialistas) porque eles são associados a uma elite tecnocrática percebida como desconectada da realidade cotidiana das pessoas. Ao mesmo tempo, testemunhamos uma crescente valorização do pessoal e do afetivo como fontes para explicar o mundo. Essa “revolução afetiva” significa que agora consideramos os sentimentos pessoais (“Eu sinto que...”) como mais verdadeiros do que os fatos estabelecidos por especialistas.

Não é apenas a expertise científica ou acadêmica que está sendo desafiada; todas as formas de conhecimento especializado são agora sistematicamente questionadas em favor da “experiência autêntica”, que se expressa por meio de conteúdos emocionais. Nas redes sociais, nos tornamos “turistas emocionais”: simplesmente reagimos emocionalmente ao conteúdo sem dedicar tempo para refletir profundamente ou desenvolver nossas próprias opiniões.

Como as redes sociais amplificam esses mecanismos de influência?

Os algoritmos criam bolhas que nos expõem a influenciadores e informações que confirmam nossas crenças, poupando-nos, assim, da “dissonância cognitiva”, este desconforto mental que sentimos quando confrontados com informações que contradizem nossas crenças. O viés da intimidade reforça esse fenômeno: quanto mais tempo passamos seguindo um influenciador, assistindo aos seus stories e lendo suas postagens, mais sentimos que o conhecemos intimamente e mais valor atribuímos às suas opiniões – mesmo em assuntos nos quais ele não é especialista.

Os influenciadores exploram essa dinâmica compartilhando conteúdo emocional que cria uma ilusão de proximidade. Essa conexão pode se tornar tão intensa que alguns followers podem experimentar uma genuína sensação de perda quando seu influenciador para de fazer postagens. Algumas pessoas até vivenciam o término de relacionamentos com influenciadores como tragédias pessoais.

Esses mecanismos de influência ameaçam o funcionamento do nosso cérebro?

Não, o cérebro não é o problema. São as nossas necessidades naturais de apego e pertencimento, essenciais para a nossa sobrevivência, que estão sendo exploradas por esses mecanismos. Nossos cérebros continuam a evoluir, como mostra o aumento constante do QI nos últimos 150 anos. O perigo não é biológico, mas social e político.

Alguns pesquisadores estão no caminho errado ao “biologizar” o problema. A questão não reside no funcionamento do nosso cérebro, mas na instrumentalização das nossas necessidades naturais e no aumento das desigualdades sociais.

Como podemos evitar que a obsessão por influenciadores se torne prejudicial?

A educação sobre vieses cognitivos é essencial, não para eliminá-los, mas para desenvolver nossas habilidades de pensamento crítico ao nos depararmos com os conteúdos das mídias sociais. Não cabe apenas aos indivíduos se protegerem, mas à sociedade como um todo agir: escolas, empresas, governos e plataformas digitais devem participar da criação de um ambiente digital mais saudável. Isso exige controle e transparência dos algoritmos, um conceito conhecido como “design ético”.

Paradoxalmente, as redes sociais que amplificam esses problemas também podem fazer parte da solução. Podemos projetar algoritmos que promovam a diversidade e nos incentivem a sair da nossa zona de conforto. Isso é particularmente importante para as gerações mais jovens, que precisam entender esses mecanismos desde a pré-adolescência, aprender a reconhecer vieses cognitivos e, assim, retomar o controle do seu ambiente digital.

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