06 Junho 2024
Vida marinha enfrenta atualmente a ameaça tripla do aumento das temperaturas, da acidificação e da desoxigenação
A reportagem é de Aldem Bourscheit, publicada por ((o))eco, 05-06-2024.
Efeito de escolhas políticas da humanidade, as temperaturas médias globais não param de subir. O ano passado foi o mais quente já registrado e os primeiros seis meses de 2024 apontam que o recorde será novamente batido. Mares e oceanos não ficam ilesos. Nas últimas duas décadas, aqueceram sem parar, ameaçando a vida marinha e ainda mais as pessoas próximas da costa.
Estudos científicos publicados demonstram que, nas últimas seis décadas, os oceanos perderam 2% do Oxigênio e que, devido à absorção de até ⅓ da poluição causada pela queima de combustíveis fósseis, como gasolina, diesel e carvão, as águas salgadas do planeta estão cada vez mais ácidas.
A taxa aumentou 30% desde os tempos pré-industriais e pode atingir 170%, em 2100. Um dos efeitos colaterais dessa mudança é a de que os moluscos, animais como mexilhões, mariscos e ostras, desenvolvem conchas mais finas e mais fracas e se reproduzem em menor quantidade.
Somados ao aumento das temperaturas, à poluição por esgotos, lixo plástico, químicos industriais e agrícolas, esses problemas já deixaram cerca de meio milhão de zonas mortas ao longo dos litorais mundiais. Quase sem vida marinha, essas regiões ficam esvaziadas de turistas, da pesca extrativista e comercial.
“Animais e plantas jovens são demasiado frágeis para sobreviver a tais mudanças e morrem”, destaca o “Relatório sobre o Estado do Oceano”, o segundo do gênero lançado pelas Nações Unidas. A primeira edição foi publicada em 2022 e ambas trazem desafios para conservação e desenvolvimento sustentável durante a Década do Oceano (2021 – 2030).
A situação é ainda mais preocupante para a biodiversidade pelas estimadas de 1,1 milhão a 4,9 milhões de toneladas de plástico flutuando nos mares e oceanos, que aniquilam enorme quantia de vida marinha, e pela destruição de manguezais, planícies de vegetação costeiro-marinha e pântanos de marés. Desde os anos 1970, de 20% a 35% dessas “florestas marinhas” foram perdidas por ações humanas.
De 2023 aos primeiros meses de 2024, foi medido o mesmo aumento de temperatura média dos oceanos verificado nos últimos 10 anos. Essa catástrofe climática mereceu a alcunha de “febre do oceano” e não perdoa igualmente os continentes. No Brasil, os efeitos são inegáveis.
O Atlântico Sul e toda a costa brasileira estão com temperatura em torno de 2°C acima da média histórica. Isso desregula a movimentação continental do ar quente e frio, a formação de nuvens e até os “rios voadores”, poderosas massas de umidade que voam da Amazônia e geram chuvas em variados países.
“Um oceano ‘febril’ contribuiu para uma série de catástrofes climáticas no Brasil nos últimos anos, em especial de chuvas intensas”, destaca Ronaldo Christofoletti, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), presidente do Grupo de Especialistas em Alfabetização Oceânica da Unesco (sigla em Inglês da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e único autor brasileiro no relatório das Nações Unidas.
As últimas tragédias nacionais derivadas de chuvas fora do até então normal afetaram duramente o sul da Bahia, Petrópolis (RJ), Recife (PE), o litoral norte de São Paulo, Alagoas, Angra dos Reis e o Rio Grande do Sul.
Atualmente, o aquecimento das temperaturas oceânicas responde por 40% do aumento global do nível do mar. Isto ocorre porque a água encolhe à medida que esfria e se expande à medida que aquece, e 90% do excesso de calor que produzimos é absorvido pelo oceano.
O relatório global destaca que a taxa de elevação dos oceanos e mares duplicou nas últimas décadas. Um fenômeno associado ao maior número de frentes frias que atingem o litoral brasileiro, devido às mudanças na circulação das águas frias desde a Antártica.
“A somatória de aumento do nível do mar com frentes frias tem relação direta com impactos nas cidades costeiras brasileiras, incluindo a discussão recente sobre a PEC 3/2022, dos Terrenos de Marinha”, destaca Christofoletti, da UNIFESP e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza da Fundação Grupo Boticário.
Isso deixa regiões e incontáveis pessoas ao longo dos cerca de 12 mil km de litoral brasileiro ainda mais ameaçadas. Alheios à realidade, projetos de lei tramitando no Congresso que atendem à especulação imobiliária podem dar sinal à privatização dos chamados “terrenos de marinha”, vem mostrando ((o))eco.
Essas faixas devem ser mantidas hoje desocupadas, com vegetação e traços naturais para defender a biodiversidade e as pessoas de tempestades e da subida do nível do mar.
“As discussões recentes sobre flexibilizar a governança para Estados e Municípios e privatizar os terrenos de marinha coloca em risco a conservação dessas áreas e expõe toda a população à impactos da subida do nível do mar”, destaca a publicação das Nações Unidas.
Áreas protegidas são uma das ferramentas mais eficazes para combater a perda de biodiversidade, a subida das temperaturas e do nível do mar e outros fantasmas que assombram o presente e futuro dos oceanos e da humanidade como um todo. Conforme o relatório das Nações Unidas, quanto mais elevado for o nível de proteção, mais espécies poderão sobreviver.
Hoje, as áreas marinhas protegidas globais abrigam 1.080 (72%) das 1.500 espécies marinhas listadas como ameaçadas de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Esses ambientes têm um papel climático ainda maior quando resguardam as “florestas marinhas”. Afinal, elas são capazes de absorver 5 vezes mais carbono do que as florestas terrestres.
Outros ambientes naturais de grande valor ecológico, social e econômico, mas ao mesmo tempo dos mais ameaçados pelo aquecimento e poluição globais, são os recifes de corais. Receitas com lazer e recreação em destinos com essas formações somam R$ 7 bilhões anuais, apenas no Nordeste brasileiro, mostra a publicação Oceano sem Mistérios, da Fundação Grupo Boticário.
Além disso, navegar com mais ímpeto pela rota das boas educação, política e comunicação pode abrir alas a melhores futuros. O Brasil é líder mundial em projetos endossados pelas Nações Unidas para uma cultura oceânica. Ou seja, universidades, governos, ongs e jornalistas contribuem para que a sociedade compreenda sua relação e dependência dos oceanos.
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Oceanos se tornam uma panela de água no fogão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU