14 Março 2024
"Como retomar e reavivar a prática profética, seja frente às injustiças e discrepâncias socioeconômicas, seja no cuidado e convivência com a mãe natureza?", questiona Alfredo J. Gonçalves, CS, padre, vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM/São Paulo.
O sonambulismo das forças de esquerda torna-se mais eloquente que o barulho da extrema direita na Av. Paulista. São muitas as perguntas e maior ainda a perplexidade do momento. Onde foi parar a histórica profecia da Igreja Católica no Brasil e do CONIC, tão prontas a levantarem a voz em décadas passadas? “Ser voz e vez” os pobres terá se transformada num refrão sem sentido? Ou será que basta a Campanha da Fraternidade para cobrir toda a “questão social”? Por que se fragmenta a força do sindicalismo combativo e sua incidência política se pulveriza diante dos avanços técnicos da economia globalizada? E o que acrescentar sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra? Será possível reavivar seu vigor interno e sua capacidade nacional de mobilização? Outras organizações, entidades, pastorais parecem ter perdido origem, trajetória e horizonte!...
As perguntas prosseguem e as dúvidas também? O que sucedeu com os movimentos estudantis, quando é notório que a juventude em geral costuma ser aquela faísca que em primeiro lugar costuma “virar a mesa”, escancarando toda a mentira e hipocrisia da sociedade? Por que águas turvas e torvas anda navegando a nossa música popular brasileira, que parece tornou incapaz de refletir a injustiça e a desigualdade social do momento? Os intelectuais, por seu lado, estarão preocupados muito mais com suas pesquisas locais, ignorando indiferentemente a violência, as guerras e as assimetrias internacionais? Do lado dos artistas, será que o exotismo e a “arte pela arte” tomaram o lugar das expressões críticas naquilo que diz respeito ao cotidiano da população pobre, excluída, descartável e consequentemente abandonada a si mesma?
No terreno da poesia e da literatura – basta lembrar o Navio negreiro, o Y-Juca-Pirama, o Vidas Secas, o Macunaíma, o Grande sertão: veredas, respectivamente de Castro Alves, Gonçalves Dias, Graciliano Ramos, Mário de Andrade e Guimarães Rosa – onde terá hibernado a escrita engajada, comprometida com as causas socioeconômicas e político-culturais? Sagas pessoais e sagas coletivas andam de mãos dadas, mas atualmente não estarão os escritores mais interessados nas primeiras, mantendo meio de escanteio o cenário dramático de milhões e milhões de pessoas desenraizadas do campo e dos países mais pobres e que, sem raiz e sem rumo, passam a errar como estranhos e estrangeiros, de cidade em cidade, em busca das migalhas de uma economia que os “exclui, descarta e mata”, para usar a expressão recorrente do Papa Francisco?
Verdade que, nas últimas décadas, vem crescendo a consciência crítica dos estudiosos e dos agentes em geral sobre a preservação do meio ambiente e a convivência com a natureza. Emerge com força redobrada problemáticas como a emissão progressiva de gases tóxicos, o consequente aquecimento global, a contaminação de mares e rios, lagos e do ar, a derrubada das florestas, particularmente a Amazônia, a destruição, a devastação e desertificação crescentes de terras, enfim, a falta de cuidado com “nossa casa comum”, outra preocupação do pontífice na Encíclica Laudato Si’ (2015). Porém, os países responsáveis pela maior quantidade de emissões tóxicas sequer conseguem manter de pé o acordo de Paris. A preservação com o meio ambiente é tarefa de todos, mas as responsabilidades adquirem são diferenciadas. O cidadão comum pode fazer sua parte, e muitas o fazem. Mas aqueles que mais poluem são os que têm maior incidência sobre manter tudo como está, ou frear os avanços técnicos e econômicos prejudiciais. Empresas e autoridades, à medida que sobem no cenário global, sobe igualmente sua responsabilidade.
O ponto final desta reflexão tem de ser outra pergunta: como retomar e reavivar a prática profética, seja frente às injustiças e discrepâncias socioeconômicas, seja no cuidado e convivência com a mãe natureza? A extrema-direita ergue a voz por que está em pânico, com as ameaças ao seu status quo. Como levantar do chão a vitalidade da profecia em vista de mudanças urgentes e necessárias?
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Sonambulismo das forças de esquerda. Artigo de Alfredo J. Gonçalves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU