20 Dezembro 2023
Embora os episcopados africanos permaneçam discretos por enquanto, os padres e leigos locais não hesitam em expressar sua incompreensão após a autorização dada aos padres para abençoarem “casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo”.
A reportagem é de Guy Aimé Eblotié, publicada por La Croix International, 19-12-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Já faz algum tempo que tentamos em vão entender para onde o papa quer levar a Igreja.” Essa declaração de um padre africano com mais de três décadas de sacerdócio, que deseja permanecer anônimo, transmite tanto o seu “choque” quanto as suas “preocupações” após a leitura do documento Fiducia suplicans.
Publicada no dia 18 de dezembro pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, essa declaração autoriza a bênção de “casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo”, desde que não crie “uma confusão com a bênção própria do sacramento do matrimônio”.
Imediatamente divulgada pela imprensa, essa decisão rapidamente se tornou o centro dos debates entre leigos e padres africanos, que se opõem esmagadoramente a essa possibilidade. Embora os episcopados questionados ainda não tenham respondido, os fiéis não hesitam em se expressar.
“Como é que essa bênção pode levar essas pessoas à conversão se a Igreja as considera em pecado?”, pergunta François, um católico marfinense. Para ele, “abrir uma bênção, qualquer que seja a forma do rito, é pelo menos confortar [essas pessoas] em uma situação da qual, no entanto, elas são chamadas a sair”. Ele até considera que tal bênção poderia “promover esse modo de vida de casal”.
Em seu comunicado, o Vaticano, no entanto, enfatiza que não se trata de oferecer “uma forma de legitimação moral a uma união que se presume ser um matrimônio ou a uma prática sexual extramatrimonial” [n. 11], mas sim de conceder uma bênção à pessoa que “se mostra necessitada da presença salvífica de Deus em sua história” [n. 20].
Outros, mais raramente, tentam pôr as coisas em perspectiva, lembrando que pessoas em situações delicadas com o ensino tradicional da Igreja – como os casais que apresentam seus filhos a Deus sem serem casados – já recebem bênçãos dadas pelos padres. “O papa está apenas confirmando uma prática que estava acontecendo implicitamente”, defende Ludovic, outro fiel católico.
Publicada poucas semanas após a conclusão da primeira fase do Sínodo sobre a Sinodalidade, essa decisão faz alguns pensarem que a assembleia sinodal foi apenas um pretexto para a aprovar. Para uma freira responsável por uma comunidade, que falou anonimamente, a urgência após o Sínodo não deveria se concentrar tanto nessas situações ditas “irregulares”, mas sim na “doutrina social” e nas “fortes ênfases” das discussões, que eram a questão da autoridade e a do anúncio evangélico.
Considerando que na África será bastante rara a possibilidade de casais do mesmo sexo procurarem uma bênção, o Pe. Loïc Mben, especialista em teologia moral, salienta que as situações “irregulares” no continente dizem respeito principalmente aos casais heterossexuais: casais que coabitam (transitórios ou permanentes), casais divorciados, casais casados apenas no civil ou famílias polígamas.
“Já que ninguém deve ser excluído, será que devemos abençoar todas as situações?”, questiona, especificando que casos de incesto ou de abuso obviamente devem ser excluídos.
Se para o padre a declaração Fiducia supplicans vem “confirmar a orientação resolutamente pastoral do Papa Francisco”, ela também põe em questão “a bênção em geral e a bênção extralitúrgica em particular”. “A graça divina alcança todas as criaturas”, insiste o Pe. Mben. “Provavelmente, essas são as implicações que ainda não acabamos de sopesar.”
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Incompreensão na África após autorização de bênção a casais do mesmo sexo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU