20 Setembro 2023
Após a nomeação de Cristiano Zanin para a vaga deixada por Ricardo Lewandowski no STF, o Brasil viu esquentar o debate sobre a próxima nomeação para a principal corte de justiça no país, desta vez para o lugar de Rosa Weber, que deverá se aposentar até outubro. A Coalizão Negra por Direitos, frente que reúne cera de 250 coletivos e movimentos sociais, lidera o esforço pela nomeação de uma mulher negra ligada às causas progressistas, num contexto apenas um negro, Joaquim Barbosa, ocupou uma cadeira no STF desde sua criação, em 1808. Em entrevista ao Correio, Ingrid Farias, membro da Coalizão, comenta a necessidade de Lula nomear uma jurista negra para o cargo.
Sem mencionar nomes específicos, a ativista e pesquisadora de política e violência de gênero ressalta que a campanha da Coalizão “tem pressionado para que o debate se torne mais público, obviamente incentivando que mulheres negras do judiciário possam se apresentar à vaga, em especial aquelas que tenham compromisso com a agenda de garantia do direito à vida, o fim da violência contra a população negra e com tantas outras perspectivas de luta por igualdade racial”.
Em meio a polêmicas, inclusive dentro das esquerdas brasileiras, e questionamentos sobre a veracidade da pauta, com direito a um discurso conspiracionista que lembra as teorias bolsonaristas sobre direcionamento estrangeiro em lutas ambientais e indigenistas, Ingrid Farias menciona questões básicas sobre a tragédia do racismo brasileiro para explicar a importância deste gesto ainda pequeno no sentido de sua desconstrução.
Ingrid Farias. (Foto: @olhardamedus4)
“Na pandemia, vimos pessoas negras e pobres mais expostas à crise sanitária. Vimos aumento exponencial da violência policial contra a população negra. Sem dúvidas, essas questões tem demarcado a importância e razão de existir de uma campanha em torno de uma ministra negra no STF, pois pensamos que uma pessoa comprometida com a agenda antirracista tem condições de influenciar a forma como o STF e o judiciário enxerguem essa agenda, e também dar respostas à forma como o racismo estrutural se organiza no Brasil”.
A entrevista é de Gabriel Brito, publicada por Correio da Cidadania, 12-09-2023.
Como vocês observam a discussão em torno da nomeação para a vaga no STF que será deixada por Rosa Weber? Qual a posição da Coalizão sobre esta nomeação?
É importante que o movimento negro denuncie o fato de o STF nunca ter tido uma mulher negra nesta cadeira e somente um homem negro. São reflexões importantes, pautadas também na forma como historicamente a sociedade se organiza e rifa a população negra de espaços de decisão sobre questões importantes, inclusive relacionadas à nossa própria vida.
Por isso pressionamos para que Lula reflita sobre a importância de indicar uma mulher, até porque quem vai sair é uma das únicas duas mulheres da corte. E que seja uma mulher negra, pois acreditamos que historicamente a ausência de mulheres negras em tal espaço tem impacto importante na condução de agendas e debates no STF.
Vocês têm nomes específicos de preferência?
Não temos uma lista, pois é importante a sociedade entender que a Coalizão Negra por Direitos reúne mais de 250 organizações e temos pressionado para que o debate se torne mais público, obviamente incentivando que mulheres negras do judiciário possam se apresentar à vaga, em especial aquelas que tenham compromisso com a agenda de garantia do direito à vida, o fim da violência contra a população negra e com tantas outras perspectivas de luta por igualdade racial.
Como analisam a nomeação de Cristiano Zanin para a vaga deixada por Ricardo Lewandowski?
Foi uma resposta de início de governo, que mostra como nossas pautas são tratadas e precisam ser aprofundadas. Na prática, essa indicação representa uma pessoa não alinhada ao compromisso antirracista e aos direitos da população negra, vide alguns votos que ele já deu no STF, que vão contra a luta social e a garantia de direitos defendidas pelo movimento negro.
Lula causou polêmica ao falar que ministros do STF deveriam votar e fazer suas sessões sob sigilo. Como observa os movimentos do presidente no que se refere à Suprema Corte?
Em nossa visão, ele se equivocou ao falar em favor do sigilo de ações e votos do STF. As instituições democráticas precisam ter compromisso com a transparência, são coisas como essa que fortalecem e mantém de pé a democracia no país. Qualquer movimento em torno de outra postura que não seja de transparência e compartilhamento dessas instituições junto à população vai de encontro ao fortalecimento do ideário democrático. Achamos muito triste a fala do presidente em torno disso.
De modo mais amplo, como a Coalizão observa o judiciário brasileiro em seu conjunto? Acredita que há uma urgência em se estabelecer políticas afirmativas neste âmbito?
Sim, por isso também acreditamos que nossa atual campanha fortalece não só a ideia de ter uma ministra negra no STF como a presença da mulher negra na magistratura e no judiciário brasileiro de forma geral. Historicamente, são espaços que não garantem a diversidade e a presença de mulheres negras, pardas, indígenas.
O judiciário brasileiro tem um perfil muito branco e, numa perspectiva de gênero, de homens cis e héteros. Depois dessa indicação, inclusive pretendemos seguir com pressões para que Lula siga a indicar em outros órgãos importantes do judiciário outros nomes de pessoas negras comprometidas com o antirracismo.
O racismo recrudesceu no Brasil nesses últimos anos? Como observa as questões de raça nas relações sociais do país neste momento?
Sem dúvida, o racismo tem mostrado suas faces mais letais, em especial nos últimos seis anos. Na pandemia, vimos pessoas negras e pobres mais expostas à crise sanitária. Vimos aumento exponencial da violência policial contra a população negra. Sem dúvidas, essas questões têm demarcado a importância e razão de existir de uma campanha em torno de uma ministra negra no STF, pois pensamos que uma pessoa comprometida com a agenda antirracista tem condições de influenciar a forma como o STF e o judiciário enxerguem essa agenda, e também começar a dar respostas à forma como o racismo estrutural se organiza no Brasil.
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“Precisamos de uma ministra negra para o STF começar a dar respostas ao racismo estrutural no país”. Entrevista com Ingrid Farias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU