06 Setembro 2023
O cientista e professor de glaciologia da Universidade de Exeter [Reino Unido], Martin Siegert, alerta que a Antártida está aquecendo mais rápido do que o resto do planeta e que este fenômeno será perceptível nos níveis do mar que podem, potencialmente, afetar cidades e zonas costeiras.
Siegert, líder do estudo encomendado pelo governo britânico sobre a Antártida, faz um apelo para que Governos de todo o mundo abandonem o uso de combustíveis fósseis.
A entrevista é de Luisa Pulido Griffin, publicada por France 24, 31/08/2023. A tradução é do Cepat.
O que aconteceu em 2022, na Antártida, que foi tão alarmante para os cientistas?
Uma grande onda de calor açoitou o continente antártico oriental. Foi um nível de aquecimento sem precedentes, com mais de 38 graus acima do normal: a onda de calor mais quente já registrada na Terra.
Leva as temperaturas na região central da camada de gelo de cerca de -50 graus para -10 graus, e se o evento tivesse ocorrido no verão, teria levado ao derretimento da superfície do planalto polar, o que novamente teria sido sem precedentes.
Por que a situação atual na Antártida é tão preocupante?
Este ano não é a onda de calor, mas a falta de gelo marinho (uma fina camada de gelo no oceano) que se forma no inverno e diminui no verão. Este ano, o gelo marinho simplesmente não está se formando e está nos níveis mais baixos já registrados para esta época do ano.
É muito preocupante porque sua superfície branca reflete a luz solar, mas se for substituída pela superfície escura do oceano, absorverá a luz solar e contribuirá para um maior aquecimento.
Este processo vem ocorrendo no Ártico, desde os anos 1970, e é a razão pela qual a região está aquecendo a um ritmo quatro vezes maior do que o resto do planeta. Preocupa-nos que a Antártida esteja começando a se comportar como o Ártico, então, deixaria de atuar para resfriar o planeta, ao contrário, atuaria para aquecê-lo ainda mais.
O que está acontecendo com a fauna e os ecossistemas próprios da Antártida? Por exemplo, com o pinguim-imperador?
Se chover, como pode acontecer na Península Antártica, os filhotes de pinguim não estão preparados para enfrentá-la, principalmente se depois se congela. Além disso, com a diminuição do gelo marinho, os pinguins buscarão locais mais restritos para se alimentar, o que gerará competição e escassez de suas necessidades.
O uso de combustíveis fósseis, a mudança climática e a situação na Antártida estão relacionados?
Há muita variabilidade natural na Antártida, mas os incidentes estão tão fora de escala que é necessária outra explicação: dado que agora estão ocorrendo com mais frequência e maior intensidade, e que tais extremos foram previstos pelos cientistas do clima, devido à queima de combustíveis fósseis, parece impossível e irresponsável não associar o que estamos vendo com as emissões de gases do efeito estufa.
Quais são as regiões que potencialmente podem ser mais afetadas?
Na margem da camada de gelo, onde o gelo se encontra com o mar. A razão é que o oceano pode derreter a camada de gelo a um ritmo dez vezes maior que a atmosfera, portanto, nessas regiões, ocorre a perda de massa da camada de gelo e o aumento do nível do mar.
É profundamente preocupante que a Antártida esteja perdendo seis vezes mais massa do que há apenas 30 anos, e podemos esperar um aumento do nível do mar de 1,5 a 2 metros neste século, e de 3 a 5 metros até 2150 e muito mais a partir daí.
Sem dúvida, trata-se de uma questão de combustíveis fósseis. O problema é que o gelo demora muito para derreter e isso significa que quando iniciarmos o processo, terá consequências por muitas décadas, séculos. As coisas que fizermos hoje terão consequências em relação ao nível do mar para os nossos filhos e para muitos no futuro. Portanto, atuamos de uma forma profundamente irresponsável em termos de proteção do futuro.
Considera que as temperaturas extremamente altas que provocaram incêndios na Europa, neste verão, estão de alguma forma relacionadas ao que acontece na Antártida?
São consequências da queima de combustíveis fósseis e são uma prova da natureza global do problema.
O que os governos de todo o mundo deveriam fazer, especialmente os signatários do Tratado da Antártida, para proteger a região?
Devem parar de queimar combustíveis fósseis, caso contrário, não protegerão a Antártida.
O Reino Unido encomendou este relatório. Este país tem, em sua opinião, um compromisso real para abordar o aquecimento global?
Possui algumas metas muito boas, mas, como destaca o Comitê de Mudança Climática (a assessoria independente do Governo sobre o clima), atualmente, o Reino Unido carece de políticas para cumprir esses objetivos.
Foram alcançados alguns avanços importantes em matéria de energia renovável, mas é necessário muito mais em termos de moradia, mudança de comportamento, transporte, agricultura e indústria.
Como se enxerga o futuro?
Devemos aprender a amar o planeta. Quem não quer ar limpo, cidades mais verdes e casas com eficiência energética? Devemos reduzir e evitar viagens aéreas frívolas. Um planeta saudável também nos permitirá ser saudáveis.
Não há nada a temer em um mundo sem emissões de carbono. Receio um futuro ainda atrelado aos combustíveis fósseis. O nível de migração que provocará eclipsará o que vemos atualmente, uma vez que alguns lugares serão inabitáveis e as disputas por recursos cada vez mais escassos (como a água) levarão a conflitos.
Esta situação complexa pode ser revertida?
Não pode ser revertida. Estamos 1,2 grau a mais do que deveríamos e a temperatura aumentará 1,5 grau, no mínimo. Então, coisas piores são inevitáveis. No entanto, um mundo que seja 2 graus mais quente é muito diferente do de hoje e nossos filhos terão enormes desafios para poder viver nele da forma como estamos acostumados.
Como as pessoas podem ajudar?
Todos devem considerar sua pegada de carbono e reduzi-la. Caminhe mais, dirija menos. Coma mais verduras e menos carne. Escreva para seus políticos. Invista em empresas de baixo carbono e instrua seus planos de previdência a agir assim. Compre menos roupas. Recicle o máximo possível. Férias de trem, não de avião. Invista em painéis solares, bombas de calor e isole sua casa.
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“Preocupa-nos que a Antártida pare de resfriar o planeta”. Entrevista com Martin Siegert - Instituto Humanitas Unisinos - IHU