04 Setembro 2023
"Os dados da ICS-IPEC mostram que a política de uma forma geral sofreu uma descrença significativa em 2013 e novamente em 2018, mas em 2023 cresceu a confiança em várias áreas da vida pública indicando, potencialmente, uma curva de ascensão da esperança e bem-estar, considerando a importância da confiança nesses sentimentos públicos, como vemos desde 2012 em levantamentos anuais feitos pela ONU sobre a felicidade no mundo", escreve Christina Vital da Cunha, professora do PPG em Sociologia e coordenadora do Laboratório de Estudos em Política Arte e Religião (LePar) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Autora de Oração de traficante: uma etnografia e editora da revista Religião & Sociedade.
Foram amplamente divulgados os resultados da pesquisa Índice de Confiança Social (ICS) realizada pelo IPEC em julho de 2023. Trata-se de uma série histórica que teve início em 2009 medindo a confiança dos brasileiros em relação a 20 instituições sociais e 4 grupos sociais. Com base nesta pesquisa perguntamos: Podemos estabelecer marcos da confiança (ou desconfiança) nestes anos? A política nacional e as religiões fazem diferença?
O continente americano concentra as menores taxas de confiança institucional do planeta. Coincidência ou não, é o que tem as cidades mais violentas. Segundo pesquisa global anualmente realizada pela ONG Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal, das 50 cidades mais violentas do mundo, 46 estão no continente americano: 17 no México, 10 no Brasil, 7 nos Estados Unidos da América. Em minha avaliação, a situação da violência contribui muito para pensar sobre as instituições em que os brasileiros mais confiam, por contraditório que isso possa parecer. Segundo a pesquisa ICS/IPEC – 2023, as instituições sociais em que os brasileiros mais confiam são: o Corpo de Bombeiros (87 pontos), a Polícia Federal (70 pontos), Igrejas (70 pontos), Escolas Públicas (67 pontos) e Forças Armadas (66 pontos) [1]. Observamos que na maioria delas há uma relação militar ou armada a começar pelo Corpo de Bombeiros no Brasil que é militarizado, diferente da maioria dos países no mundo. O que isso diz sobre nossa forma de demandar confiança?
As instituições não armadas/militarizadas mais confiáveis dentre as cinco são as Igrejas e as Escolas Públicas, espaços de mediação entre a casa e a rua e que, sem dúvida, representam sociabilidade e segurança material, alimentar, emocional (e até espiritual, no caso das Igrejas) para a maior parte da população brasileira. Estudos demonstram o contínuo de abusos e violências que ocorrem no cotidiano de Igrejas e Escolas no Brasil, mas a aura dessas instituições segue forte e a defesa da Escola Pública de qualidade e segura é muito importante para o país, assim como a compreensão de que as religiões são importantes para a democracia e não necessariamente antagônicas a ela, embora, momentaneamente e setores específicos de religiosos, possam sê-lo.
Ainda sobre os dados gerais, com base na pesquisa ICS/IPEC, podemos dizer que a confiança do brasileiro em outro brasileiro caiu em 2009 de 59 pontos para 53 pontos em 2023. A maior queda foi em 2018. Aqui começamos a falar de política mais diretamente, pois os dois principais marcos na queda da confiança no Brasil foram 2013, ano marcado por uma série de manifestações contra a corrupção e contra instituições políticas e democráticas, e 2018, ano das eleições mais polarizadas, de incremento de ódios e calcificações até aquele momento em nossa história democrática recente afetando a vida pública e privada no país.
Nesse contexto, a confiança nas Igrejas caiu ano após ano desde 2009 (76 pontos), atingindo as maiores baixas nos anos de 2013 e 2018 (66 pontos). A Família não caiu em confiança em 2013 mantendo-se mesmo naquele ano com altos índices de confiabilidade (90 pontos). No entanto, conforme a crise política foi se agravando, a confiança nas pessoas da família diminui e a chega ao menor índice até então em 2018 (82 pontos). Em 2023 a Família obteve a menor pontuação em toda a série histórica (81 pontos), mas continua sendo o grupo social mais confiável no Brasil.
A confiança nos amigos seguiu uma trajetória similar à da Família: não diminuiu em 2013, mas foi diminuindo ano a ano conforme se acentuou a crise política e a calcificação social (67 pontos em 2009 e 64 pontos em 2023).
Quando analisamos os números de 2023 por segmento religioso temos católicos, evangélicos e outras religiões. Os evangélicos são os que menos confiam em todos os grupos não burocráticos. Ou seja, apresentam os menores índices de confiança na família (Católicos 83 pontos, evangélicos 79 e outras religiões 81 pontos), nos amigos (Católicos 65 pontos, evangélicos 62 e outras religiões 66 pontos), nos vizinhos (Católicos 61 pontos, evangélicos 54 e outras religiões 57 pontos) e nos brasileiros em geral (Católicos 57 pontos, evangélicos 50 e outras religiões 50 pontos). Segundo observamos em abordagens qualitativas diante dos dados da ONU que contabilizam a felicidade no mundo desde 2012, a confiança em instituições e em grupos não burocráticos é um elemento importante na experiência pessoal e coletiva de bem estar. Seriam os evangélicos o grupo religioso relativamente menos feliz, dada a baixa confiança demonstrada por este segmento em todos os quesitos da pesquisa ICS-IPEC? Na verdade, evangélicos são levemente mais confiantes do que os demais grupos religiosos nas seguintes instituições: igrejas, Forças Armadas e ONGS. A maior confiança em ONGs chama atenção. Minha hipótese é que as ONGs e a assistência social prestada por denominações evangélicas ocorre, em parte, pela via dessas organizações, além de serem grupos muito atuantes em favelas e periferias, localidades em que residem o maior número de evangélicos do Brasil.
Durante o governo Bolsonaro (2019-2022), o sistema eleitoral brasileiro foi acusado diuturnamente pelo próprio presidente de ser falho, inauditável. O segmento religioso que mais teve lideranças e fieis mobilizados em apoio ao antigo presidente, o segmento evangélico, foi o que demonstrou menor índice de confiança nas Eleições e Sistema Eleitoral em 2023 (48 pontos). Muito menos do que os católicos (56 pontos), por exemplo. Segundo pesquisa realizada pelo Atlas/Intel entre 08 e 09 de janeiro de 2023, ou seja, dados fechados imediatamente após os atos golpistas realizados por bolsonaristas em Brasília, 68% de evangélicos não acreditavam que Lula era realmente o presidente da República. Esses dados, coletados no calor de uma manifestação antidemocrática revelou a grande desconfiança desse segmento no processo eleitoral como um todo, afinado com o que a pesquisa do ICS-IPEC iria demonstrar em seguida. Nesse contexto, podemos pensar a desconfiança como causa e efeito, ao mesmo tempo, da desvalorização da democracia.
Quanto à confiança na Presidência da República, observa-se, na série histórica, uma queda de mais de 10 pontos entre 2009 e 2013 chegando ao menor índice em 2018 (de 66 pontos em 2009 para 13 pontos em 2018). Nas eleições daquele ano Bolsonaro saiu vitorioso à Presidência da República. Em 2023, a Presidência da República alcançou 50 pontos: entre católicos atingiu 55 pontos e entre evangélicos 48. É possível inferir que a operação Lava Jato tenha importância na avaliação popular sobre essas instituições (Sistema Jurídico, Sistema Eleitoral, Presidência da República).
Os dados da ICS-IPEC mostram que a política de uma forma geral sofreu uma descrença significativa em 2013 e novamente em 2018, mas em 2023 cresceu a confiança em várias áreas da vida pública indicando, potencialmente, uma curva de ascensão da esperança e bem-estar, considerando a importância da confiança nesses sentimentos públicos, como vemos desde 2012 em levantamentos anuais feitos pela ONU sobre a felicidade no mundo.
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A confiança e a felicidade do brasileiro: religião, política e Junho de 2013 nas emoções nacionais. Artigo de Christina Vital da Cunha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU