29 Julho 2023
Mais de 200 lideranças de 10 associações receberam na Terra Indígena Yanomami representantes de seis ministérios, que foram submetidos a protocolo de consulta.
A reportagem é de Fabrício Araújo, publicada por Instituto Socioambiental (ISA), 20-07-2023.
O IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana foi marcado pela união de indígenas de todas regiões da Terra Indígena Yanomami, e pela participação de membros do governo federal que, pela primeira vez, realizaram ampla consulta aos indígenas. A reunião ocorreu de 10 a 14 de julho em Maturacá, comunidade localizada em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e teve 353 pessoas presentes.
Dez associações yanomami com mais de 200 lideranças dialogaram, em seis línguas yanomami, ye’kwana e português, com dezenas de representantes do governo federal. Proteção territorial, saúde, segurança alimentar e educação foram os principais temas de discussão. Todos foram guiados pelo Protocolo de Consulta Yanomami e Ye’kwana, elaborado em 2019. O evento resultou em uma carta assinada pelos presidentes das 10 associações. (Veja as principais reivindicações ao final)
(Assessoria de Comunicação | Funai)
Pela primeira vez, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) participou e ajudou a organizar o evento. Para isto, o órgão seguiu os passos do protocolo de consulta dos Yanomami e Ye’kwana e ouviu as necessidades dos indígenas do território para este ano.
Segundo Zé Mario, liderança de Maturacá e presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), o evento marcou uma aliança histórica entre os yanomami, o que mostra ao governo a força que os indígenas têm e suas reivindicações.
“O objetivo é garantir que seremos incluídos em todas as discussões sobre projetos e ações desenvolvidos no nosso território. Temos o direito de ser consultados e ficamos felizes com o que está acontecendo”, afirmou Zé Mário.
Durante os cinco dias de evento, os indígenas visitantes ficaram alojados em diversos pontos da região, como o Centro Ariabu, a sede da Ayrca e uma casa na Paróquia Nossa Senhora de Lourdes. As manhãs começavam com um banho de rio, seguiam com uma caminhada que tinha o Opota como visão, depois um café da manhã coletivo e então todos seguiam para o ginásio da Escola Estadual Indígena Imaculada Conceição, onde o Fórum acontecia.
As ministras do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, Marina Silva e Sonia Guajajara, a Presidente da Funai, Joenia Wapichana, e o secretário de saúde indígena, Weibe Tapeba, conversaram com os indígenas presentes sobre as necessidades e propostas para o território. Também estiveram presentes representantes dos ministérios de Direitos Humanos, Desenvolvimento Social, Saúde, Educação e Cultura.
Ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara (Assessoria de Comunicação | Funai)
“Cada povo possui seu protocolo e é difícil padronizar, mas agora estamos vendo na prática o exercício real do protocolo de consulta sendo implementado com as normas feitas pelo povo yanomami, e ao governo cabe aceitar e tornar isso uma prática do exercício executivo”, declarou Joenia Wapichana.
Para o antropólogo e coordenador do programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), Marcos Wesley, existe um inedistismo na amplitude da consulta realizada pelo governo federal aos povos indígenas.
“O Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana é a instância maior de governança da Terra Indígena Yanomami. Este é um evento muito importante com diversas lideranças e representantes de diversos ministros do governo, foi pautado pela consulta prévia e informado aos yanomami”, explicou.
Antes da chegada dos representantes do governo federal, os indígenas foram divididos em dez grupos para conversar sobre o que desejam para a Terra Indígena Yanomami.
Uma das composições era formada apenas por mulheres, representadas pela Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK).
Elas puderam refletir sobre as diferenças que vivenciam em pontos diferentes do território que possui mais de 9,6 milhões de hectares, o equivalente ao tamanho de Portugal. Entre as propostas das mulheres estavam:
Carlinha Lins Santos, de 41 anos, eleita presidenta da AMYK para assumir o mandato em 2024 e professora há duas décadas em Maturacá, disse que muitas mulheres de Roraima se inspiraram nas mulheres com formação superior de Maturacá.
Representantes do Ministério da Educação e Cultura (MEC) afirmaram que o órgão fez um diagnóstico que aponta a existência de um déficit de formação escolar maior em Roraima. No entanto, de maneira geral, os Yanomami carecem de formação de nível médio, enquanto os Ye’kwana já estão um pouco mais avançados.
Até dezembro, o órgão deve planejar formas de levar a educação de ensino básico e ensino médio técnico ao território Yanomami, mas ainda precisa discutir com os indígenas a forma adequada de fazer este movimento.
Carlinha relatou o choque ao ouvir relatos sobre os garimpeiros e invasores e os traumas que eles causaram em suas parentes. “De emergência, existem as doenças que restaram do garimpo [em Roraima] e isso apareceu muito no debate em forma de doença, fome e miséria. Elas choraram e viram toda a riqueza de Maturacá e disseram que em Surucucu e Palimiu não conseguem dormir porque estão doentes de preocupação com os invasores”, contou.
(Assessoria de Comunicação | Funai)
Com uma explosão da prática ilegal entre 2019 e 2022, a Terra Indígena Yanomami foi devastada e o povo Yanomami, considerado de recente contato com não-indígenas, registra altos indíces de malária e outras doenças. Com o solo e rios contaminados pelo uso de substâncias tóxicas, como o mercúrio para o garimpo, os Yanomami também viram suas roças minguarem e os casos de desnutrição crescerem.
Para lidar com a questão sanitária, o governo federal anunciou em 21 de janeiro uma operação de emergência. A operação está concentrada em duas regiões do vasto território e conta com resgates de situações emergenciais, montagem de estruturas para tratamentos de saúde e distribuição de cestas de alimentos para combate à desnutrição. No entanto, o garimpo ilegal continua mesmo com aumento de operações das forças de segurança pública.
A emergência foi o principal tema de discussão do grupo comandado pela Urihi Associação Yanomami. Junior Hekurari, presidente da Urihi e liderança de Surucucu, explicou que os atendimentos de saúde já começaram a melhorar nas comunidades que receberam atenção do governo, mas ainda é preciso avançar.
“Há muitas comunidades onde a assistência de saúde não chegou, principalmente as de difícil acesso. Há quem precise andar a pé de três a quatro dias para procurar atendimento no Surucucu”, explicou.
Conforme Hekurari, para garantir estruturação na saúde em Homoxi, Tirei, Hakoma e Parima é necessário seguir com a desintrusão dos garimpeiros, que mudaram o método de trabalho e têm atuado no período noturno. Os invasores representam perigo ao trabalho dos profissionais de saúde.
(Assessoria de Comunicação | Funai)
“Aqui em Maturacá percebemos que já estão bem estruturados, principalmente na educação e já há várias pessoas formadas. Em Roraima, ainda não chegamos nesse ponto e precisamos de educação, proteção, combate à malária e retirada dos invasores”, disse Hekurari.
A preocupação sobre a saúde em Roraima foi comum a todos os grupos, incluindo o liderado pela a Ayrca. “Nós, que estamos do lado do Amazonas, ainda precisamos de muitas coisas, mas neste momento enxergo que existe uma prioridade na saúde dos yanomami que vivem do lado de Roraima. Também é preciso retirar todos os invasores garimpeiros e garantir dignidade aos nossos parentes”, destacou Zé Mário.
Após todas as discussões, uma carta foi elaborada para explicar o contexto, a riqueza cultural e a diversidade que há na extensão da Terra Indígena Yanomami. Assinaram o documento os presidentes da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), Associação de Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Associação Ye’kwana Wanasseduume (Seduume), Associação Kurikama Yanomami (Aky), Urihi Associação Yanomami, Associação Xoromawë, Associação Parawamɨ, Associação Sanöma Ypassali, Associação Ninam Texoli (Taner).
O documento é direcionado ao governo federal. De acordo com o presidente da HAY, Davi Kopenawa, o Fórum de Maturacá foi “representativo e animado” e ajudou todas as lideranças, de todas as comunidades, a entender as diferenças e questões em comum a todo o território.
“Estivemos juntos para seguir na defesa da nossa terra, da nossa língua e dos nossos costumes. Juntamos a natureza e o povo da cidade, pois eles precisam se aproximar de nós para lutarmos juntos. Continuem escutando a minha fala e acreditando, minha luta não vai parar”, afirmou Kopenawa.
(Assessoria de Comunicação | Funai)
Abaixo estão as reivindicações das lideranças, presentes na carta, sobre o que a Terra Indígena Yanomami precisa para garantir a proteção dos direitos básicos do povo do maior território indígena do Brasil.
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IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana marca união de povos da maior Terra Indígena do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU