22 Julho 2023
“As duas crises, a ambiental e a social, não apenas têm certas origens em comum, mas se reforçam mutuamente. Sem o sentimento de pertença a uma comunidade nacional, não há delegação ao Estado da luta ambiental. Por outro lado, sem adaptação ou moderação das ameaças climáticas, adeus à busca do bem-estar, do progresso social e até da democracia.”
A reflexão é de Robert Boyer, diretor de pesquisa do CNRS, diretor de estudos da EHESS e pesquisador do Cepremap, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 17-07-2023. A tradução é do Cepat.
Muitos governos começaram a tomar consciência da emergência ambiental, como se viu na conferência internacional sobre o financiamento da “transição” ambiental. A falta de progresso, no entanto, mostra a dificuldade da tarefa.
Agora, as noites tumultuadas das cidades francesas estão colocando de volta na agenda a questão da coesão social, antes afetada pelos coletes amarelos e depois pela aprovação impositiva da reforma da Previdência. E se a concomitância de uma crise ecológica e de uma crise social não fosse um acidente, mas a consequência da própria orientação “economicista” das políticas seguidas ao longo de várias décadas?
Já na década de 1970, o relatório do Clube de Roma havia apontado a impossibilidade de um crescimento ilimitado em um planeta com recursos limitados e o preço crescente do petróleo tornava essa ameaça verossímil. A resposta da maioria dos economistas começou por sublinhar que a escassez se traduziria num ajustamento de preços que induziria a poupanças e à substituição do petróleo por outras energias mais baratas. Num segundo momento, os preços elevados de forma contínua não deixariam de estimular inovações que otimizam o uso de recursos escassos.
Assim, prevaleceram os defensores da eficiência dos mercados e os economistas neoschumpeterianos e, de fato, esses mecanismos funcionaram, como mostra o recurso ao uso da energia nuclear ou, mais recentemente, do gás de xisto. No entanto, não foram suficientes, como mostra a situação atual.
A partir da década de 1990, o desafio se desloca para a questão das mudanças climáticas. O IPCC publica uma série de relatórios em que explica a responsabilidade humana no aquecimento global que, ao longo do tempo, insistem na necessidade de políticas públicas vigorosas para impedir evoluções dramáticas.
São poucos os governos (Suécia, por exemplo) que decidiram implementar uma política ambiental digna desse nome. Foi somente na COP de Paris em 2015 que a coordenação internacional começou de forma não vinculante. Para muitos economistas, a fixação de um preço global para o carbono é a solução ótima, o que, sem dúvida, levará ao surgimento de técnicas no campo das energias renováveis.
Mutatis mutandis, um processo semelhante molda as políticas sociais nacionais. O esgotamento do regime de crescimento “fordista” tem sido interpretado como consequência dos excessos da legislação trabalhista e da cobertura social. A abertura internacional reduziu o poder de negociação dos trabalhadores, encorajou-os a tentar reduzir a redistribuição através da tributação, a reduzir a seguridade social e a "racionalizar" o acesso à saúde e a outras prestações sociais.
É simbólico que a França abandone o planejamento que havia contribuído para sua modernização: os preços serão suficientes para esclarecer as orientações estratégicas. Da mesma forma, deixou de ser relevante desenvolver o território, que fica relegado às estratégias das empresas e das comunidades locais.
Consequentemente, as desigualdades sociais não se manifestam a nível nacional, mas a nível local, dependendo do maior ou menor dinamismo econômico, da densidade dos serviços públicos (educação, saúde, polícia, cultura) e das associações que promovem a solidariedade local. A ruptura com o ideal de igualdade republicano é clara e é o fermento das revoltas urbanas que se repetem e se agravam ao longo das décadas.
A primeira é, pelo que parece, a de Vaulx-en-Velin (1979), a segunda ataca Les Minguettes (subúrbio de Lyon) em 1981, uma revolta transmitida ao vivo pela televisão. Repetiu-se em 1983 e suscitou uma das raras reações propriamente políticas: a Marcha pela Igualdade e Contra o Racismo. E nova explosão em Vaulx-en-Velin (1990).
A revolta de Chanteloup-les-Vignes inspirou o filme O ódio de Mathieu Kassovitz, e ressurge em Val-de-Reuil (1994) e em La Courneuve (1994). Quase todas as revoltas que se sucedem resultam da reação dos jovens às intervenções e aos "abusos" da polícia, mas a sua escala é desigual. Um dos pontos culminantes foi, sem dúvida em 2005, a impressionante propagação em toda a França dos motins que tiveram seu ponto de partida em Clichy-sous-Bois. Este é, em 2023, o ponto de comparação para o desdobramento da violência a partir do homicídio por um policial de um jovem em Nanterre.
Como explicar que essas impressionantes repetições e agravamentos não desencadearam em políticas vigorosas capazes de impedir a formação de guetos à francesa?
Uma resposta merece atenção: na origem das duas crises, a social e a ambiental, está a crença no postulado de que qualquer problema pode encontrar uma solução puramente técnica graças aos incentivos do mercado que permitem uma regulação quase cibernética que transcende as especificidades dos domínios e dos desafios.
Por conveniência de linguagem, podemos qualificar de economicismo essa postura que atinge seu ápice com a ideia de que qualquer problema da sociedade tem a probabilidade de encontrar uma resposta graças à invenção de um produto financeiro ad hoc. De fato, nos Estados Unidos, a securitização de créditos imobiliários concedidos a famílias incapazes de pagá-los, longe de reduzir a pobreza, reforçou-a e precipitou a maior crise econômica desde 1929.
O mal é mais pernicioso em relação ao clima: era ilusório esperar que o aumento dos preços dos recursos naturais fosse um indicador importante da crise que estava por vir. Por um lado, a atualização dos custos e benefícios faz desaparecer a consideração do futuro distante. Por outro lado, os negociadores ganham mais especulando do que em solucionar os processos que o próprio IPCC luta para formalizar. A eclosão e a repetição de eventos climáticos extremos surpreendem os líderes políticos.
O fato de a exclusão social não se distribuir uniformemente pelo território, como supunham as análises macroeconômicas, mas se concentrarem em certo número de localidades, a ponto de definir enclaves, quando não guetos, não surpreendeu. Até porque não faltaram os alertas, com a recorrência das explosões sociais.
Mais gravemente, a aplicação a nível local das diversas políticas nacionais relativas às empresas, ao emprego, aos transportes, à habitação, à polícia e à cultura faz com que as medidas tenham sido justapostas e não articuladas. Apesar dos recursos significativos, elas se mostraram incapazes de iniciar sinergias virtuosas que restaurem o sentimento de pertencimento à sociedade francesa.
Assim, a abstração do homo oeconomicus nos impediu de levar em conta de maneira correta a inclusão da humanidade na biosfera e o fato de que ela é também e acima de tudo um animal social.
A teoria padrão assume que a habitabilidade do planeta é um bem público global que os governos racionais devem reconhecer. No entanto, a oposição de seus interesses nacionais bloqueia esse reconhecimento, como mostra o modesto avanço das COPs.
Os teóricos dos Comuns concordam com a observação de que é um bem que deve ser resguardado da competição mercantil. Infelizmente, sua criação esbarra na tendência oposta, ou seja, na mercantilização do trabalho, da natureza e do dinheiro.
Além disso, o declínio das organizações internacionais da ONU torna muito difícil lançar uma Agência Mundial do Meio Ambiente dotada de meios regulatórios e financeiros para coordenar iniciativas nacionais nos moldes do FMI e do Banco Mundial. A mediação institucionalizada seria a condição para o reposicionamento das estratégias das empresas, das associações e dos cidadãos.
Foram as políticas de desregulamentação que minaram todos os órgãos intermediários que trabalhavam silenciosamente pela coesão social. Os partidos políticos que eram os mediadores entre os cidadãos e os governos deram lugar a equipes construídas em vista da conquista da presidência da República.
Os sindicatos, embora consideravelmente enfraquecidos, mostraram sua capacidade de mobilização contra a reforma da Previdência, mas tiveram pouco peso em relação à verticalidade do poder presidencial. As inúmeras associações que são viveiros de laços sociais e de aprendizado sobre a democracia parecem estar cada vez mais dependentes de subsídios públicos.
As redes sociais formam novas comunidades capazes de se mobilizar rapidamente sobre questões específicas: mobilizam mais as emoções e os afetos do que promovem a reflexão e a deliberação política. Finalmente, e isso é o mais preocupante, desde 1983, os protestos e as revoltas sociais não deram origem a novos atores e programas políticos, mas a uma violência raivosa e silenciosa.
A perda de confiança em quase todas as instituições políticas é grande. Em julho de 2023, prefeitos, considerados os líderes políticos mais legítimos pela maioria da população, foram agredidos e ameaçados de morte. E agora o governo, consternado, apela à sua intermediação depois de ter se esquivado de muitas das suas responsabilidades.
Finalmente, as duas crises, a ambiental e a social, não apenas têm certas origens em comum, mas se reforçam mutuamente (veja o diagrama abaixo). Sem o sentimento de pertença a uma comunidade nacional, não há delegação ao Estado da luta ambiental. Por outro lado, sem adaptação ou moderação das ameaças climáticas, adeus à busca do bem-estar, do progresso social e até da democracia.
Reflitamos sobre uma análise de Karl Marx e Friedrich Engels extraída de sua obra A ideologia alemã, publicada em 1846: “O comportamento limitado dos homens diante da natureza condiciona seu comportamento limitado entre si”.
Crise ambiental, crise social: uma origem comum
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Habitabilidade da terra e laços sociais: duas vítimas do economicismo. Artigo de Robert Boyer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU