06 Julho 2023
“Apesar dos recursos mobilizados e da boa vontade dos políticos locais, as pessoas se sentem excluídas da sociedade por causa de sua origem, cultura, religião... Apesar das políticas sociais e do trabalho dos políticos, os bairros não possuem recursos institucionais e políticos próprios”. A reflexão é de François Dubet, professor universitário emérito da Universidade de Bordeaux, em artigo publicado por La Gazette, 03-07-2023. A tradução é do Cepat.
Embora todas as vezes nos peguem de surpresa, desde as revoltas do [conjunto habitacional] Les Minguettes, em Lyon, na década de 1980, os motins se repetem seguindo o mesmo roteiro: um jovem é morto ou gravemente ferido pela polícia e a violência explode no bairro em questão, nos bairros vizinhos, às vezes, como em 2005 e hoje, em todos os bairros “difíceis” que se reconhecem na vítima da polícia.
Há quarenta anos as revoltas urbanas são dominadas pela ira dos jovens que atacam os símbolos da ordem e do Estado, as câmaras municipais, os centros sociais, as escolas, depois as lojas...
A raiva leva à destruição do próprio bairro diante dos moradores que condenam, mas “entendem” e se sentem impotentes.
Em todos os casos, há também um vazio institucional e político na medida em que os atores locais, os políticos, as associações, as igrejas e as mesquitas, os trabalhadores sociais e os professores admitem sua impotência e não são ouvidos.
Só a revolta de Minguettes em 1981 levou à Marcha pela Igualdade e Contra o Racismo. Mas desde então, nenhum movimento parece surgir da raiva.
Por fim, em todos os casos também, cada um faz o seu papel: a direita denuncia a violência e estigmatiza os bairros e as vítimas da polícia; a esquerda denuncia as injustiças e promete políticas sociais nos bairros. Nicolas Sarkozy havia escolhido a polícia em 2005, Macron mostrou sua compaixão pelo jovem morto pela polícia em Nanterre, mas é preciso dizer que os políticos e os presidentes dificilmente são ouvidos nos bairros afetados.
Então o silêncio se instala até a próxima vez em que redescobrimos os problemas dos bairros e da polícia.
A recorrência das revoltas urbanas e seus cenários devem nos levar a tirar algumas lições relativamente simples.
As políticas urbanas estão perdendo seus objetivos. Nos últimos 40 anos, esforços consideráveis foram realizados para melhorar as moradias e os equipamentos. Os apartamentos são de melhor qualidade, há centros sociais, escolas, colégios, linhas de ônibus... É errado dizer que esses bairros foram abandonados.
Por outro lado, a mistura social e cultural dos bairros deteriorou-se bastante. Na maioria das vezes, os moradores são pobres, precários, e são imigrantes ou oriundos de sucessivas imigrações.
Mas, acima de tudo, aqueles que conseguem “sair” do bairro, são substituídos por moradores ainda mais pobres e vindos de lugares ainda mais distantes. A estrutura física está melhorando e o ambiente social está se deteriorando.
Relutamos em falar de guetos, mas o processo social em ação é de fato o da guetização, de um abismo crescente entre os bairros e seu ambiente, de uma autossegregação imposta que é reforçada internamente. As pessoas frequentam a mesma escola, o mesmo centro social, têm as mesmas relações, participam da mesma economia mais ou menos legal...
Apesar dos recursos mobilizados e da boa vontade dos políticos locais, as pessoas se sentem excluídas da sociedade por causa de sua origem, cultura, religião... Apesar das políticas sociais e do trabalho dos políticos, os bairros não possuem recursos institucionais e políticos próprios.
Enquanto os subúrbios vermelhos foram fortemente enquadrados pelos partidos, sindicatos e movimentos populares de educação, os bairros têm pouca voz. Em todo caso, nenhum porta-voz em quem se reconhecem: os trabalhadores sociais e os professores estão cheios de boa vontade, mas há muito tempo não moram nos bairros onde trabalham.
Esta ruptura funciona nos dois sentidos e o motim revela que os políticos e as associações não têm uma verdadeira interlocução nos bairros, cujos habitantes se sentem ignorados e abandonados. Os pedidos de calma são ignorados. O rompimento não é apenas social, mas também político.
Nesse contexto, constrói-se uma relação de confronto entre os jovens e a polícia. Ambos operam como “gangues” com seus ódios e territórios.
O Estado é reduzido à violência legal e os jovens à sua delinquência real ou potencial. A polícia é considerada “mecanicamente” racista porque qualquer jovem é a priori suspeito. Os jovens odeiam a polícia, o que “justifica” o racismo dos policiais e a violência dos jovens. Os moradores gostariam de ter um policiamento maior para garantir um pouco de ordem, mas sendo solidários com seus filhos.
Essa “guerra” costuma ser travada em baixa intensidade, mas quando um jovem é morto, tudo explode e se replica em uma nova rodada, até a próxima revolta que nos surpreenderá tanto quanto as anteriores.
No entanto, há algo de novo nessa trágica repetição. É, primeiramente, a ascensão da extrema-direita, não somente na extrema-direita, com uma narrativa perfeitamente racista das revoltas suburbanas que está tomando conta, que fala da escravização e da imigração, e que podemos temer que acabe triunfando na urna.
A segunda novidade é a paralisia política e intelectual da esquerda que denuncia as injustiças e que às vezes apoia os motins, mas que parece não ter solução política a não ser uma necessária reforma da polícia.
Enquanto o processo de guetização continuar, enquanto o confronto entre os jovens e a polícia for a regra, é difícil ver como o próximo abuso e a próxima rebelião já não estariam às portas.
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França. A repetição e a raiva estão no coração dos motins. Artigo de François Dubet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU