07 Junho 2023
Biólogo e antropólogo de formação, autor de diversos romances e ensaios, o trabalho de Miguel Pajares tem se concentrado em temas relacionados à imigração, ao racismo e ao direito de asilo, temáticas às quais se dedica como pesquisador integrante do Grupo de Pesquisa sobre Exclusão e Controle Social – associado ao Departamento de Antropologia Social da Universidade de Barcelona – e como presidente da Comissão Catalã de Ajuda ao Refugiado.
Seu trabalho anterior, Refugiados climáticos, foi resultado da pesquisa sobre esses assuntos e sua relação com o aquecimento global. Com uma prosa ágil e atraente, em Bla-bla-bla: el mito del capitalismo ecológico, Pajares faz uma revisão concisa, mas detalhada e minuciosamente documentada de cada um desses mitos ecológicos com os quais o capital corporativo maquia as consequências de seu insaciável crescimento.
O livro também mostra a participação das administrações públicas na construção dessas fábulas, cujos efeitos sobre a população e os ecossistemas do planeta são cada vez mais dramáticos. Mas, além disso, Bla-bla-bla propõe uma saída esperançosa a essa ameaça que o capitalismo impõe sobre a vida: a do decrescimento sustentável.
A entrevista é de Alejandro Pedregal, publicada por El Salto, 06-06-2023. A tradução é do Cepat.
Seu livro expõe, uma após a outra, as principais farsas com as quais o capitalismo faz a lavagem verde ou “greenwashing” corporativo, em conivência com estruturas estatais e supraestatais. Quais são essas farsas? O que buscam?
Penso que o objetivo das corporações é claramente adaptar seu marketing às novas situações sociais. Atualmente, existe uma grande sensibilidade em relação ao meio ambiente e à mudança climática. Os movimentos juvenis pela justiça climática, unidos ao trabalho das organizações ambientalistas e a obstinada insistência dos cientistas que alertam sobre os perigos colossais que a mudança climática nos traz, conseguiram dar ao tema um alcance social, e foi isso que as corporações viram. Grandes empresas que antes negavam a mudança climática, agora, dizem que a entendem e que já estão oferecendo solução para o problema.
Assim, anunciam diversas medidas de tipo ambiental, mas, na realidade, o que buscam é continuar com seus negócios e que os seus produtos sejam adquiridos até mesmo pelas pessoas sensibilizadas por esse tema. Ao mesmo tempo, buscam evitar que os governos imponham regulamentações mais rígidas. E o ruim é que os governos, na maior parte dos casos, “compram” esse discurso das corporações.
Créditos de emissões, técnicas de captura e armazenamento de carbono (CCS), planos de conservação florestal, hidrogênio verde, inclusive, geoengenharia… Parece que temos soluções de sobra para emissões líquidas zero! No entanto, você demonstra como, em cada uma dessas “soluções” propostas, aparece a longa sombra das indústrias do petróleo e do gás. Qual é a razão desse vínculo?
Sim, tudo isso que você menciona faz parte das promessas climáticas das corporações. No meu livro, vou analisando cada uma dessas medidas e acredito que demonstro que nenhuma delas serve para realizar uma redução importante dos gases do efeito estufa. Todas são soluções que prometem essa redução em um determinado futuro, mas os estudos que vêm sendo feitos a esse respeito deixam claro que a incidência de tais soluções será pequena. E o ruim é que essas promessas para o futuro servem para que as empresas continuem emitindo os gases do efeito estufa, sem que ninguém as impeça.
É algo como se nos dissessem: “não se preocupem, no momento, continuamos emitindo, mas já daremos um jeito no futuro”. Além disso, outro aspecto que você aponta na sua pergunta é importante. Os governos, especialmente a União Europeia e os Estados Unidos, estão destinando grandes quantias para tais soluções futuras, e esse dinheiro está sendo levado por grandes corporações e, em particular, pelas dos combustíveis fósseis. Curiosamente, quem está por trás da estratégia do hidrogênio são as empresas de gás e petróleo.
Muitas vezes, a partir de diferentes sensibilidades ambientais, nós nos deparamos com uma aposta enfática nas energias renováveis como a grande solução para a crise. Esta é uma proposta que, aliás, hoje, enfrenta certa polêmica em diversos pontos da Espanha, devido à forma como está sendo implantada. Quais são as limitações dessa aposta?
É um assunto de certa complexidade. Precisamos que as energias renováveis sejam desenvolvidas, principalmente a solar e a eólica, para diminuir o consumo de combustíveis fósseis, mas está sendo implementado um modelo de desenvolvimento pouco respeitoso a outros aspetos que também são importantes para o meio ambiente. Por exemplo, não podemos desenvolver a energia solar com base na redução das terras agrícolas.
O problema é que grandes projetos solares e eólicos estão nas mãos das grandes empresas de energia, sendo que o ideal seria que estivessem nas mãos de comunidades que desenvolvam sua própria energia para atender às suas necessidades locais. Deveríamos potencializar o modelo de comunidades energéticas que algumas localidades vêm implementando.
Com todas essas propostas sobre a mesa, quais são as implicações dessa situação geral para a população e os ecossistemas, tanto a nível local quanto global? Penso em seu livro anterior, “Refugiados climáticos”, que mostrava as consequências para as populações do Sul global, que são as que menos contribuem para a crise ecológica e as mais afetadas por ela.
Se o aquecimento global seguir no ritmo atual, as ameaças à humanidade serão enormes. No meu último livro, eu explico essa questão, mas, de fato, eu a desenvolvi mais no anterior: Refugiados climáticos. Trata-se de ameaças como a perda generalizada de colheitas, tanto devido à temperatura quanto pela mudança nos padrões das chuvas; o aumento dos ciclones, que serão cada vez mais destrutivos para as cidades costeiras; o aumento do nível do mar, que também afetará as cidades costeiras e destruirá as áreas de cultivo dos deltas, que em muitos países são as áreas agrícolas mais importantes.
Essas ameaças afetarão a todos nós, mas, de fato, os países tropicais são os que mais sofrem. O paradoxo, como você aponta, é que esses países são os menos responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa que levaram à crise climática e, no entanto, são os que mais sofrem com isso. Desde o início, o capitalismo se expandiu à custa de populações e países que arcaram com as consequências dessa expansão, e parece que é isso que pretende continuar fazendo.
Seu trabalho revela como vivemos imersos em uma fantasia, a do crescimento, presente em todo imaginário social dominado pela ordem capitalista. Quais são as ameaças dessa fantasia?
O crescimento econômico levanta dois grandes problemas. O primeiro é que se dá consumindo recursos que são cada vez mais escassos. Faz 50 anos que foi publicado o estudo Limites do crescimento e, desde então, sabemos que não pode haver um crescimento infinito em um mundo de recursos finitos. Agora, isso está ficando cada vez mais claro; já estamos tropeçando nos limites dos recursos.
Em meu livro, desenvolvo bastante os limites que os metais nos conferem, e acredito que deixo claro que não poderemos ter tanta energia renovável como se diz, já que depende de metais que serão cada vez mais escassos. O segundo problema que quero ressaltar é o energético: se mantivermos o crescimento econômico, não poderemos dispensar os combustíveis fósseis, porque a crescente demanda por energia faz com que o aumento das energias renováveis não seja suficiente para começar a diminuir o consumo de fósseis.
Isso é algo que já está muito claro: as energias renováveis estão crescendo muito depressa, mas o consumo de combustíveis fósseis também continua crescendo. E se é assim, não estamos lutando contra a emergência climática.
Diante desse panorama geral, como é possível superar essas ameaças? Onde podemos encontrar esperança?
A esperança reside em que a sociedade tenha uma consciência clara de que devemos mudar de rumo. Agora, há muitos adolescentes e outras pessoas que se conscientizaram, mas não é o suficiente para que as sociedades em sua totalidade mudem suas estruturas de produção e consumo, e é isso que devemos alcançar.
Propõe uma saída socialmente justa para a crise: a do decrescimento sustentável. O que você quer dizer com este termo? É factível alcançá-lo e, em caso afirmativo, como?
Precisamos caminhar para uma sociedade com menos consumo de energia, e isso quer dizer que o consumo de inúmeras coisas deve diminuir. Contudo, não deve ser reduzido por quem menos tem e menos consome, mas, sim, por quem mais tem. Atualmente, 50% das emissões de gases do efeito estufa se devem ao consumo dos 10% mais ricos da população mundial. São eles que devem diminuir o seu consumo.
Por exemplo, temos que conseguir fazer com que o consumo de luxo desapareça completamente. Para isso, precisamos tirar o poder das elites corporativas e financeiras; precisamos que sejam as políticas públicas que dirijam a economia. Isso só pode ser alcançado se desenvolvermos uma economia baseada no cooperativismo e em outras formas de economia social e solidária, bem como em empresas públicas.
Para alcançar essa sociedade com menos consumo de energia, temos que fazer certas coisas. Vou dar dois exemplos. Um é a realocação industrial, para produzir o que precisamos mais próximos e reduzir o transporte mundial. Outro é a reconversão das monoculturas agroindustriais em agricultura camponesa que sirva para alimentar as populações locais.
Só esses dois objetivos já nos dão uma ideia de que as transformações que temos que fazer são profundas. O problema é que se não as fizermos, não enfrentaremos a emergência climática. Se é factível, bom..., não será fácil, mas é o que temos que fazer. O que não funciona é o que está sendo feito agora: desenvolver as energias renováveis, o carro elétrico e o hidrogênio, enquanto todas as outras coisas permanecem sem mudanças e as emissões de gases do efeito estufa continuam crescendo.
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“Precisamos das energias renováveis, mas está sendo implantado um modelo pouco respeitoso”. Entrevista com Miguel Pajares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU