25 Abril 2023
“Quando se trata de alcançar um crescimento estável e sustentável, os países em desenvolvimento não devem se perguntar o que os países mais ricos do mundo podem fazer por eles, mas o que podem fazer para melhorar suas próprias perspectivas econômicas”. A reflexão é de Dani Rodrik, em artigo publicado por El Economista, 23-04-2023. A tradução é do Cepat.
Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Escola de Governo Kennedy da Universidade de Harvard e presidente da Associação Econômica Internacional.
Os países em desenvolvimento estão cada vez mais preocupados com o fato de os Estados Unidos estarem dando as costas ao regime de comércio multilateral. Em meio às crescentes tensões geopolíticas, os formuladores de políticas dos países de baixa e média renda temem que uma ruptura com esse regime os torne reféns da política das grandes potências, minando suas perspectivas econômicas.
Suas preocupações não são infundadas: as políticas comerciais dos EUA mudaram significativamente nos últimos anos. O que parecia ser uma série aleatória de medidas sob o ex-presidente Donald Trump – sanções a empresas chinesas, aumento de tarifas e a fatal subversão do órgão de resolução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio –, tornou-se uma estratégia ampla e coerente sob o atual presidente Joe Biden.
Esta estratégia, que visa reconstituir o papel dos Estados Unidos na economia global, contempla dois imperativos. Primeiro, os EUA agora veem a China como seu principal rival geopolítico e veem sua ascendência tecnológica como uma ameaça à segurança nacional. Como mostram as amplas restrições do governo à venda de chips avançados e equipamentos de fabricação de chips para empresas chinesas, os EUA estão dispostos a sacrificar o comércio e os investimentos internacionais para frustrar as ambições da China. Além disso, esperam que outros países façam o mesmo.
Em segundo lugar, os formuladores de políticas dos EUA visam compensar as décadas de negligência com as prioridades econômicas, sociais e ambientais nacionais, concentrando-se em políticas que promovam a resiliência, as cadeias de suprimentos confiáveis, os bons empregos e uma transição para a energia limpa. Os Estados Unidos parecem felizes em perseguir esses objetivos por conta própria, mesmo que suas ações possam afetar negativamente outros países.
O melhor exemplo disso é a Lei de Redução da Inflação (IRA), a histórica legislação de transição climática do governo Biden. Muitos governos na Europa e em outros lugares ficaram indignados com os US$ 370 bilhões em subsídios para a energia limpa incluídos na IRA, que favorecem os produtores americanos. Pascal Lamy, ex-diretor da OMC, recentemente exortou os países em desenvolvimento a se juntarem à União Europeia para formar uma coalizão “Norte-Sul” sem os EUA, para “criar uma desvantagem para (os estadunidenses) que os faria mudar de posição”.
Sem dúvida, a Europa tem seu próprio tipo de unilateralismo, embora mais brando que o dos Estados Unidos. O Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) da União Europeia, que visa manter os preços do carbono altos dentro do bloco mediante a imposição de tarifas sobre importações intensivas em carbono, como aço e alumínio, visa apaziguar empresas europeias que, de outra forma, estariam em desvantagem competitiva. Mas também dificulta o acesso dos países em desenvolvimento, como Índia, Egito e Moçambique, aos mercados europeus.
Portanto, os países em desenvolvimento têm muito com o que se preocupar. Enquanto os EUA e a Europa tentam isolar a China e formular políticas de apoio às suas novas agendas domésticas, é pouco provável que tenham em mente os interesses das economias mais pobres. Para os países pequenos e de baixa renda, o multilateralismo continua sendo a única salvaguarda contra o solipsismo das grandes potências.
Mas os países em desenvolvimento fariam bem em reconhecer que essas políticas unilaterais são motivadas por preocupações legítimas e, muitas vezes, são projetadas para atender às necessidades globais. A mudança climática, por exemplo, é claramente uma ameaça existencial para a humanidade. Se as políticas dos Estados Unidos e da Europa acelerarem a transição verde, os países mais pobres também serão beneficiados.
Em vez de condenar essas políticas, os países de baixa e média renda devem buscar transferências e financiamentos que lhes permitam seguir o exemplo. Por exemplo, deveriam exigir que os países europeus canalizem as receitas do CBAM para os exportadores de países em desenvolvimento para apoiar o investimento dessas empresas em tecnologias mais ecológicas.
De modo mais geral, os países em desenvolvimento precisam lembrar que suas perspectivas econômicas são determinadas, em primeiro lugar, por suas próprias políticas. A não ser que haja uma recaída global para o protecionismo ao estilo dos anos 1930, é provável que não perderão o acesso aos mercados ocidentais. Além disso, países orientados para a exportação, como a Coreia do Sul e Taiwan, criaram seus milagres de crescimento durante as décadas de 1960 e 1970, quando os países desenvolvidos eram muito mais protecionistas do que são agora ou provavelmente serão em um futuro previsível.
Também é verdade que o modelo de industrialização voltado para a exportação perdeu força por razões que pouco têm a ver com as políticas protecionistas do Norte Global. Como as tecnologias de fabricação de hoje requerem muita habilidade e capital, é difícil para os recém-chegados replicar o sucesso dos tigres do Leste Asiático (chamo esse fenômeno de “desindustrialização prematura”). Os futuros modelos de desenvolvimento teriam que depender das indústrias de serviços e das pequenas e médias empresas, em vez de exportações industriais, para construir uma classe média próspera.
O novo enfoque dos países desenvolvidos na construção de economias nacionais resilientes e equitativas também poderia beneficiar a economia global. É muito mais provável que as sociedades coesas apoiem a abertura ao comércio e aos investimentos internacionais do que aquelas perturbadas pelas forças desiguais da hiperglobalização. Como mostraram muitos estudos, a perda de empregos e o declínio econômico regional muitas vezes podem engendrar políticas etnonacionalistas.
Em uma “carta à próxima geração”, escrita em 2019, Christine Lagarde, na época diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional e atual presidente do Banco Central Europeu, lamentou o aumento do unilateralismo e enfatizou os benefícios do acordo pós-1945. “Bretton Woods lançou uma nova era de cooperação econômica global, na qual os países se ajudaram a si mesmos ajudando uns aos outros”, escreveu. Mas o inverso também é verdadeiro: qualquer regime global bem-sucedido, incluindo o sistema de Bretton Woods, deve basear-se na ideia de que os países podem ajudar uns aos outros ajudando a si mesmos.
Em suma, quando se trata de alcançar um crescimento estável e sustentável, os países em desenvolvimento não devem se perguntar o que os países mais ricos do mundo podem fazer por eles, mas o que podem fazer para melhorar suas próprias perspectivas econômicas.
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As novas políticas comerciais deixarão o mundo em desenvolvimento para trás? Artigo de Dani Rodrik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU