21 Abril 2023
O historiador italiano afirma que para além das claras diferenças entre Jair Bolsonaro e Marine Le Pen, eles representam uma grande família em nível global. Eles viralizam suas ideias e perfilam seus dados.
A entrevista é de Gustavo Veiga, publicada por Página/12, 03-04-2023. A tradução é do Cepat.
É a primeira vez que Steven Forti vem à Argentina. Ele nasceu em Trento, na Itália, mas mora em Barcelona, onde fez o doutorado em História. Aos 41 anos, ele tem uma carreira acadêmica prolífica. Seu último e mais celebrado livro, Extrema Derecha 2.0 (Extrema Direita 2.0), o posicionou entre os especialistas mais consultados sobre neonazismo, neofascismo e movimentos populistas das mais diferentes roupagens. Tanto nostálgicos de Hitler, Mussolini e Franco como seguidores de Trump, Bolsonaro ou Marine Le Pen. Ele fez uma palestra no evento La noche de las ideas e também deixou sua opinião em uma entrevista ao Página/12.
Você diz que para definir o novo é preciso criar um significante e que a ultradireita não pode continuar sendo chamada de neonazismo, neofascismo, muito menos fascismo. Por quê?
Para entender um fenômeno é essencial não apenas estudá-lo para conhecê-lo, mas também como o denominamos. Aqui voltamos a uma linguagem bem mais filosófica, podemos citar Foucault, mas o nome das coisas é importante. Por outro lado, há um debate interminável sobre como definir Trump, Bolsonaro, Meloni, Le Pen e há quem fale em pós-fascismo, pós-nazismo, e há quem fale em direita radical ou nacional populismo. Então, penso que aqui não conseguimos chegar a um acordo sobre como chamar esse fenômeno, que é fundamental.
E que tal defini-lo como populismo?
Não compro a interpretação que fala do populismo como uma ideologia. O populismo não é uma ideologia, é um estilo, uma estratégia, uma retórica... Isso quer dizer que a extrema direita não é populista hoje? Claro que é, mas não é a única. Existem populistas de extrema direita, assim como existem populistas liberais ou populistas de esquerda.
Compará-los com o fascismo também é um anacronismo?
Existe um processo que se generalizou nas últimas décadas em todo o mundo, que é a banalização do fascismo. O termo tornou-se um insulto. Como historiador, fui formado antes de estudar essas novas extrema direita e sabemos que o fascismo é uma ideologia e um movimento político que surgiu em um determinado momento na Itália no primeiro pós-guerra, se espalhou para a Europa, etc. O fascismo tem algumas características nucleares que não são apenas o ultranacionalismo ou o racismo, os elementos conservadores ou o expansionismo militar, mas também o desejo de enquadrar as massas em grandes organizações, a visão corporativa do Estado, uma revolução palingenésica, é a vontade de criar homens e mulheres novos, a violência como ferramenta política, apresentar-se como partido de milícia, estabelecer um regime de partido único. Isso não encontramos na nova extrema direita. Então é equivocado falar de fascismo.
O que vemos então na extrema direita atual?
O neofascismo e o neonazismo, que não são exatamente a mesma coisa, veem a sociedade de uma forma diferente. Eles propõem uma volta ao passado. O fascismo do período entre-guerras olhava para o futuro. Olhar para o futuro não significa que seja algo positivo ou progressista. Mas tinha uma visão de futuro. O neofascismo é o culto dos mártires, dos mortos, e a vontade de restaurar algo que já havia passado para uma vida melhor. Em outras palavras, existem grupos neofascistas, existiram cinquenta anos atrás e existirão daqui a trinta anos. Mas eles são ultraminoritários. Eles podem influenciar a sociedade? Sim. Talvez se houver um governo de direita ou de extrema direita eles tenham mais visibilidade. Digamos que eles terão permissão para fazer mais coisas, mas permanecerão em minoria. O que existe é uma extrema direita que pode ou não ter elementos de continuidade.
Você disse que o termo fascista é usado mal e como um insulto. Mas com a palavra comunista não acontece a mesma coisa quando a direita ou a extrema direita a menciona?
Concordo com você e talvez os dois países onde isso é mais perceptível sejam a Espanha e a Itália. A primeira, pelos vínculos culturais com a América Latina, mas também por uma certa influência da direita espanhola. Nos últimos três anos, com o governo de Sánchez e a coalizão de socialistas e o Podemos, falou-se do governo castro-chavista e na Itália porque houve um partido comunista forte até 1989-1991 e quando Berlusconi entrou em cena, ele usou o espectro do comunismo, quando já não existia mais e era o Partido Democrático da Esquerda. Ele usou essa bandeira o tempo todo, e até hoje.
Quanto há da construção de um outro, do medo de um inimigo, do diferente, como pensava o historiador francês Georges Duby?
Absolutamente. Isso é fundamental, e atenção! Em toda a história contemporânea e principalmente no final do século XIX quando a sociedade muda da fase imperialista, e depois da Primeira Guerra Mundial, vemos isso claramente até hoje. Especialmente porque também construir um inimigo é fortalecer uma comunidade nacional ou uma comunidade partidarista. Por exemplo, o judeu era a ameaça, o migrante de hoje na Europa, o bolchevique, o vermelho, o comunista, e isso contribui ainda mais para polarizar nossas sociedades ao se aproveitar de nossas redes sociais. Isso ajuda muito a alargar aquelas rachaduras que podem ser criadas.
Em seus escritos sobre a extrema direita, você afirma que leu melhor para onde está indo o uso das novas tecnologias para difundir suas ideias... É mesmo?
A extrema direita tinha muita dificuldade de chegar às pessoas porque os grandes meios de comunicação, nem todos, os mais generalistas, não davam muito espaço para eles... Tentavam até certo ponto isolá-los, não dar-lhes muita visibilidade. Mas a internet permite que não haja intermediação. De fato, a Frente Nacional na França foi o primeiro partido a abrir um sítio na internet em 1996. Na Europa, entendem muito bem que isso lhes dá uma grande oportunidade e que se conecta com o uso das redes sociais, que são uma vantagem. A internet não é apenas o lugar onde se pode fazer um blog, criar uma página web, vender ou revender livros antigos, mas também o canal mediante o qual se pode influenciar o debate público. Esta é uma questão importante e, por outro lado, a crise dos meios de comunicação tradicionais.
Existe algum outro campo onde esses grupos assumiram a liderança?
Há outro problema no momento que é a batalha dos dados. Quem é o proprietário dos dados? As empresas, os cidadãos, os Estados? A extrema direita entendeu uma coisa. É ela quem mais aproveitou, embora não seja a única, e quem mais dinheiro investiu nessa criação de perfis de dados para fins eleitorais.
O quanto a religiosidade influenciou o advento da extrema direita, como, por exemplo, no caso do Brasil, onde isso ficou muito claro com o apoio a Bolsonaro das Igrejas Evangélicas?
É um elemento importante, mas temos que analisá-lo em cada contexto. Há países onde isso pesa mais e países onde pesa muito pouco. Dou-lhe um exemplo de onde pesa muito pouco. Nos países escandinavos, na Holanda, em países onde, digamos assim, a religião pesou menos historicamente. Esses grupos de extrema direita não leem a cartilha religiosa. Nem são tão radicais em questões de direitos civis. Geert Wilders, o líder da extrema direita holandesa, é a favor do casamento gay. Para Bolsonaro, Meloni, Abascal ou Orbán, isso seria impensável.
Qual é a hipótese do seu livro Extrema Direita 2.0?
Que a extrema direita se renovou em relação ao passado, que soube usar as novas tecnologias antes e melhor para viralizar suas ideias e o perfilamento de dados, que é uma grande família em nível global, para além do fato de que há diferenças óbvias entre o bolsonarismo e Marine Le Pen, por exemplo. Não são a mesma coisa, embora haja mais coisas que compartilham do que aquelas que os diferenciam. E, além disso, não são apenas as referências ideológicas que os unem; também as redes transnacionais que ligam essas formações políticas. Eles têm fundações, centros de reflexão, e essa é uma novidade muito importante em comparação com o passado. Na Europa, dividem muito espaço no Parlamento Europeu, constroem uma agenda comum. Eles são o nacional-conservadorismo. Essa direita trabalha para se apresentar como uma versão democrática conservadora, coisa que ela não é.
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“A ultradireita soube usar as novas tecnologias antes e melhor”. Entrevista com Steven Forti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU