28 Março 2023
"O ministério não é uma prescrição temporária, é eterno; a obrigação do celibato é algo que pode terminar, havia explicado Francisco. Suas palavras despertaram nele a esperança de que a sua forma de viver logo se tornaria algo mais comum", escreve Cesar Rollán Sanchez, em artigo publicado por Ecclesialia, 17-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Percorria os corredores do Vaticano de chinelos, sonolento, barba por fazer e caminhando rapidamente. Chegava atrasado ao seu escritório no Vaticano porque tinha voltado a dormir depois de ter desligado o despertador. Tinha tido uma noite ruim porque o pequeno estava com cólicas e havia ficado em seus braços até adormecer. Ele carregava papéis em uma mão e a chave do seu escritório na outra. Não tinha conseguido tomar o café da manhã e isso o deixava numa condição incômoda.
Caminhava sério, mas seguro de que teria chegado a tempo quando, sem esperar, topou com Francisco bem na sua frente. Ele parou, claro, respeitosamente, mas sem protocolo mais amplo, após o próprio papai ter-lhe dito, na primeira vez, que não era necessário. O papa perguntou-lhe como estava, alertado por seu rosto cansado; Jorge Mario logo percebeu que não havia descansado o suficiente. Depois perguntou sobre a sua esposa e filho e assim alguns minutos se passaram antes que ele retomasse seu caminho e, por fim, chegasse atrasado ao seu local de trabalho.
À tarde, já em casa, se informou sobre o que havia saído em todas as mídias depois que o Infobae havia entrevistado o papa. Aparentemente, entre as numerosas perguntas apresentadas por Daniel Hadad a Francisco, havia, mais uma vez, aquela da possibilidade de os padres se casarem. O jornalista orientou a questão para a necessidade de mais pessoas terem acesso ao ministério, algo nada original e muito banal, que o papa imediatamente se encarregou de redirecionar para constatar a existência de padres casados: “Todo o rito oriental. Aqui na Cúria temos um — cruzei com ele justamente hoje – que tem sua esposa e seu filho. Não há nenhuma contradição que um padre possa se casar”.
Enquanto trocava a fralda do bebê, ele ouviu toda a entrevista para ver “de onde havia saído". Sim, estava ali; Francisco havia falado dele e o mundo inteiro o havia descoberto. "O celibato na Igreja Ocidental é uma prescrição temporária: não sei se pode se resolver de uma forma ou de outra, mas é provisório nesse sentido; não é eterna como a ordenação presbiteral, que é para sempre, queira você ou não". Fazia muito tempo que não entendia como uma vida como a dele pudesse ser posta assim em discussão no Ocidente. Recordou os primeiros dias na Santa Sé, quando caminhava com a sua família e era observado pelos outros padres de maneira diferente. Não parecia normal, ele se sentia, de certa forma, julgado; em mais de uma ocasião teve que dar explicações e nem sempre foi compreendido.
O ministério não é uma prescrição temporária, é eterno; a obrigação do celibato é algo que pode terminar, havia explicado Francisco. Suas palavras despertaram nele a esperança de que a sua forma de viver logo se tornaria algo mais comum. Ele se lembrou de algumas conversas com os colegas da cúria sobre a relação entre seu estado civil e sua vocação religiosa, sobre como poderia se doar totalmente aos outros mesmo sendo casado, e até que ponto o cuidado da família seria para ele uma distração, como podia viver a sua sexualidade e a dedicação incondicional à obra de Cristo...
Ele sempre teve consciência, como naquela manhã, do fato de que as coisas de Deus andam de chinelo, que Deus é, sobretudo, família e que, como havia afirmado o papa na entrevista, “o celibato é apenas uma disciplina”. Desta vez alimentou a possibilidade de ter em breve novos companheiros com quem compartilhar também os assuntos de casa e, porque não, companheiras com as quais entender que até a sua ordenação presbiteral, recebida tempo atrás, era para sempre.
Hadad havia acrescentado a pergunta sobre a revisão da norma disciplinar à resposta do papa e Francisco, sem hesitação, havia respondido: “Sim, sim, de fato todos aqueles da Igreja Oriental são casados. Ou aqueles que querem. Lá eles fazem uma escolha. Antes da ordenação, a de se casar ou ser celibatários”; ele mesmo havia contado ao papa como eles se conheceram e viveram seu amor até se casarem e ser ordenado padre. Sim. Sim. É uma questão de tempo. Chegará!
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Padre com esposa e filho. Artigo de Cesar Rollán Sanchez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU