21 Março 2023
A Etapa Continental do Sínodo 2021-2024 é vista pelo Pe. Agenor Brighenti como uma etapa importante no processo sinodal. Depois das Assembleias Regionais, onde ele participou na Região Cone Sul, o teólogo brasileiro faz parte da Equipe de Síntese Continental, reunido na sede do Celam, que está elaborando o documento a ser entregue à Secretaria do Sínodo.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O Pe. Brighenti reflete sobre as novidades do processo, as comunidades de discernimento, a conversa espiritual, mostrando alguns elementos presentes nas assembleias, sobretudo no Cone Sul, onde apareceram temáticas que, aos poucos, fazem parte das pautas da Igreja, uma Igreja onde no espírito da sinodalidade “não existe nenhum tema que não se possa conversar, que não se possa falar”.
Depois de encerrar as assembleias da Etapa Continental do Sínodo 2021-2024 na América Latina e no Caribe, o Celam está realizando a Síntese Continental. O senhor participou da Assembleia do Cone Sul. Como tem vivenciado este processo?
Uma etapa importante no processo sinodal, que começou a partir das igrejas locais, na etapa primeira, foi mais na base. Esta segunda Etapa Continental é que prepara a etapa universal para depois fazer o caminho de volta de novo para as bases. No Cone Sul, as igrejas se reuniram nesses cinco países. Foi gratificante notar que há um compromisso bastante estreito com a renovação do Concílio, compromisso muito explícito também com a tradição eclesial latino-americana, igrejas que têm vivenciado um processo sinodal da Primeira Assembleia Eclesial e tem sintonizado também com o Sínodo da Amazônia. Pode-se dizer que na Assembleia do Cone Sul se respirou um forte compromisso com a sinodalidade. É muito gratificante e, ao mesmo tempo, esperançador para a Igreja.
Após as Assembleias Regionais, a Equipe de Síntese Continental está elaborando em Bogotá o Documento que será enviado à Secretaria do Sínodo, uma novidade, pois é a única das sete regiões onde aconteceram várias assembleias. Como está resultando esse processo em que o senhor está participando? Até que ponto isso está ajudando a ter uma riqueza maior?
Tomamos consciência da contribuição e da participação das quatro regiões. É um material precioso, amplo. Aqui nos debruçamos sobre isso, tentamos identificar as grandes tendências e as incidências, e o objetivo é chegar a uma condensação dessa contribuição. Em alguns pontos, porque se trata de integrar depois o Instrumentum Laboris, o Documento de Trabalho do Sínodo, que se vai juntar com as outras seis grandes regiões que participaram deste processo.
Agenor Brighenti. (Foto: Reprodução | Luis Miguel Modino)
As comunidades para o discernimento marcaram as assembleias regionais, onde bispos, presbíteros, religiosos, leigos se colocam no mesmo nível. Isso ainda resulta surpreende na Igreja, o fato de todo mundo poder falar e todo mundo ter que escutar os outros?
Aqueles que já estão mais incluídos na Igreja, que são membros das lideranças e da hierarquia, já tinham essa experiência. Agora, aqueles que nunca foram muito escutados, que não tiveram muito espaço, que estiveram às vezes distanciados, que foram colocados um pouco à margem das comunidades, essas pessoas terem feito essa experiência nas assembleias regionais de estar lado a lado com cardeais, seja na fila para alimentar-se, seja numa reunião, para escutar-se e fazer consenso, um consenso onde todo mundo tem o mesmo peso, isso foi algo muito forte. Essa experiência, porque não foi simplesmente preparar o Sínodo, foi já um esforço de viver essa sinodalidade nessas comunidades de discernimento.
Aí foram três dias em que se trabalhou nesses espaços, e os grupos foram muito bem formados porque eram interpaíses e também com diversidade de pessoas. O testemunho que a gente escutou na assembleia foi que os consensos não foram muito difíceis, não. Houve bastante convergência na escuta, e depois também no consenso que se teceu em torno das questões que estavam em pauta nessa assembleia.
E quais são os clamores que o Cone Sul vai enviar para Roma para a Assembleia Sinodal que vai acontecer no mês de outubro no Vaticano?
Pelo que a gente percebeu na Assembleia do Cone Sul, eu acho que foi feito um discernimento bom, no sentido de se ter presente o Batismo como a fonte de todos os ministérios. Aí está o coração da teologia da sinodalidade, é o mesmo Batismo que nos congrega a todos como irmãos e irmãs. Os diversos ministérios deveriam estar sobre o Batismo e os diversos ministérios não distanciam, e não poderiam distanciar as pessoas umas das outras.
Isso ficou muito claro aqui, esse valorizar, esse tomar consciência de fazer do Batismo a fonte da vivência eclesial. E decorrente dali ficou muito visível também essa necessidade de superar qualquer tipo de relação vertical na Igreja. Seja em relação dos leigos à hierarquia, seja em relação aos organismos, que alguns são de consulta, outros são de decisão, para que todos possam ser expressão dessa corresponsabilidade de todos. Isso ficou muito claro, a necessidade de repensar o perfil dos ministérios, sobretudo o perfil dos ministérios ordenados, que eles estão dentro de uma concepção de Igreja muito hierárquica, piramidal.
Ficou muito claro também a necessidade de multiplicar os ministérios na Igreja, em especial que as mulheres tenham acesso aos ministérios. Na Assembleia do Cone Sul, falou-se explicitamente que as mulheres deveriam ter o acesso irrestrito aos ministérios. Falou-se inclusive da ordenação das mulheres, pelos menos ao diaconato. Isso foi bastante explícito. Com relação ao ministério presbiteral, também ficou bastante evidenciada a necessidade, primeiro, de ter um olhar muito especial aos padres que deixaram o ministério e gostariam de estar melhor integrados na Igreja e, depois, a ordenação de padres casados. Ficou bastante evidenciado nos relatos dos grupos na Assembleia do Cone Sul.
Nesse sentido, o Cone Sul coloca pautas bastante arrojadas e que formarão uma agenda difícil para o Sínodo, mas necessária, dadas as necessidades de nossas comunidades. Destaco, de modo muito, particular a falta da Eucaristia como centro da vida eclesial, porque hoje, mesmo no Sul e em outras partes do Brasil, a Eucaristia não é algo que as comunidades têm acesso semanalmente. A Igreja faz a Eucaristia, a Eucaristia faz a Igreja, então as comunidades eclesiais, elas têm o direito de ter o acesso à Eucaristia e a Igreja tem o dever de atender a essa demanda que ela tem pelos sacramentos todos e em especial pela Eucaristia, que vai implicar repensar os ministérios.
Essas temáticas, acesso à Eucaristia, ordenação de homens casados, ministerialidade das mulheres, são temáticas já presentes no Sínodo para a Amazônia. Poderíamos dizer que temas que antes foram quase proibidos, que em muitos ambientes continuam gerando muita polêmica, aos poucos vão entrando na agenda da Igreja como uma reflexão que não pode ser mais adiada?
Talvez as decisões possam tardar um pouco mais, porque às vezes as condições não estão dadas para que haja também um consenso mais amplo e não haja possibilidade de algumas divisões na Igreja. Mas em termos de debate, de mentalidade, em termos de estar consciente da necessidade, isso se avançou muito nos últimos anos, porque eram pautas que em pontificados passados não se podia tratar publicamente, nem em sala de aula, muito menos em espaços pastorais.
Hoje, nesse clima de sinodalidade, não existe nenhum tema que não se possa conversar, que não se possa falar. Os que participaram na Assembleia do Cone Sul perceberam isso, essa ampla liberdade que a Igreja dá para tematizar as questões, os problemas, os temas, sem nenhuma censura, e isso certamente vai criando as condições e vai também trabalhando as resistências para que, senão é agora nesse Sínodo, mas em próxima etapas essas reivindicações possam ser consideradas.
As formas podem ser variadas, porque por exemplo a região amazônica, que votou favoravelmente à ordenação de homens casados, no rito que se está aí trabalhando, o rito amazônico, que não é simplesmente um rito litúrgico, é um rito sub judice, no sentido que é um modelo de Igreja, esse rito, ele contempla a proposta de padres casados. Pode que certas agendas que agora se planteiam não se abram para toda a Igreja, mas pode que alguma região, algum continente possa ser autorizado a fazer uma experiência e poder também aí ir respondendo a essas pautas, reivindicações, que não são de agora, mas que agora existe um clima totalmente favorável, aberto, para a conversa e para buscar caminhos.
Poderíamos dizer que uma das grandes mudanças da sinodalidade é que acabou a censura?
Certamente. O Papa Francisco tem propiciado uma Igreja com grande liberdade de escutar, de dizer, de buscar sintonizar com o outro, mesmo se a gente não concorda, colocar-se no lugar dele. Isso a gente respira também na academia, na pesquisa teológica. Antes existiam vários processos contra teólogos, agora não existe mais nenhum. É um momento novo realmente, que mesmo sobre aquelas temáticas mais complexas, mais difíceis, não estamos proibidos de conversar, investigar, aprofundar, de ver a Tradição da Igreja, de ver também as reais necessidades e depois ir tecendo os consensos necessários nos diversos âmbitos eclesiais para que essas decisões possam ser discernidas e, quem sabe, também decididas.
(Foto: Reprodução | Luis Miguel Modino)
Esses consensos são possíveis. É possível viver a sinodalidade numa sociedade e numa Igreja muitas vezes polarizadas, onde as posturas extremas, sobretudo midiaticamente, querem ganhar protagonismo, especialmente através das redes sociais?
Se na Igreja o debate for levado adiante a partir de uma postura mais pastoral, a partir de uma sensibilidade com as necessidades das comunidades, as coisas vão ser muito mais fáceis, porque quando se debate em termos de ideias, em termos de Tradição e se pode ou não pode, as coisas ficam muito mais difíceis. Mas se houver um olhar para as necessidades pastorais, se houver um olhar e uma escuta para as demandas das comunidades eclesiais, nesse sentido se vai trabalhando.
Também a opinião pública, também tem setores mais conservadores, no sentido de que há direitos das comunidades eclesiais que a Igreja poderia atender sem colocar em nenhum risco a tradição, a doutrina da Igreja. Porque muitas vezes são questões mais disciplinares, não são questões de dogma de fé, não mexe naquilo que é a tradição que se acumulou em termos de referencial. São mais que tudo questões disciplinares e que a Igreja em seu momento, aqui ou acolá, pode tomar uma decisão e estabelecer uma outra disciplina porque não se está mexendo naquilo que é a fé da Igreja como tal.
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“Francisco tem propiciado uma Igreja com grande liberdade de escutar, de dizer, de buscar sintonizar com o outro”. Entrevista com Agenor Brighenti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU