11 Março 2023
"A história de Rute nos abre para a beleza do dom dos afetos porque neles podemos sempre encontrar a Deus: nos mais puros sentimentos humanos é o próprio Deus quem age, e é possível reconhecer a Sua presença", escreve Filomena Fabri, teóloga italiana, especialista em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. A tradução é de Janaildes Maria dos Santos.
Rute, porém, disse: “Não insistas comigo para eu te abandonar, voltando atrás sem ti. Para onde fores, eu irei, e onde quer que permaneças, permanecerei contigo. Teu povo é meu povo, teu Deus é meu Deus. Onde morreres, lá morrerei e lá serei sepultada. Que o Senhor me cumule de castigos, se não for só a morte a nos separar uma da outra”. – (Livro de Rute 1,16-17)
O Livro de Rute narra a história de uma família de Belém que, devido à fome, emigrou para a terra de Moabe. Esta família, dez anos após a sua inserção em Moabe, vive a tragédia do luto: morrem os três homens da casa, primeiro o marido e depois os dois filhos.
Noemi, esposa de Elimèlech, é deixada sozinha com suas duas noras moabitas, Orpa ("aquela que lhe dá as costas") e Rute ("a amiga"). Estas três mulheres experimentam a desolação do luto, mas ao mesmo tempo também a riqueza do afeto mútuo.
Na condição de desconforto emerge a qualidade da relação entre Noemi e suas duas noras, que são amadas pela sogra como filhas.
O convite que Noemi dirige às suas noras, de retornarem às casas das suas mães, evidencia a sua preocupação materna por elas. Após este convite, Orpa beija sua sogra em lágrimas e volta para casa da sua mãe, enquanto Rute, como apresentado nos versos iniciais, não quer se separar de Noemi.
Rute não pode deixar Naomi sozinha em amargura! O texto não nos conta os detalhes da relação entre as duas mulheres, mas nesses versos emerge todo o amor de uma filha por sua. Rute revela-se uma filha que mostra um profundo agradecimento à mãe pela herança que recebeu: a beleza da sua pessoa, a sua experiência de vida, como mãe, o seu exemplo e a sua fé em Deus. A moabita mostra fidelidade e dedicação à sogra, e pratica o que a própria Noemi provavelmente lhe ensinou: ela expressa seus sentimentos de gratidão e sua adesão à fé em gestos concretos de amor.
O texto bíblico não afirma explicitamente se Rute aprendeu com Noemi a beleza da fé no Deus de Israel, mas permite que seja entendida por meio da determinação da moabita. O calor do gesto de proteção da sogra se faz através de um juramento que vem acompanhado de uma fórmula imprecatória, digna de uma filha de Israel! Rute escolheu o Deus de Israel e agora é ela quem indica a Noemi a importância de se deixar guiar pelo amor para ir ao encontro do Amor!
Rute opta por não virar as costas ao que recebeu, por não virar as costas ao carinho da mãe e afirmá-lo em suas posições! Ela acolhe a palavra de Deus que tocou secretamente o seu coração e a prepara para renunciar a tudo o que Moabe pode lhe oferecer, para continuar o seu caminho filial de uma forma totalmente nova a ser descoberta em Belém junto com a sua mãe Noemi.
Belém, a casa do pão, torna-se a casa da providência de Deus, a qual não só liberta seu povo da fome, mas liberta Noemi de sua amargura por meio da presença de Rute. A filha fiel, a amiga, a estrangeira que será mãe fecunda em Israel (cf. Rute 4), escolhe Deus porque escolhe o amor, e a história vira de cabeça para baixo. A força de duas mulheres provadas pela dor por terem perdido tudo, porém, não as impede de permanecerem unidas e crescerem juntas na fé!
A história de Rute nos abre para a beleza do dom dos afetos porque neles podemos sempre encontrar a Deus: nos mais puros sentimentos humanos é o Próprio Deus quem age, e é possível reconhecer a Sua presença. A vida humana pode ser uma teofania em seus acontecimentos, em seus sentimentos de afeto e amor, pode ser verdadeiramente uma manifestação de Deus! Sim, porque Deus é quem dá o pão e se faz presente no dom do afeto.
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Rute: a presença de Deus na dádiva do afeto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU