09 Novembro 2022
“Se os liberais/progressistas quiserem ganhar o apoio do Papa Francisco para suas reformas, eles precisarão mostrar como as reformas permitem que a Igreja proclame melhor o Evangelho e como elas nos fazem crescer como Igreja sinodal. Se os conservadores querem matar essas reformas, eles devem mostrar que as reformas propostas fazem exatamente o oposto”, escreve o jesuíta estadunidense Thomas Reese, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 08-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Com a convocação de um Sínodo sobre a Sinodalidade, o Papa Francisco iniciou o processo consultivo mais amplo que o mundo já viu.
Nos últimos meses, cada diocese produziu um relatório sobre suas sessões de escuta, que foram sintetizadas por suas conferências episcopais nacionais. Os relatórios da conferência foram enviados a Roma, onde por sua vez foram incorporados a uma “síntese das sínteses” que foi preparada para a próxima etapa do processo sinodal: uma consulta continental.
Para os milhões de pessoas que participaram do processo sinodal, o sínodo não é mais um conceito abstrato, mas uma experiência vivida. Eles se encontraram como irmãos e irmãs, compartilharam sua experiência de ouvir a palavra de Deus e refletiram juntos sobre o futuro da Igreja.
Meu palpite é que, para Francisco, essa experiência vivida é tão importante, se não mais importante, do que quaisquer propostas que venham do sínodo.
O “Documento de Trabalho para a Etapa Continental”, lançado no mês passado, nos dá uma ideia de onde o processo sinodal esteve e para onde ele pode estar indo.
Documento de Trabalho para a Etapa Continental do Sínodo sobre a Sinodalidade. "Alarga o espaço da tua tenda"
O documento descreve “o senso compartilhado da experiência da sinodalidade vivida por aqueles que participaram”, escreveram seus autores, incluindo “as esperanças e preocupações do Povo de Deus de todo o mundo”.
Este material permitirá aos participantes das assembleias continentais ouvir vozes de todas as partes do mundo. A experiência cultural, política, econômica e religiosa da Igreja é muito diferente na África, Europa, Ásia e entre as Américas.
Estas assembleias continentais elaborarão então uma lista de prioridades para a primeira sessão do Sínodo dos Bispos, que terá início em outubro próximo.
A primeira seção do documento relata que houve grande apreciação pela oportunidade de falar e escutar outros na Igreja.
“O que emerge”, segundo o documento de trabalho, “é uma profunda reapropriação da dignidade comum de todos os batizados”. Este fundamento teológico “permite-nos continuar a promover e fazer bom uso da variedade de carismas que o Espírito com abundância imprevisível derrama sobre os fiéis”.
O segundo capítulo está organizado em torno de uma citação de Isaías: “Alarga o espaço da tua tenda!”, onde a tenda é vista como espaço de comunhão e participação, fundamentos necessários da missão.
“Alargar a tenda exige acolher os outros, abrindo espaço para a sua diversidade”, diz o documento de trabalho.
No centro da tenda “está o tabernáculo, ou seja, a presença do Senhor”, explica o documento de trabalho à medida que desenvolve a metáfora. “A resistência da tenda é assegurada pela robustez das suas estacas, ou seja, os fundamentos da fé que não mudam, mas podem ser deslocados e colocados em terrenos sempre novos, de modo que a tenda possa acompanhar o povo que caminha na história. Por fim, para não afrouxar, a estrutura da tenda deve manter em equilíbrio as diversas pressões e tensões a que é submetida: uma metáfora que expressa a necessidade do discernimento”.
O terceiro capítulo descreve a Igreja como precisando viver “um paradoxo cristológico: proclamar com ousadia seu ensinamento autêntico e, ao mesmo tempo, oferecer um testemunho de inclusão e aceitação radical por meio de seu acompanhamento pastoral e discernimento”.
Em vez de nos comportarmos como guardiões, somos chamados a uma “visão de uma Igreja capaz de inclusão radical, pertencimento compartilhado e profunda hospitalidade de acordo com os ensinamentos de Jesus”.
O caminho para uma maior inclusão requer “ouvir profundamente e aceitar ser transformado por ela”. Os obstáculos a essa escuta incluem estruturas hierárquicas, clericalismo e diferenças socioeconômicas.
Nas sessões de escuta, muitos falaram da necessidade da inclusão de muitos grupos marginalizados, incluindo jovens, pessoas com deficiência, descontentes com a mudança litúrgica, que fizeram abortos, pessoas que se divorciaram e se casaram novamente, pais solteiros, pessoas que vivem em um casamento poligâmico, pessoas LGBTQIA+, aqueles que deixaram o ministério ordenado e se casaram, e “mulheres e eventuais filhos de padres que quebraram o voto de celibato, que correm o risco de sofrer graves injustiças e discriminação”.
Também são listados “os mais pobres, os idosos solitários, os indígenas, os migrantes sem qualquer filiação e que levam uma existência precária, os meninos de rua, os alcoólatras e drogados, os que caíram nas tramas da criminalidade e aqueles para quem a prostituição parece sua única chance de sobrevivência, vítimas de tráfico, sobreviventes de abusos (na Igreja e fora dela), presos, grupos que sofrem discriminação e violência por causa de raça, etnia, gênero, cultura e sexualidade”.
O documento reconhece que “os desafios do tribalismo, sectarismo, racismo, pobreza e desigualdade de gênero” existem “na vida da Igreja, assim como no mundo”.
Em resposta a esses desafios, “a missão da Igreja é tornar Cristo presente no meio de seu povo através da leitura da Palavra, da celebração dos sacramentos e de todas as ações que cuidam dos feridos e sofredores”. A construção da paz e a reconciliação, bem como o trabalho pela justiça, são partes cruciais da missão. A missão da Igreja em muitos lugares do mundo envolve o diálogo com pessoas de diferentes religiões.
A liturgia, que aproxima a comunidade, foi vista como importante para tangibilizar a comunhão, possibilitar o exercício da participação e nutrir o impulso para a missão com a Palavra e os sacramentos.
Por fim, a síntese diz: “Quase todos os relatórios levantam a questão da participação plena e igualitária das mulheres”. Muitos relatórios “pedem que a Igreja continue seu discernimento em relação a uma série de questões específicas: o papel ativo das mulheres nas estruturas de governo dos órgãos da Igreja, a possibilidade de mulheres com formação adequada para pregar em ambientes paroquiais e um diaconato feminino”.
Mas sobre a questão da ordenação sacerdotal, “uma diversidade de opinião muito maior foi expressa”, com alguns relatórios pedindo e outros considerando um assunto encerrado.
O quarto e último capítulo do documento de trabalho olha para o futuro, exortando os participantes a ser uma “Igreja que aprende na escuta a renovar sua missão evangelizadora à luz dos sinais dos tempos, a continuar oferecendo à humanidade um modo de ser e viver em que todos possam se sentir incluídos como protagonistas”.
Há muita controvérsia em torno do sínodo. Os liberais veem isso como uma oportunidade para pressionar por reformas bloqueadas pelos papas João Paulo II e Bento XVI após o Concílio Vaticano II: clérigos casados, mulheres sacerdotes, maior inculturação na liturgia, aceitação do controle artificial da natalidade, repensar a ética sexual etc. Os conservadores veem isso como uma tentativa dos liberais de pressionar a Igreja a mudar seus ensinamentos.
Os liberais apontam para o apoio público às suas reformas; os conservadores respondem dizendo que a Igreja não é uma democracia (o processo sinodal certamente enfatizou a importância de ouvir o povo de Deus, mas os bispos e o Vaticano também deixaram claro que as decisões não serão tomadas pelo voto popular).
Os conservadores temem que o papa ceda à pressão pública; os liberais temem que a hierarquia mais uma vez rejeite suas reformas. O documento de trabalho reconhece esses temores.
Francisco, por outro lado, está focado em melhorar a missão da Igreja de proclamar o Evangelho e criar uma Igreja mais sinodal.
A introdução ao “Documento de Trabalho para a Etapa Continental” do processo sinodal afirma que a questão fundamental que orienta todo o processo é: “Como se realiza hoje, aos diversos níveis, tanto local como universal, aquele ‘caminhar juntos’ que permite à Igreja anunciar o Evangelho, em conformidade com a missão que lhe foi confiada? E que passos o Espírito nos convida a dar para crescer como Igreja sinodal?”.
Se os liberais/progressistas quiserem ganhar o apoio do Papa Francisco para suas reformas, eles precisarão mostrar como as reformas permitem que a Igreja proclame melhor o Evangelho e como elas nos fazem crescer como Igreja sinodal. Se os conservadores querem matar essas reformas, eles devem mostrar que as reformas propostas fazem exatamente o oposto.
Minha opinião é que muitas das reformas propostas ajudariam a Igreja a proclamar melhor o Evangelho e torná-la uma Igreja mais sinodal, mas não tenho certeza do que Francisco pensará. Meu palpite é que ele adotará mais reformas do que os conservadores desejam, mas que irá mais devagar do que os liberais desejam. Fazer o contrário pode destruir a própria sinodalidade que ele quer promover.
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Sínodo sobre sinodalidade: por onde foi e para onde está indo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU