31 Outubro 2022
O frade dominicano Adrien Candiard será um dos palestrantes do 96º Encontro da Semana Social da França, que acontecerá entre os dias 28 e 30 de outubro em Lille, em torno do tema da fraternidade.
A entrevista é de Priscilia de Selve, publicada por La Vie, 26-10-2022. A tradução é do Cepat.
Adrien Candiard é frade dominicano, membro do Instituto Dominicano de Estudos Orientais e autor de vários ensaios, incluindo: Veilleur, où en est la nuit? Petit traité de l’espérance à l’usage des contemporains (Cerf, 2016) e Comprendre l’islam, ou plutôt: pourquoi on n’y comprend rien (Flammarion, 2016). Acaba de publicar um ensaio intitulado: Quelques mots avant l’Apocalypse: lire l’Évangile en temps de crise (Cerf, 2022).
O tema da sua intervenção na Semana Social incidirá sobre as religiões e a cidadania. Como a cidadania constitui um desafio para as religiões?
A oposição entre a cidadania e as religiões parece quase óbvia em nossa sociedade francesa, que coloca as religiões como aquilo que divide: a cidadania une, as religiões dividem. Temos a suspeita de que as religiões dividem, que impedem a comunidade nacional de se unir em torno de valores comuns.
Essa constatação não é necessariamente falsa, mas é pobre: se, para encontrar o cidadão, devemos apagar tudo aquilo que o faz pensar, acreditar e agir, tudo o que o distingue dos demais, corre-se o risco de não sobrar grande coisa. O desafio atual é, portanto, não descartar as religiões, mas, ao contrário, incluí-las na sociedade para que contribuam para a cidadania. As religiões não são apenas identidades que se opõem, mas também estruturas de pensamento e de vida que têm algo a contribuir!
A história mostrou que as religiões são muitas vezes uma fonte de divisão. Como mudar esse paradigma?
Se as religiões podem ser um fermento de divisão, é, primeiramente, porque tudo o que importa é um possível fermento de divisão. Não fazemos guerra por coisas sem importância. Fazemos guerra por riquezas, por questões políticas ou opiniões religiosas, porque tudo isso é considerado por muitos como elementos fundamentais. A falsa solução seria fazer com que nada mais importasse, o que é improvável e francamente desesperador. É importante poder lutar pela democracia ou pela liberdade.
Na Europa, traumatizada pelas guerras religiosas do século XVI, optamos por uma solução comum retirando as religiões do espaço público. É permitido crer, é um fato privado respeitável, mas que diz respeito aos indivíduos. Essa solução deu resultados, mas chegamos ao fim dessa lógica, especialmente desde a recente chegada do Islã na Europa. Ao mesmo tempo, os católicos, que eram maioria, tornaram-se minoria em uma sociedade amplamente secularizada. Isso foi acompanhado por uma necessidade de ter visibilidade que não existia antes.
A religião percebida como um fato privado é, portanto, cada vez menos efetiva e cada vez menos aceita. Na minha opinião, a solução passa pelo respeito ativo das crenças, das religiões e da ausência de religião e pela educação para o fato religioso. Porque há um ponto de encontro na humanidade que se chama razão. É uma ferramenta complexa, mas que nos permite discutir, entender o que os outros têm em mente.
Quando fazemos da religião um fato privado, nos proibimos de aprender a falar uns com os outros e nos resignamos a ter humanidades diferentes. Se concordarmos em reintegrar a religião e, portanto, a teologia no espaço da discussão racional, podemos aprender com a fé uns dos outros.
Entre sua fé e sua lealdade à República, você tem que escolher? Colocar uma acima da outra?
Parece-me que essas polêmicas se assentam sobre uma vasta confusão. Porque há algo de paradoxal em pedir para colocar a lealdade à República acima da liberdade de consciência, quando a liberdade de consciência é precisamente um dos fundamentos da democracia. Como chegamos a fazer essa oposição?
Sem dúvida, porque perdemos de vista o que Blaise Pascal chamou de distinção das ordens. Pascal distinguia a ordem dos corpos, em que prevalece a força, a ordem da mente, regida pela argumentação racional, e a ordem da caridade. A tirania começa quando uma ordem tenta regular a outra. O Estado não pode decidir que 2 e 2 são 5, porque isso pertence à ordem da mente.
Fazer a pergunta Deus ou a República é pedir para escolher entre duas ordens incomensuráveis. E então é difícil para um crente não dizer que prefere Deus! Em termos absolutos, é óbvio; mas isso não significa que o crente não respeite, em sua ordem, o quadro democrático.
Você acaba de publicar um novo ensaio: ‘Quelques mots avant l’Apocalypse. Lire l’Évangile en temps de crise’ (Algumas palavras antes do Apocalipse. Ler o Evangelho em tempos de crise). É uma tentativa de responder à angústia que podemos sentir diante deste mundo que parece estar em ruínas?
Como temos justamente a sensação de viver eventos planetários de grande remonta, o que não é tão frequente, e que temos, o que é recente, e em muitos aspectos, a capacidade nuclear ou climática de nos destruir, os desafios atuais são, na história da humanidade, de grande importância.
É possível que sobre esses desafios e esses perigos a fé cristã não tenha nada a dizer? Que seja uma espécie de sabedoria para os tempos em que tudo vai bem e que não tenha mais nada a nos aportar nesses perigos extremos? Foi isso que me fez querer buscar o discurso apocalíptico de Jesus no Evangelho de Marcos (13, 1-37), um texto muitas vezes pouco conhecido pelos fiéis, onde Jesus apresenta uma sucessão de catástrofes por vir, antes do retorno do Filho do Homem.
Podemos acreditar que Jesus nos anuncia neste texto o calendário do fim dos tempos. Mas é um erro. Ele mesmo diz: “Não sei a data”. A revelação aqui é sobre o significado da história humana. Uma história humana que não é marcada por progressos contínuos, mas, ao contrário, pontuada por crises e convulsões. Esses desastres são cada vez mais assustadores e cada vez mais perigosos.
Mas vemos que a maioria deles, ou pelo menos aqueles que colocam em risco nossas vidas humanas, são o resultado do pecado. A vontade de dominar, que leva ao desenvolvimento de armas cada vez mais poderosas, a vontade de possuir sem medida, que nos impele a destruir totalmente o ambiente em que vivemos.
A palavra “pecado” pode nos perturbar. Para muitos, o pecado remete à transgressão de uma norma arbitrária, que cai do céu. O Evangelho está muito longe dessa perspectiva infantilizante. O pecado na Bíblia é a recusa de se deixar amar por Deus. É bastante comum, mesmo fora do cristianismo, dizer que devemos amar uns aos outros.
Mas o Evangelho não nos diz isso. Ele nos diz que o amor de Deus por nós vem em primeiro lugar. Mas nossa vida é marcada pela dificuldade de ser amado. Muitas vezes falamos sobre a dificuldade de amar o próximo, mas falamos pouco sobre a dificuldade de ser amado. O amor que recebemos tem algo de desestabilizador. Não é por acaso que no Evangelho o que se censura a Jesus seja o anúncio do amor gratuito de Deus a publicanos e pecadores.
Isso é considerado insuportável pelas religiões da época, que passam seu tempo tentando merecer o amor de Deus. Devemos aceitar ser amados por Deus. Jesus nos obriga a nos posicionar diante desse amor, a aceitá-lo ou a recusá-lo. Esta pergunta é feita a todos. E a resposta que cada um dá a ela tem consequências para o mundo inteiro.
Como nestes tempos de crise podemos permanecer esperançosos?
Nossa esperança não se limita ao mundo atual, frágil e destinado a passar. Nossa esperança está no Reino de Deus. Não devemos nos situar em uma lógica exclusiva de conservação do planeta, de preservação do que temos e que está ameaçado, embora a preservação da Criação seja de suma importância.
Para falar das catástrofes que descreve, Jesus usa uma imagem: trata-se, diz ele, de “dores de parto”. Através das crises, é o Reino de Deus que está nascendo. O papel dos cristãos é, portanto, não apenas “salvar o planeta”, segundo a fórmula em uso, mas zelar por essa misteriosa gestação.
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“As religiões devem ser incluídas na sociedade para que contribuam para a cidadania”. Entrevista com Adrien Candiard - Instituto Humanitas Unisinos - IHU