27 Outubro 2022
A reportagem é de Carolina Conti, publicada por Mongabay, 25-10-2022.
Em entrevista à Mongabay, Ângela Mendes, coordenadora do Comitê Chico Mendes, disse: “O Brasil não conhece a Amazônia”. Foi a partir dessa necessidade, de despertar o país para as questões que impactam a floresta, que nasceu a campanha Amazônia de Pé. Criada pela ONG Nossas, mas com o apoio de 250 organizações espalhadas pelo país, incluindo o Comitê Chico Mendes, ela tem por objetivo reunir um milhão e meio de assinaturas físicas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular (Plip) que vai no cerne da questão no que se refere à Amazônia: a destinação de terras públicas cobertas por florestas.
“São 57 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia Legal, áreas que sofrem com os índices mais altos de queimada, as maiores taxas de violência dentro do campo, muito em função da grilagem.” A fala é de Renata Ilha, coordenadora de parcerias da campanha e que esteve diretamente envolvida na criação do Plip.
Ela se refere às Florestas Públicas Não Destinadas (FPND), áreas florestais pertencentes aos governos estaduais ou federal que ainda não tiveram seu uso decretado. Na Amazônia, correspondem a 14% da extensão do bioma — o equivalente à soma dos territórios de Espanha e Portugal. Segundo nota técnica do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) de fevereiro de 2022, um terço do desmatamento da Amazônia nos últimos três anos ocorreu nessas áreas.
Ativista da Amazônia de Pé em ação em Mossoró, Rio Grande do Norte
Foto: Amazônia de Pé | Divulgação
Grilagem é um termo de longa data, nasceu há centenas de anos, e diz respeito à obtenção ilícita de terras públicas sem autorização do órgão competente e em desacordo com a legislação. Antigamente, havia a prática comum de forjar escrituras e colocá-las em caixas com grilos. As fezes dos animais tornavam o papel amarelado, dando uma aparência de documento antigo – o que parecia “legitimar” a posse da propriedade.
Para a grilagem acontecer hoje, conta Renata, é ainda mais simples. Basta um computador com internet: “No governo Bolsonaro, as pessoas entram em um site e registram o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em áreas enormes, muitas vezes com mais de quinze hectares – deixando claro o perfil de quem está por trás disso. Não se trata de população tradicional ou família produtora”.
É importante dizer que a destinação de florestas públicas já havia sido prevista enquanto legislação anteriormente no Brasil em 2006, com a Lei de Florestas Públicas, mas – segundo Renata – a lei não “pegou” porque não especificava do que se tratava o termo “fins de conservação” nem estabelecia prazos para a destinação.
“No Plip Amazônia de Pé, a gente avança nesses dois pontos. Estamos dizendo que ‘fins de conservação’ compreende: Unidades de Conservação, territórios indígenas, territórios quilombolas, e pequenos produtores rurais que ocupam, de forma sustentável e há pelo menos quatro gerações – na chamada posse pacífica –, pequenas áreas”, explica Renata.
O outro aspecto fundamental desse projeto é o estabelecimento de prazos: “Ele prevê, por exemplo, que, em florestas públicas onde já existe demanda de populações indígenas e quilombolas, o reconhecimento delas seja feito até 2026”.
Coleta de assinaturas da Amazônia de Pé em Ourém, no interior do Pará
Foto: Amazônia de Pé | Divulgação
“Com a campanha, a gente conseguiu trazer, em nível nacional, a pauta Amazônia. E em um momento muito importante, um ano eleitoral, puxando mais para perto deputados federais e estaduais que apoiam a causa”, diz Leila Borari, mobilizadora da Amazônia de Pé e ativista ambiental indígena — alguém que, como ela mesma diz, está “no olho do furacão”.
De Alter do Chão, no Pará, Leila vê, diariamente, abusos e violências acontecerem a todo tempo: “Há quinze dias, bateram na minha porta. Era um homem falando que uma pessoa havia aparecido no terreno dele se dizendo dona da propriedade, com o CAR nas mãos. Eu o orientei a fazer o que é possível para o momento: contatar o setor agrário do Ministério Público Estadual para registrar uma denúncia. Enfim, são terras, inclusive indígenas, ocupadas de forma indevida… Temos um rio aqui, que é o rio onde a gente se banhava na infância, todo contaminado pelo mercúrio que vem da mineração ilegal em Terra Indígena”, lamenta.
Para além das horrores pontuais que afetam quem vive no território amazônico, é sabido que a floresta tem papel fundamental na regulação climática e no regime de chuvas, e que, inclusive, interfere na produção agrícola – atingindo milhões de pessoas.
A todo momento, as árvores amazônicas bombeiam as águas do solo de volta para a atmosfera, em um fenômeno chamado evapotranspiração. Essa umidade, transportada pelo vento, alcança a Cordilheira dos Andes e seu imenso paredão faz com que parte dela precipite ali mesmo, alimentando nascentes de rios. A outra parte segue para o interior do continente, espraiando-se sobre as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Diminuindo o número de árvores, há menos umidade e chuva para banhar as plantações, que são prejudicadas. Isso resulta na escassez de alimentos por conta do clima seco e faz com que aqueles que cheguem ao mercado tenham preços acima da média. O desmatamento não favorece, inclusive, o agronegócio.
Levar essas informações, aproximando a floresta de quem não a vê como parte da sua realidade diária, é um dos objetivos e conquistas da campanha Amazônia de Pé. Até o momento, com a grande mobilização em todos os cantos do Brasil, já foram coletadas em torno de 60 mil assinaturas. “Eu acompanho a campanha com muita verdade, ânimo e esperança”, diz Leila Borari.
Leila Borari na Virada Cultural Amazônia de Pé em Santarém (PA)
Foto: Amazônia de Pé | Divulgação
Para que o Projeto de Lei possa dar entrada no Congresso Nacional, em Brasília, é necessário que haja o número mínimo de um milhão e meio de assinaturas físicas de pessoas (votantes) de cinco estados diferentes da Federação, algo que corresponda a 3% do eleitorado de cada um deles.
Karina Penha, coordenadora de mobilização da campanha, falou de algumas ações de comunicação que vêm sendo feitas a fim de atingir a abrangência e o volume de assinaturas necessários: “Quando a gente construiu o projeto, desenhamos várias táticas. Pensamos que, para descentralizar a pauta, seria necessário ter núcleos de voluntários em várias cidades, mobilizar ativistas digitais, organizar a Virada Cultural Amazônia de Pé, o que aconteceu no começo de setembro [em várias cidades simultaneamente], e, também, participar de outros eventos, como o Rock in Rio”.
Rayandra Nunes, de 23 anos, é manauara e esteve como voluntária no evento na capital fluminense. Ela nos contou da experiência: “Eu era uma das poucas pessoas do Norte e foi muito importante para mim ver essa mobilização em forma nacional. A gente, que está no coração da Amazônia, às vezes fica se perguntando se as pessoas fora dali conseguem entender a importância da floresta para todo mundo, mas a receptividade foi incrível. Em um único dia de festival, coletamos três mil assinaturas”.
Amazônia de Pé nas Escolas foi uma outra ação implementada e da qual Karina participou ativamente: “O nosso objetivo era conseguir que muitas escolas do Brasil falassem sobre a Amazônia e fizessem alguma ação. Criamos um programa em que ofertamos material, oficina e mentoria para facilitar esse processo”.
O colégio Carandá, em São Paulo, foi uma das escolas inscritas. Lá, eles coletaram 262 assinaturas e ficaram em terceiro lugar na lista de instituições que integraram o programa de formação, considerando a quantidade de participantes envolvidos na campanha e de assinaturas adquiridas. “Fizemos três pontos de coleta, que funcionaram por 15 dias. A ideia é continuar: em outubro haverá um evento que envolve toda a comunidade escolar, onde teremos essa ação também”, diz Juliana Chinellato, professora de Ciências envolvida na ação.
Para ajudar na campanha Amazônia de Pé, clique aqui.
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Campanha Amazônia de Pé convoca a última geração que pode salvar a floresta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU