Hereges: as mulheres através das frestas do patriarcado

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05 Outubro 2022

 

Na quarta-feira 21 de setembro, começou o ciclo de encontros promovido pelo observatório inter-religioso sobre a violência contra as mulheres (Oivd) “Hereges”. O encontro foi conduzido por Paola Cavallari, presidente do OIVD, associação autônoma sem filiação política ou religiosa, nascida de baixo, e a participação foi tão alta (mais de cem pessoas) que alguns não conseguiram acompanhar o encontro ao vivo (os vídeos contudo estão disponíveis na página do Oivd no Facebook): “Essa avalanche surpreendeu-nos - comenta a presidente. - Sem dúvida, o nome de Adriana Valerio funcionou como chamariz.

 

A entrevista com Paola Cavallari é de Sara E. Tourn, publicada por Riforma (semanal das igrejas Batistas Evangélica Batistas Metodistas e Valdenses), 07-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Mas ao mesmo tempo é também sinal de um feliz fermento, curiosidade e atenção pelos processos, eventos, figuras nesta área de “desvio” e não “domesticadamente” feminina no horizonte do sagrado, em relação a normas e comportamentos que a doutrina eclesiástica ordenava, às vezes com aberta constrição, na maioria das vezes com dispositivos sutis e sorrateiros de controle das almas.

 

Há admiração por essas mulheres que ousaram, que resistiram em nome de uma língua divina sapiencial e de um centro de gravidade sobre si mesmas, como diria Etty Hillesum. A perigosa memória delas "reivindica o sofrimento religioso” (Elisabeth Schüssler Fioranza), mas junto ao sofrimento sobressai a sua plenitude de vida”.

 

A dinâmica entre heresia e ortodoxia apareceu muitas vezes na palestra de Adriana Valerio (por exemplo, com os casos de mulheres que morrem hereges e são posteriormente proclamadas santas, mas o contrário também aconteceu...), professora, teóloga e ensaísta, no grupo de direção do projeto internacional "A Bíblia e as mulheres" que envolve teólogas de todo o mundo na publicação de 20 volumes em 4 idiomas, e é a autora do livro Ereticas, donne che riflettono, osano, resistono (Hereges, mulheres que refletem, ousam, resistem, em tradução livre, il Mulino), que dá a perspectiva a todo o ciclo de encontros. Pedimos à presidente do Oivd que nos falasse sobre a escolha do título: as mulheres são "hereges" por natureza, ou essa definição depende de quem a olha?

 

"Certamente o rótulo de hereges é fruto de um arranjo de poder - responde Cavallari. – É a ortodoxia que define o que é heresia. E define a si mesma como verdade. Consegue fazer isso porque ganhou posições de poder.

 

O próprio cânone é um documento dos vencedores históricos, observa Schüssler Fiorenza em In memoria di lei, onde descreve com lucidez as transições da "desordem" das igrejas domésticas - comunidades igualitárias governadas principalmente por mulheres - para a ordem hierárquica da igreja constantiniana, onde assumem a primazia o clericalismo, o sexismo e o antijudaísmo, um trinômio cujas conexões deveriam ser mais investigadas”.

 

O ciclo de encontros atravessará as religiões monoteístas: judaísmo (Shulamit Furstemberg Levi, quinta-feira 20 de outubro), islamismo (Minoo Mirshahvalad, sexta-feira 18 de novembro) para retornar ao cristianismo, na perspectiva protestante (Letizia Tomassone, terça-feira 13 de dezembro): em que sentido se pode falar de heresia também em âmbito islâmico e judaico, além de cristão?

 

“As instituições religiosas, salvo raríssimas exceções, têm expressado e expressam uma cultura à medida do homem-masculino, com todo o pacote de estereótipos da virilidade; um paradigma que sufocou as diferenças na raiz e em particular a subjetividade feminina e, consequentemente, uma busca espiritual aderente a um sentimento autêntico, íntimo, poroso ao corpo. As convidadas não-cristãs não terão dificuldade em discutir sobre os percursos de heresia no feminino em suas religiões. Como sabemos, a vocação do Oivd é inter-religiosa, e em quase todas as iniciativas conseguimos abraçar essa inspiração”.

 

Como se insere este ciclo na atividade do Oivd?

 

“Insere-se porque o espírito herético é a nossa cifra. O objetivo deste ciclo é fecundá-lo cada vez mais. Agradava-nos a ideia de promover um curso de seminário dividido em duas sequências. A primeira abrange uma pesquisa sobre o tema na constelação das religiões monoteístas. Na segunda, intitulada “Heresia, alma do feminismo”, em 2023, nos colocaremos ao lado de realidades feministas estranhas ao horizonte das religiões. É nosso objetivo iniciar trocas com mulheres que ignoram a existência daquele feminismo radical que, inspirado pela místico-política, alavanca-se justamente na fé para desmascarar os pressupostos androcêntricos (uns mais, outros menos) das instituições religiosas; e também para desmascarar aquele paternalismo e colaboracionismo que serpenteia há algum tempo”.

 

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