"Numa sociedade secularizada que se organizou e continua a fazê-lo já não tendo mais a Igreja como referência, são necessários leigos que encarnem o seu seguimento sem especificações mas com empenho e, portanto, sejam adequados à corresponsabilidade e à missão, pessoas bem inseridas e com competência em sua profissão, em contato com sofrimentos, necessidades e aspirações", escreve Renato Borrelli, em artigo publicado por Settimana News, 30-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Existe um clericalismo bifronte de padres e de leigos não em todos os lugares, não por parte de todos, mas com uma fenomenologia que exige um corretivo: está em jogo a imagem do Povo de Deus que, em geral, vive seu próprio cristianismo sem aquelas poses e problemáticas introvertidas, fruto da chamada autorreferencialidade.
O clericalismo é a forma mentis daqueles que se consideram escolhidos, privilegiados, colocados em um papel tão diferente na Igreja que podem formar uma casta à parte, esquecendo que desde o início, porém, todos estamos inseridos com o batismo no sacerdócio comum, com suas articulações proféticas, sacerdotais e régias.
Eis o que diz Marco Marzano, sociólogo da organização: “Toda a organização se apresenta como um sistema fechado e autorreferencial, governado por uma casta de eleitos, o clero, que não tolera influências externas. Os seminários permanecem aqueles lugares onde se supõe que aconteça a transformação daqueles chamados por Deus de pessoas normais, de indivíduos comuns, a homens sagrados, a criaturas dedicadas à missão especial de mediar entre os comuns mortais, a massa dos fiéis normais e a divindade.” (Marco Marzano, La casta dei preti, pp. 40,43).
O Concílio com a Lumen gentium esclareceu isso há 50 anos. O primeiro capítulo da Constituição não se abre com uma análise sobre a hierarquia, mas partindo do povo de Deus e providenciando, no devido tempo, dar um golpe decisivo ao clericalismo: "Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem..., isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja se no mundo”.
Aqui é o ministro que é definido por exclusão, enquanto o perfil do cristão resplendece inteiramente na figura do leigo e da leiga. É o ministério que é ordenado aos leigos e não estes àquele. “Com efeito, os ministros que têm o poder sagrado servem os seus irmãos para que todos os que pertencem ao Povo de Deus, e por isso possuem a verdadeira dignidade cristã, alcancem a salvação, conspirando livre e ordenadamente para o mesmo fim" (LG 18).
H.U. von Balthasar usou uma bela imagem a este respeito: o ministro é como o escudeiro cuida do cavaleiro que com sua armadura vai para a "batalha" como membro do povo de Deus no mundo, sim, mas como sal dissolvido. O leigo vive a experiência no mundo, na sociedade, e o ministro está a seu serviço, e não vice-versa.
A função do ministro é formar o cristão para se posicionar sobre os problemas do mundo com a força do Evangelho: cristãos influentes em sua própria esfera de vida, não por serem repetidores zelosos do sermão que ouviram na Igreja, mas porque foram tornados aptos a pronunciamentos sérios e pertinentes sobre os problemas que aparecem na sociedade.
A linguagem para lidar com essa problemática geralmente oscila entre leigo, cristão, batizado. Deveríamos dizer com Andrea Grillo: “Na Igreja somos todos batizados. Depois, há ministérios. Ponto. Leigo é uma palavra inútil, mas é dura de morrer”. Continuaremos a usá-la, mas com essa advertência.
Imediatamente após o Concílio, o Cardeal Suenens escreveu: “Na Igreja de Deus, a profunda igualdade de todos é uma prioridade: não há um superbatismo, não há castas, não há privilégios. O maior dia da vida de um papa não é aquele de sua eleição pontifícia ou de sua coroação, mas o dia de sua consagração batismal. Devemos estar cientes dessa verdade fundamental porque é essencial à vida da Igreja e comanda todas as opções e todas as atitudes”.
Recentemente, o irmão Michael Davide Semeraro se expressou na mesma linha de pensamento. “Refundar o ministério ordenado sobre a raiz batismal comum, não só em nível do princípio, mas de forma factiva e visível, significa restituir os presbíteros à comunidade.
Assim fazendo, a comunidade dos discípulos volta a ser o autêntico lugar de eleição, formação e verificação do apelo, bem como o âmbito em que amadurece ao mesmo tempo a resposta dos chamados a exercer um ministério na Igreja" (Preti senza battesimo. Una provocazione, non un giudizio, p. 62).
Se falo de clericalismo, faço-o com a consciência de muitos coirmãos, diria a maioria, totalmente dedicados à missão entre as pessoas com um coração acolhedor, livre de metas de carreira e de espírito mundano.
Gostaria de mencionar uma ocasião perdida de trazer à tona o carisma dos leigos. Por muitas décadas, a CEI foi responsável por emitir um documento oficial que tratava desde a situação da Igreja até àquela da sociedade, quase sempre gerando reações adversas, como diante de uma forma de ingerência.
No entanto, então - como hoje - não faltavam personalidades cristãs sem rótulos, atuantes no mundo universitário e em outros âmbitos ligados aos campos cultural, sociológico, político, médico e científico, que poderiam ter expressado sua análise com competência e autoridade, conduzida em conjunto com expoentes "leigos", num espírito de diálogo, de serviço e de discernimento comum dos sinais dos tempos e caracterizada por "um certo carácter específico e uma particular eficácia por se realizar nas condições ordinárias da vida no mundo" (LG 35).
Diante de tantos pronunciamentos, teve-se e tem-se a impressão de que "as instituições eclesiásticas com seu ordenamento parecem se colocar diante do mundo como se coubesse à sociedade civil prestar contas de si à Igreja e esta não tivesse o dever de fazê-lo diante da sociedade. A comunidade católica, fiéis leigos e pastores, precisa abandonar a pretensão de que a fé cristã e a Igreja devem ser o único ponto de chegada da sociedade de toda pessoa honesta e sensata” (Dianich). A agenda da Igreja é ditada pela sociedade e não vice-versa.
No entanto, na sociedade, por mais bem estruturada que seja, pode haver estruturas de pecado para as quais a Igreja deve fazer ressoar sua profecia.
Além de sua famosa tirada espirituosa: "Quando vejo um clerical, imediatamente me torno anticlerical", o Papa Francisco não perdeu ocasião para denunciar o clericalismo. “Hoje o maior mal da Igreja é o mundanismo espiritual, a Igreja mundana que faz crescer o clericalismo: uma coisa feia, uma perversão da Igreja. Assim, a ideologia toma o lugar do Evangelho” (6 de fevereiro de 2022).
Clericalismo rima com carreirismo, é sinônimo de casta, privilégios. Manifesta-se também como sacralidade e exercício do poder que são motivo de assunção e anteparo para ocultar comportamentos moralmente reprováveis.
Vincenzo Bo, na sua monumental e bem documentada Storia della parrocchia em cinco volumes, descreve os primórdios e a evolução da paróquia, nascida como meio para a plantatio ecclesiae, mas que desde o início (séculos IV e V), nos séculos da infância (séculos VI e XI) e posteriores, revela no clero a afirmação de condutas mundanas e a busca de privilégios que esse estado de vida começava a garantir. Jerônimo, Agostino, Crisóstomo, Ambrósio, para citar alguns, denunciavam as distorções e os abusos.
“Crisóstomo também havia tomado na mão o machado para cortar pela raiz o mal que já havia denunciado, antes dele, o antecessor, Gregório de Nazianzo, na sé de Constantinopla: aquela de pessoas infiltradas no clero, vendo nele – ele claramente diz - uma das tantas maneiras para se ganhar a vida: “Eu sentia vergonha pelos outros; isto é, por aqueles indivíduos que - dizem-me - sem serem em nada melhores que as pessoas comuns - e é uma grande coisa que não sejam piores -, com as mãos sujas, como costuma se dizer, e com espírito profano, se esgueiram nesses santíssimos ministérios... convencidos de que essa ordem não representa um modelo de virtude, mas é uma das tantas maneiras de ganhar a vida; não é um serviço do qual se deve prestar conta, mas um principado sem qualquer controle. Esses padres... são dignos de compaixão por uma santidade que não possuem e infelizes por um prestígio que não existe” (vol. I, p.105).
Assim também Agostinho: "Há aqueles que ocupam como pastores a cátedra para buscar o bem para os rebanhos de Cristo, mas há outros que a ocupam para usufruir de suas honras temporais e das vantagens mundanas... Esses dois tipos de pastores... é inevitável que perdurem também na Igreja Católica até o fim do mundo e até o juízo do Senhor” (ibid).
O clericalismo, portanto, tem raízes longínquas e profundas. O Papa Francisco até vê na proposta dos apóstolos de expulsar pessoas necessitadas de pão “uma atitude que beira a crueldade". Aqui - creio eu - começou o clericalismo: neste querer garantir o alimento e o próprio conforto sem se interessar pelas pessoas.
O Senhor pôs fim a essa tentação. "Deem-lhes vocês algo para comer" (Mc 6,37), foi a resposta de Jesus: assumam o cuidado pelas pessoas" (Homilia durante a Missa Crismal, 18 de abril de 2019). O pedido de Tiago e João para se sentarem à direita e à esquerda no Reino revela a aspiração a ofícios de prestígio.
Papa Francisco nos indica quando exorta os pastores a terem aquele cheiro de ovelha que se adquire ao estar no meio, à frente e atrás do povo de Deus.
Adriano Zanacchi almeja, junto com a proximidade com o povo, também uma atitude secular do pastor, que significa "capacidade de leitura da realidade, sentido de fraternidade cordial para com a condição contemporânea, olhar evangélico mais que sagrado, sólido ferramental intelectual, um mínimo de competência interpretativa, senso de liberdade humana e gratuidade testemunhal, cuidado com o gesto humano, com a palavra fraterna, com a presença amigável. Significa também a sabedoria do serviço silencioso, a humildade da dúvida, o senso do relativo. Mas, sobretudo, significa uma consciência convicta de que a realidade secular é o lugar específico, teológico da fé evangélica, não a sala de espera da vida espiritual” (L’arte di accendere la luce,, p. 69).
O Sínodo está nos indicando os caminhos do futuro, em nome da corresponsabilidade, da missão, do diálogo e da escuta. Trata-se de enxugar muitas coisas, entre as quais a concepção e a forma da paróquia, o caminho de iniciação cristã, a burocracia e, o que não é de imediata nem fácil implementação, um retorno à simplicidade das origens, quando havia na estrutura eclesial uma pluralidade de ministérios e de carismas, além daquele dos apóstolos e dos seus sucessores.
Certamente devem ser feitas análises críticas e desapaixonadas sobre a situação da Igreja, e deve-se ouvir a voz do povo de Deus e dos chamados distantes.
Jesus, judeu marginal observante, não poupou críticas ao sistema teocrático e "clerical" que girava em torno do Templo, fazendo também uma análise impiedosa do estado da religiosidade em seu tempo. Hoje não faltam pesquisas realizadas por sociólogos que analisam o estado da fé e da prática religiosa na sociedade secularizada: descrevem os fenômenos e os quantificam, com exceção da ação do Espírito nas consciências, para além das declarações.
As parábolas do Reino são, em todo caso, o parâmetro para qualquer diagnóstico da situação que leve em conta realisticamente o limite, a pequenez da semente e da copresença do trigo e do joio, para evitar derivas pessimistas e nostálgicas, apesar da situação não ser exatamente rósea. Mas em que momento da história da Igreja houve uma época de ouro? Não estamos diante do fim do cristianismo, sabemos isso, mas diante do declínio do cristianismo entendido como coincidência entre os "valores" propostos pela Igreja e aqueles da sociedade.
Jesus certamente não tinha a preocupação de perder prestígio, números, poder e influência na sociedade: a lógica do grão de mostarda, da semente que cresce de qualquer maneira e do sal e do fermento, são parâmetros válidos para sempre.
No entanto, algumas análises sobre o fenômeno do clericalismo se tornam necessárias e o teólogo J. Moingt fez isso anos atrás sem meios termos, colocando o dedo na ferida:
“O que falta para os fiéis que desejam se empenhar? A falta não é deles, vem da instituição eclesiástica que, imbuída de preconceitos religiosos, não reconhece aos simples fiéis a liberdade e a responsabilidade de serem cristãos e de viverem juntos, e que, por isso, não vendo outra maneira de fazê-los existir como cristãos do que os reunir em um encontro de culto em um lugar consagrado em torno de um padre, priva numerosos espaços humanos da presença de uma comunidade cristã viva, de uma presença evangélica que seja um fermento. De fato, por medo de parecer reduzir a necessidade e o âmbito de atividade do sacerdócio consagrado, e apesar dos convites do Vaticano II, a Igreja não sabe tratar os fiéis como indivíduos emancipados, quer mantê-los sujeitos ao poder sacerdotal e hierárquico que fornece os meios de acesso à vida sobrenatural, e só pode propor-lhes ajudar os padre nos ministérios de que detêm as chaves; é por isso que os leigos que não querem permanecer perpétuos menores em sua vida de fé ou renunciar a viver na Igreja como sujeitos responsáveis, como fazem na sociedade civil, continuam a deixá-la. Assim, ela se priva de sua ajuda para proclamar o Evangelho ao mundo e em breve não terá outra visibilidade senão a de uma religião em via de extinção” (Umanismo evangelico, p. 140).
Exceto a conclusão pessimista, resta a tarefa de formar e identificar leigos e discípulos maduros e resolutos, capazes de encarnar, testemunhar e explicitar a fé com sua competência secular na concretude das situações.
No entanto, são precisos padres que desde os anos de seminário sejam imunizados do mundanismo que se esconde sob o disfarce de estilos requintados e impecáveis, impregnados de nostalgia de um ritualismo ultrapassado e já obsoleto: algo que pode dar tônus e segurança a situações com pés de barro.
A isso se acrescenta “um exagero sobre o privilégio da vocação sacerdotal que corre o risco de tornar os clérigos mais ou menos conscientemente e radicalmente insensíveis à sua própria fragilidade e cegos diante de sua própria vulnerabilidade humana. Assim, a fragilidade corre o risco de ser embalsamada no sarcófago do ofício. Isso só pode tornar os clérigos de nosso tempo, por serem filhos de seu tempo como seus pares, radicalmente fragilizados. A consequência de um discernimento e de uma formação baseada na superestimação corre o risco de tornar os clérigos incapazes de assumir a própria vulnerabilidade, exceto na forma da negação ou da mistificação. Ambas as soluções são humanamente perigosas e evangelicamente inaceitáveis” (Irmão MichaelDavide Semeraro, op.cit. p. 29).
Todos esses fatores podem contribuir para tornar o jovem padre um perfeito clerical, apesar de sua origem a partir de uma experiência vivida anteriormente como leigo. Está em curso uma profunda reflexão para reorientar a formação nos seminários com a presença de mulheres, famílias e formadoras de grupos cada vez mais qualificados.
O Papa Francisco acerta quando diz que "o clericalismo é como o tango, se dança a dois: o sacerdote que gosta de clericalizar o leigo e o leigo que pede para ser clericalizado" (16 de junho, 2015).
Jean Luc Marion analisou a fundo o fenômeno da reciprocidade e da interação padre-leigo em seu ensaio Dell’eminente dignità del fedele battezzato, presente em seu Credere per vedere (Lindau). Aproveito alguns pontos salientes daquele ensaio que devem ser apreciados e aprofundados em sua totalidade.
Ele mergulha profundamente na psicologia do padre que se apoia no leigo em busca de segurança. Seu alvo é um certo tipo de leigo militante e paroquialista, um determinado modo de viver a Ação Católica que criava problemas na França dos anos 1970.
Eis a análise que capta a origem do "fenômeno" do militante ou leigo engajado: “no momento em que o militante cristão se sente em minoria e privado de toda garantia de segurança, no momento exato em que a sua intenção de evangelizar parece exigi-lo ainda mais, ele recorre à ideologia mais adequada para lhe dar uma garantia de segurança tomada emprestada para seu discurso e um reconfortante pertencimento à maioria, mas dentro de seu contexto.
Diante da dupla prova da perda total da segurança e da marginalização absoluta, a ideologia tranquiliza o cristão, que se torna, de apóstolo, militante. A segurança assim obtida, apesar da realidade, é a segurança absoluta do homem por si mesmo. Ao fazê-lo, arrasta a Igreja para a mundanidade.
E aqui está a clericalização, a mundanidade, o padre que não se deixa questionar a fundo pela realidade e pelo mistério pascal em seu aspecto de abandono por Deus e de esperança messiânica, sai em busca da segurança em sua atividade pastoral e a encontra no leigo militante que, fortalecido por sua certeza ideológica de que a fé tem futuro, esconde de si mesmo e do padre que ninguém se torna cristão senão imitando Cristo. Os leigos militantes asseguram a muitos clérigos uma relação segura e tranquilizadora em relação ao mundo”.
Mais adiante, é abordado o ponto crucial do tango que se dança juntos e que Marion define de dependência mimética. Com efeito, acontece que "certos clérigos não se colocam à margem do mundo, mas cercam-se de um filme quase indestrutível, composto por militantes leigos que, aos seus olhos, substituem o mundo verdadeiro por um mundo individual e portátil, se assim pode ser chamado: apenas conforme com seus desejos. O clérigo é muitas vezes tentado a escolher leigos à sua imagem.
Assim, estes asseguram ao primeiro a fixação numa (falsa) realidade e, em troca, recebem a garantia de constituir o (verdadeiro) povo de Deus, invocando todos juntos o testemunho do futuro quando a pressão da realidade se torna demasiado pesada. Os leigos militantes garantem a muitos clérigos uma relação segura e tranquilizadora em relação ao mundo, a única que eles têm e almejam. Que essa represente apenas uma pequena minoria no povo batizado, pouco importa aos clérigos que reconhecem nela uma vanguarda profética. Em suma, a realidade de amanhã que prescinde da realidade de hoje”.
O que Marion chama de militante é muitas vezes representado por pequenos grupos ou indivíduos que, com voz persuasiva, tranquilizam o padre em busca de seguranças.
Numa sociedade secularizada que se organizou e continua a fazê-lo já não tendo mais a Igreja como referência, são necessários leigos que encarnem o seu seguimento sem especificações mas com empenho e, portanto, sejam adequados à corresponsabilidade e à missão, pessoas bem inseridas e com competência em sua profissão, em contato com sofrimentos, necessidades, aspirações; leigos empenhados no serviço de seus irmãos nas duras realidades da existência e não em realidade resguardadas; formados no espírito do Vaticano II, da abertura ao mundo do qual conhecem diretamente modos de pensar e linguagem, permitindo-lhes compreender e ser compreendidos.
Não se almeja com isso a afirmação de uma nova elite, mas a valorização dos carismas difundidos entre o povo de Deus e onde menos se espera.
Certamente não há necessidade de devotos carolas que nutrem sua espiritualidade de fontes ambíguas, capazes, por exemplo, de atribuir a pandemia ao maligno ou a uma conspiração, e capazes de se apresentar no diálogo com a sociedade com aquela bagagem que resulta irrelevante e exposta ao ridículo em um contexto secular ao qual, em vez disso, deve ser apresentada a palavra inédita e inaudita de Cristo juntamente com um testemunho de vida que seja sua encarnação no empenho profissional e familiar.
Degradando mais na tipologia, há certos cristãos que estão muito bem informados sobre coisas que dizem respeito aos padres, paróquias, dioceses, com uma tendência marcada e quase patológica ao apego desmedido e exclusivo à sua restrita comunidade.
Outros, além disso, parecem rêmoras grudadas ao padre, quase padre-dependentes, típico de leigos imaturos e complicados.
Sem falar naqueles que, como influenciadores negativos, são capazes de criar transtornos nas populações paroquiais, a favor ou contra.
Há também pessoas que usam a Igreja como uma oportunidade para emergir ou realizar-se, quando ao contrário deveriam se realizar plenamente com seus próprios talentos no âmbito social e profissional.
Em conclusão, o que está na origem do leigo clerical e do clericalismo dos padres? Quem responde é J.L. Marion: “O militante aparece, pois, quando o batizado já não compreende mais a si mesmo e isso lhe deriva do clérigo. E de onde vem o clérigo? Provavelmente por uma incompreensão do padre. Se o clericalismo permanece o inimigo da Igreja, é porque suscita uma dupla perversão: faz descambar o sacerdócio dos batizados em militância do laicato e o sacerdócio presbiteral em poder clerical. O restabelecimento da dignidade específica do batizado passa certamente pela determinação teológica da relação orgânica entre os dois sacerdócios. O sacerdócio dos batizados não é uma imitação inferior do sacerdócio presbiteral, à espera de uma maior dignidade. É suficiente que seja reconhecida a sua eminente dignidade”.