30 Setembro 2022
O caminho sinodal da Igreja Católica está em andamento. Em todo o mundo há uma reflexão de todo o povo de Deus sobre a identidade e missão da comunidade eclesial hoje. Em muitos países, incluindo a Itália, o primeiro ano do percurso levou a um enfoque particular sobre as modalidades de presença e de ação dos crentes na sociedade. Nesse esforço, a pesquisa teológica é chamada a dar sua própria contribuição.
A entrevista foi publicada por Pastoral da Cultura da Diocese de Palermo, 29-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Discutimos sobre esse tema com Marco Ronconi, professor de religião na diocese de Roma e professor de teologia no Instituto Leoniano de Anagni, Ronconi colabora com o Centro de Fé e Cultura “A. Hurtado” da Pontifícia Universidade Gregoriana e com a revista Jesus. Há alguns meses, pela editora Effatà, foi publicado o seu livro intitulado Teologia da bar. Libere conversazioni su Dio e dintorni.
Professor Ronconi, entre as várias instâncias, o caminho sinodal em curso nos convida a rever continuamente a relação entre a Igreja e o mundo. Esta última é uma das questões mais relevantes em seu livro Teologia da bar. Libere conversazioni su Dio e dintorni. Sobre este tema, que contribuição pode oferecer a reflexão teológica?
O percurso sinodal começou por privilegiar a dinâmica da escuta. Em muitas realidades foi muito mais cansativo e frustrante do que se imaginava. Uma das razões, talvez, é que a escuta é uma prática mais fácil de dizer do que de fazer, com a qual perdemos, como a Igreja Católica italiana, traquejo e familiaridade. Para quem ensina como se fosse um hábito, por exemplo, é difícil se colocar na postura de escuta.
Quando nós professores nos calamos e pedimos a alguém para falar, muitas vezes é porque estamos na realidade avaliando um desempenho, e os interlocutores sabem disso. Como professor, sei do enorme esforço que é preciso para ficar na frente de um adolescente e simplesmente ouvi-lo, pensando que ele realmente tem algo a me dizer e pronto. É muito mais fácil me posicionar na atitude de quem faz o outro falar, principalmente porque quer aprender seu jargão e assim se explicar de forma mais compreensível, ou me mostrar educado e cortês deixando o outro falar, mas mais do que qualquer outra coisa para reduzir o limiar da suspeita e depois estimulá-lo a me ouvir, ou pior ainda deixá-lo desabafar e depois falar sem que o que eu tinha a dizer tenha sido minimamente tocado pelo tempo da escuta.
Nas últimas décadas, temo que a Igreja Católica italiana tenha se preocupado tanto em ensinar - e vamos deixar de lado se por necessidade ou por excesso de zelo, se com mais ou menos sucesso - que às vezes nem se lembra como se faz a escutar. E não (ou não só) em sentido moral, mas exatamente como postura, hábito, atitude.
Os teólogos fazem parte da Igreja italiana e participam dos mesmos esforços. Muitos de nós também estão mais preocupados, por exemplo, com a exatidão das respostas ou em transformar cada interlocução em uma pergunta, que eles simplesmente não conseguem escutar. No entanto, uma das funções da teologia é também a de "escutar com atenção" (Gaudium et spes 44). Esse pequeno livro que acaba de sair é o conjunto de uma série de contribuições - revisadas e corrigidas - que publiquei na revista mensal Jesus (ed. San Paolo) nos últimos anos. Nelas procuro, espero também com um pouco do mesmo humor do título, colocar em circulação alguns pensamentos que tenho ouvido por aí.
Nos últimos tempos, há várias publicações tentado apresentar a teologia a um público que vai além dos estudiosos da disciplina. Mas, em uma cultura hipertécnica e setorial como a nossa, para que ainda serve a teologia?
Depende do que se entende por "teologia", é claro. De certo ponto de vista, quem está em alguma relação de fé não pode deixar de fazer teologia. Escolher uma fórmula ao invés de outra para rezar uma oração, adotar um raciocínio ao invés de outro para justificar uma escolha de vida de fé, ler um texto sagrado de acordo com uma forma de interpretação ou outra (mas eu poderia citar outros 10 exemplos), são todas atividades teológicas.
Todo crente é também um teólogo, queira ou não, da mesma forma que um pai também é um pedagogo, queira ou não, porque cada gesto e cada palavra que ele fará para seus filhos terá uma recaída em vez de outra. Assim como nenhum pai deve ter um diploma em pedagogia, da mesma forma nenhum batizado deve ter um diploma em teologia, mas pode ser útil reter uma certa sabedoria, ou pelo mesmo que exista algum especialista.
Continuando na analogia, como existem diferentes escolas pedagógicas, também existem diferentes escolas teológicas. Neste momento penso que precisaríamos não de "teólogos" generalistas, mas de estudiosos da cristologia (uma das disciplinas em que se divide o estudo acadêmico) treinados para desmascarar o gnosticismo e o pelagianismo contra os quais Francisco frequentemente se manifesta e que tanto dano semeiam.
Precisaríamos também de especialistas em lógica sacramental para desbloquear uma paralisia que já se tornou patológica entre teoria e práticas da crença.
Seriam necessários ainda mais biblistas e exegetas que soubessem vencer a tentação de reduzir as Escrituras ao seu ensinamento moral ou à sua filologia autorreferencial.
Precisaríamos de apologistas combativos que combatam qualquer tentativa de reduzir a religião cristã a um conjunto de valores civis que possam ser explorados pelos poderes políticos e econômicos.
Seriam necessários divulgadores imaginativos que não criem mais um movimento ou grupo identitário em torno de seu carisma pessoal, mas que ofereçam a todos os sujeitos do povo de Deus a possibilidade de usar as palavras de nossa tradição para atravessar juntos estes nossos tempos, entremeados de medos e de graças.
Acima de tudo, mas é meu juízo muito pessoal, seriam necessários canonistas para levar de volta o direito canônico e a jurisprudência ao seu papel de cuidadores da tensão em direção à justiça, e não justificativas para a impossibilidade de uma redenção, se não a preços insustentáveis para a vida.
O Papa Francisco nos habituou a um estilo do qual dificilmente se voltará atrás. Seu pontificado até agora se caracterizou por uma proposta magistral que leva em consideração o passar do tempo, a cultura, os contextos e as situações. Poderíamos, nesse sentido, falar de um magistério em contínua evolução?
Seria difícil para mim dizer o contrário, ou seja, que o magistério não evolui, no sentido de que nunca muda. Mas não é uma novidade de Francisco. Vou tentar me explicar melhor. Na Igreja Católica chamamos de "magistério" a tarefa da Igreja de instruir e supervisionar as teorias e práticas da fidelidade a Cristo.
Hoje os detentores do mais alto magistério são os bispos, com algumas prerrogativas próprias do bispo de Roma. Claro que há ensinamentos magistrais que chegaram a uma forma definitiva (por exemplo "Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem", ou "Maria é a mãe de Deus"), mas nem por isso o esforço para compreender cada vez melhor essas verdades, ou usá-los como raízes de um estilo de vida, está concluído de uma vez por todas! Ainda há muito a ser entendido e sobre o qual, portanto, também, no caso, instruir e supervisionar.
Além disso, há questões que podem ser reformadas periodicamente (São Pedro, por exemplo, entendeu melhor depois de seu encontro com o centurião romano Cornélio o que significasse "anunciar a todos as gentes" e também depois daquele episódio mudou a prática de circuncisão). Depois, há elementos que é indispensável atualizar, retornando obviamente cada vez à fonte da verdade que é Jesus Cristo.
Finalmente, há também "discussões doutrinais, morais e pastorais" que podem e devem ser resolvidas sem o magistério (cf. Amoris laetitia 3). Em um capítulo de Teologia da bar, tento colocar isso de uma forma um pouco mais jocosa: o magistério não visa encontrar uma formulação para cada problema que nos proteja de todo erro possível, de forma que devemos esperar seus pronunciamentos eternos e imutáveis para todas as coisas.
Por outro lado, o fato de seu ensinamento nem sempre ser eterno e imutável não nos autoriza a considerá-lo irrelevante. O magistério, em sua própria existência, lembra que entre idolatrar a lei - iludindo-se de que na vida há sempre um procedimento que garante a inocência diante de um juiz disposto a nos condenar - e nomear-se catalogadores individuais do bem e do mal – elegendo o próprio eu como Deus - está a liberdade do Evangelho, a cujo serviço também está o magistério.
No entanto, se quiserem uma explicação melhor, recomendo um belo texto magistral: a constituição Dei Verbum no n. 10. Ou dois livros fascinantes de teologia: O desenvolvimento do dogma católico, publicado por Maurizio Flick e Zoltan Alszeghy em 1967; O Magistério na Igreja Católica, publicado por Francis Sullivan em 1983.
Nas últimas semanas, devido às eleições políticas, vários estudiosos e homens de cultura se manifestaram publicamente para registrar a irrelevância política dos católicos italianos. Para muitos observadores, esse dado está ligado a uma identidade peculiar que o catolicismo italiano está assumindo gradualmente. Qual sua opinião sobre esse tema?
Não estou suficientemente preparado para dar uma resposta adequada, por isso vou me basear em um texto de Severino Dianich de 1987, no qual ele analisava com preocupação a passagem em curso naqueles anos e, com uma análise lúcida que não vou relatar aqui, mostrava como a Igreja Católica naquela década estava mudando de linguagem e de objetivos sem uma correspondente modificação estrutural: ou seja, inaugurava-se uma perigosa mistura entre a teologia que pensava a Igreja com uma nova autoconsciência e as formas estruturais que ela mesma se dava (ou melhor, não se dava, limitando-se a mudar os nomes das formas anteriores).
O resultado que, infelizmente, Dianich profetizava com temor era que ao fazê-lo "o problema da relação com o mundo, da grande questão do impacto do evangelho na história, se reduz à pequena questão da rivalidade entre a Igreja e o Estado, e da distribuição das competências entre autoridade religiosa e civil na determinação da vida pública dos cidadãos. Assim acontece que há uma Igreja decididamente apolítica na base e uma Igreja fortemente politizada no vértice: a abundante literatura sobre o problema Igreja-Estado, onde a Igreja não é a comunidade cristã, mas apenas a hierarquia, e onde o Estado é não a comunidade civil, mas a sua organização nas estruturas de autoridade, testemunha a grave restrição de interesses em que acaba cedo ou tarde tal teologia”.
Encontro nessas palavras muitos elementos de verdade. Precisamos voltar a uma política que conceba o bem comum como um objetivo a ser construído juntos desencadeando processos (e não apenas campanhas eleitorais). A formação de grande parte dos católicos das últimas décadas, no entanto, foi principalmente em outra direção, ou seja, a de privilegiar a ocupação de determinados espaços, perenemente em conflito e em defesa em relação aos demais atores do jogo. A alta abstenção nas eleições e os numerosos afastamentos da participação eclesial não são apenas sinais de desinteresse ou apatia, mas são muitas vezes o resultado de escolhas estruturais (a lei eleitoral ou a estrutura gerencial da pastoral, por exemplo). Esperamos que uma reversão da tendência possa ser inaugurada justamente com o processo sinodal em curso.
As investigações sociológicas mostram um distanciamento quase absoluto, e ignorância, de muitos italianos em relação à educação religiosa e ao conhecimento da Bíblia. No entanto, o texto bíblico é fundamental para iniciar-se num caminho de fé, para conhecer o cristianismo e para compreender uma parte fundamental da cultura europeia e mundial. Mas, na sua opinião, o que a Bíblia pode comunicar à cultura atual?
Perdoe-me se respondo com uma brincadeira: a Bíblia sozinha não comunica nada. O que faz a diferença é quem a lê e como. Não vou lhe repetir aqui as motivações - ainda que sacrossantas - com que crentes e não crentes, intelectuais e artistas, periodicamente invocam uma difusão mais ampla do texto bíblico. Eu concordo plenamente com eles. O problema não é a teoria, mas as práticas de leitura.
Por um lado, a Bíblia é assustadora porque é usada como "Palavra de Deus" até mesmo por fundamentalistas, ou atemoriza pelo tamanho e pela dificuldade objetiva de muitos de seus textos. Por outro lado, estão muito na moda aqueles que a usam como reservatório de respostas para seus problemas, ou manual de autorrealização individual, mesmo no setor editorial católico: na minha opinião, esta é uma deriva pior que a anterior, mas vamos deixar para lá.
A Bíblia não é algo que precisa de quatro diplomas antes se poder usá-la, mas também não é algo que existe em primeiro lugar para mim, como se eu fosse o centro do universo e Deus não tivesse mais nada a fazer a não ser me dizer coisas - fazendo-me sentir um idiota quando não as entendo, já que as escondeu em textos não tão imediatos.
Quem quiser entender a intenção de quem a escreveu - diz a Dei Verbum 12 - "deve pesquisar com atenção" e, pelo menos segundo a própria Bíblia, o pior é a "explicação privada" (2Pd 1,20-21); não é por acaso que uma das práticas mais antigas da Bíblia é a lectio divina. Ora, esse “com atenção” pressupõe uma ou mais competências (e aqui entram todos os múltiplos estudos ou conhecimentos práticos deveriam ser colocados mais em circulação), mas se retorna à primeira das perguntas desta nossa conversa.
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“Toda pessoa de fé é também um teólogo”. Entrevista com Marco Ronconi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU