26 Setembro 2022
"Para mim trata-se de um dever ético votar contra Bolsonaro e contra o fascismo. É também político o dever de se opor àqueles que defendem o valor do triunvirato 'Deus, pátria, família', alicerce ideológico de todos os totalitarismos, e almeja o retorno ao regime cristão, desta vez em versão pentecostalista", escreve Flavio Lazzarin, padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em artigo publicado por Settimana News, 22-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "se Lula vencer, seremos chamados a redescobrir Libertação e Esperança em horizontes mais amplos e propor leigamente novas pautas para a política brasileira, a partir das lutas e das insurreições proféticas dos povos originários, quilombolas, comunidades tradicionais camponesas e comunidades das periferias urbanas".
Em outubro também votaremos no Brasil, em dois turnos, começando em 2 de outubro e terminando no dia 30, com os prováveis segundos-turnos. Votamos para eleger o Presidente da República, os Governadores dos Estados, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais.
O clima político piorou nestes quatro anos de refluxos antidemocráticas e visivelmente fascistas que marcaram dramaticamente a presidência da República, o Parlamento e a sociedade como um todo.
Às vésperas das eleições, surgem preocupações com base na possibilidade de que os discursos golpistas possam se concretizar com o apoio das elites financeiras e empresariais, bem como das forças armadas, com a bênção da maioria das Igrejas Evangélicas Pentecostais e de setores significativos da Igreja Católica.
O que está acontecendo no Brasil antecipa, mais uma vez, a Europa que se pretende mestra da modernidade: fluidez absoluta em “derreter no ar tudo o que é sólido”. De fato, está se derretendo o que, ingenuamente, - nós ocidentais - pensávamos já fosse uma prática consolidada, ou seja, a derrota definitiva das ideologias totalitárias e ditatoriais, o advento irreversível da democracia, a superação do colonialismo, o fim do regime de cristandade, a laicidade do Estado.
Talvez seja mais apropriado pensar que na América Latina sempre vivemos processos aparentes de modernidade. Assim, os fantasmas do passado - até ontem diplomaticamente escondidos porque condenados por uma suposta unanimidade - reaparecem descaradamente, sem censuras, no cotidiano da política.
Hoje os infernos aparecem explicitamente nos discursos: e é importante ressaltar que eles nunca estiveram ausentes na história do Brasil, mesmo na mais recente, porque, na verdade, sempre convivemos com um substituto do Estado de Direito, que deixa abertas amplas margens de ilegalidade, arbitrariedade e violência, contra os deserdados do mundo rural e das periferias urbanas.
Em suma, nesse pleito eleitoral somos chamados a negar qualquer legitimidade à práxis e ao discurso fascista. As circunstâncias e a política dos partidos de centro-esquerda nos deixaram essa única possibilidade de vencer pelo menos uma batalha contra a direita desumana e liberticida.
Estes poderiam, em dezenas de ocasiões, ter apostado na cassação do mandato presidencial, mas, não de todo involuntariamente alinhados com a maioria parlamentar, cúmplice, mais uma vez, na divisão corrupta do dinheiro público, decidiram adiar o embate, para preservar o seu candidato, cujo protagonismo, talvez, não teria sido garantido em caso de um processo de impeachment.
Minha triste impressão é que, em caso de derrota eleitoral da direita, o que pode realmente mudar é apenas o discurso - a narrativa - enquanto a realidade da hegemonia capitalista permaneceria indiscutida e inalterada. É exatamente o que aconteceu nas últimas administrações estaduais de esquerda, das quais o Maranhão é um exemplo indiscutível: apoio incondicional aos investimentos do agronegócio e das mineradoras, com impactos irreversíveis no bioma do Cerrado, a savana brasileira e nas populações indígenas e tradicionais.
Tudo acompanhado pela especulação imobiliária nas regiões próximas aos assentamentos urbanos, com instalações industriais, ferrovias, rodovias, hidrovias, redes de produção e distribuição de energia - muitas vezes repassada como renovável - e por violências cotidianas do Estado e das milícias privadas dos proprietários contra indígenas, quilombolas e camponeses. Em radical continuidade e coerência com a política de desenvolvimento de treze anos de presidentes de esquerda: as hidrelétricas de Estreito, Santo Antônio e Jirau, Belo Monte e a transposição do rio São Francisco, para citar apenas alguns dos grandes e malsucedidos delírios. Na administração federal e estadual, encontramos o álibi inconsistente dos Ministérios e Secretarias de defesa dos direitos humanos: defesa dos direitos no varejo e agressão dos direitos no atacado.
Essa leitura, porém, não me autoriza a desqualificar radicalmente o processo eleitoral. Para mim trata-se de um dever ético votar contra Bolsonaro e contra o fascismo. É também político o dever de se opor àqueles que defendem o valor do triunvirato “Deus, pátria, família”, alicerce ideológico de todos os totalitarismos, e almeja o retorno ao regime cristão, desta vez em versão pentecostalista.
Mas também me preocupo o curto-circuito fundamentalista de certos intérpretes das teologias da libertação que de forma redutiva fazem combinar libertação e adesão ao Partido dos Trabalhadores (PT) ou se deixam seduzir pelo protagonismo messiânico de Lula.
Em suma, se Lula vencer, seremos chamados a redescobrir Libertação e Esperança em horizontes mais amplos e propor leigamente novas pautas para a política brasileira, a partir das lutas e das insurreições proféticas dos povos originários, quilombolas, comunidades tradicionais camponesas e comunidades das periferias urbanas.
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O Brasil rumo às eleições - Instituto Humanitas Unisinos - IHU