01 Setembro 2022
"Do Iêmen à Ucrânia, da Síria a Mianmar, o Tratado e sua avaliação de risco têm um papel a desempenhar em situações que dizem respeito à vida cotidiana de milhões de pessoas em todo o mundo, para garantir que não se perca de vista o objetivo do Tratado: reduzir o sofrimento humano", escreve Francesco Vignarca, Coordenador das Campanhas da Rede Italiana Paz e Desarmamento, em artigo publicado por Il Manifesto, 31-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após dois anos de reuniões remotas devido à pandemia, os Estados Partes do Tratado de transferência de armas ATT finalmente puderam se reunir novamente presencialmente na semana passada, em Genebra. A Conferência foi também uma oportunidade de levar para o debate diplomático internacional o tema dos circuitos globais das armas. Que em todas as guerras (mesmo as ignoradas) criam instabilidade e violência armada.
Com o Tratado ATT (que entrou em vigor em 2014 e atualmente é ratificado por 111 países) pela primeira vez direitos humanos e preocupações de natureza humanitária foram integrados em um acordo global sobre aspectos militares, introduzindo o elemento da responsabilidade (anteriormente ausente) no comércio global de armas. Não fazem parte dele os EUA e a Rússia, principais exportadores mundiais de armas, enquanto pela primeira vez a China participou de trabalhos presencialmente, com um envolvimento positivo.
Não causa surpresa que um aspecto relevante do debate tenha sido a "universalização" do Tratado, evocado em particular pelos países (e pela sociedade civil) africanos - também no aspecto de assistência e implementação de mecanismos, difícil para Estados pequenos e frágeis - ou seja, por aqueles que são mais afetados pelo inconsequente comércio de armas, causando sofrimentos indizíveis.
O risco de conferências internacionais desse tipo é se transformar em um "ritual" formal para alívio de consciência, sem entrar no mérito dos problemas: por isso é crucial o papel da sociedade civil internacional, que muitos gostariam, ao contrário, de ver reduzido. A campanha mundial Control Arms (da qual faz parte a Rete Italiana Pace e Disarmo) continuou, portanto, a insistir em progressos práticos, na convicção de que a aplicação de regras sobre a transferência de armas possa reduzir o sofrimento humano. Ao contrário, deixar-se guiar apenas por conveniências de curto prazo das políticas externas e dos negócios aumenta dramaticamente o risco de conflitos. E de mortos entre os civis.
É preciso passar das hipóteses ideais às atitudes concretas: "As Conferências sobre o ATT devem servir para analisar os progressos da sua implementação, não o mero processo – ressaltou a Control Arms em uma intervenção na plenária - Oito anos de processo são suficientes. É hora de discutir no que o Tratado está funcionando e quais são os desafios a serem enfrentados. Todos nós temos que levar em consideração o custo humano das transferências de armas para as comunidades atingidas por conflitos e violência armada."
Nos últimos anos, os estados têm favorecido o planejamento e a redação de documentos, não fornecendo informações diretas e práticas aos Estados - especialmente os novos - sobre como implementar as obrigações do Tratado no mundo real: casos concretos de potenciais triangulações, análise sobre as fases de avaliação das exportações e sobre as motivações por trás da aprovação ou rejeição das licenças.
A transparência sobre as exportações de armas causa medo, com alguns paradoxos: recentemente alguns países concordaram com os perigos da abordagem permissiva sobre os fluxos de armas para a guerra no Iêmen evidenciados pela sociedade civil - talvez negando as vendas - mas ninguém esteva disposto a compartilhar os detalhes sobre como é realizada a avaliação de risco de violação de direitos humanos e de impacto negativo das armas. Que é, ao contrário, central nas exigências do ATT.
A possibilidade de acesso a dados continua a diminuir, com tendências negativas e preocupantes também nos relatórios anuais obrigatórios que comprometem significativamente as metas e os objetivos de transparência do Tratado.
Nenhum detalhe sobre os procedimentos foi compartilhado nem mesmo no caso ucraniano, no centro de boa parte das discussões mais delicadas do encontro em Genebra. Nem mesmo os países da área da OTAN, que ressaltaram a necessidade de parar os fornecimentos militares para a Rússia (não banal enquanto a maioria dos Estados não segue essa linha política, apesar do que aparece nas nossas mídias), quiseram explicar por que consideram seu próprio envio de armas para a Ucrânia em acordo com os critérios do Tratado. A questão é obviamente complexa, mas teria sido oportuno entrar no mérito, mesmo neste contexto, se acreditarmos em uma possível eficácia que não seja apenas retórica do ATT.
Uma conversa séria e franca sobre transferências de armas para áreas em conflito e atingidas por violência armada poderia esclarecer as modalidades de aplicação dos critérios ATT e do processo de avaliação de risco, fortalecendo sua implementação e demonstrando sua relevância no mundo real.
Do Iêmen à Ucrânia, da Síria a Mianmar, o Tratado e sua avaliação de risco têm um papel a desempenhar em situações que dizem respeito à vida cotidiana de milhões de pessoas em todo o mundo, para garantir que não se perca de vista o objetivo do Tratado: reduzir o sofrimento humano.
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Guerras em aumento sem controle sobre os fluxos de armas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU