25 Agosto 2022
Na Inglaterra, o sistema de saúde decidiu, em julho de 2022, fechar a única clínica que atendia menores questionando sua identidade de gênero, por causa de profundas inadequações em seu funcionamento. A situação na França, com o psiquiatra Jean Chambry.
A entrevista é de Arnaud Aubry, publicada por La Vie, 19-08-2022. A tradução é do Cepat.
Há 11 anos, o Dr. Jean Chambry recebe crianças e adolescentes, muitas vezes angustiados, que se questionam sobre sua identidade de gênero. O psiquiatra, chefe do departamento do grupo do hospital universitário de psiquiatria e neurociências de Paris, compartilha sua experiência e seus pensamentos sobre o cuidado desse público na França.
Os problemas que levaram ao fechamento da clínica Tavistock (falta de abordagem multidisciplinar, longa espera na fila, implementação precipitada de tratamentos etc.) podem estar presentes na França?
O princípio da multidisciplinaridade (psiquiatra, psicólogo, endocrinologista, médico da medicina reprodutiva, etc.) é essencial na França, nos serviços hospitalares que acompanham as crianças e os adolescentes com experiência transidentitária. Além disso, nada é feito sem a permissão dos pais. Multiplicamos as entrevistas para aproveitar o tempo para entender o que o jovem sente, desde quando, se está claro em sua cabeça, ou mesmo como ele se vê no futuro, se ele se questiona sobre sua sexualidade…
A principal dificuldade que enfrentamos é a questão da estabilidade da identidade entre as crianças e os adolescentes. Mesmo que haja sofrimento, não embarcaremos em um caminho de transição se a identidade de gênero de um paciente não for estável, porque é um caminho do qual o paciente pode se arrepender mais tarde.
Como são tratados os menores de idade que expressam o desejo de mudar de sexo na França?
Antes da puberdade, o que oferecemos é apoio, tanto para as crianças como para os pais; sem tratamento médico ou cirúrgico. Durante este período, 50% das situações evoluem para o retorno ao sexo atribuído no nascimento. A abordagem muda quando a criança entra na puberdade, por volta dos 9-10 anos. As transformações corporais que ela provoca podem ser fatores de ansiedade, angústia e até de pensamentos suicidas.
Podemos então propor um bloqueio da puberdade. Isso significa que o paciente manterá, durante o tratamento, o seu corpo de criança. Devo salientar que essas situações são muito raras. Na França, nos últimos 10 anos, menos de 100 crianças receberam bloqueadores da puberdade.
O relatório de Hilary Cass, pediatra que realizou a auditoria da clínica Tavistock, levanta a questão do impacto desses tratamentos…
Nós temos dados da Holanda, onde foi inventada essa técnica. Mas estes são acompanhamentos de curto prazo, não de longo prazo. Os bloqueadores da puberdade podem causar a perda de alguns centímetros de crescimento; por outro lado, não há impacto no quociente de inteligência. Mas eles têm outros efeitos? Não que sejam do nosso conhecimento. No entanto, as pessoas que interrompem os bloqueadores para retomar uma puberdade fisiológica são uma minoria (2% de acordo com o sociólogo Arnaud Alessandrin, nota do editor).
A questão que se coloca é: será porque esse tratamento é reservado para quem se encontra em uma situação de muito sofrimento, que está em recusa escolar ansiosa, portanto para quem o tratamento é o mais indicado? Ou é porque, como alguns defendem, uma vez sob o tratamento com o bloqueador da puberdade, as crianças não se questionam mais sobre sua identidade?
Entre os menores de idade, os pedidos mais numerosos, e muitas vezes os mais urgentes, ocorrem por volta dos 15 anos. Como você cuida desses pacientes?
Por volta dos 15 anos, retiramos o bloqueador da puberdade para os pacientes em questão. Ou eles voltam à puberdade fisiológica ou recebem hormônios do outro sexo. Desta vez estamos em uma transformação corporal que é apenas parcialmente reversível. O ciclo hormonal retomará naturalmente seu curso se o paciente decidir interromper o tratamento.
Por outro lado, os marcadores físicos permanecerão. Para os meninos trans, a injeção mensal de testosterona fará aparecer a pilosidade masculina, mudança de voz, etc. – traços que são irreversíveis. Da mesma forma, para as jovens trans que recebem estrogênio, o crescimento dos seios não diminuirá quando o tratamento for interrompido.
São consequências que não podem ser banalizadas, assim como os riscos que esses tratamentos podem acarretar: esterilização ou redução da produção de espermatozoides. Embora as crianças e adolescentes geralmente não pensem muito sobre a fertilidade nessa idade, os pais podem ser mais sensíveis a isso.
O que os pais lhe dizem durante essas consultas?
A preocupação deles é sistematicamente saber se o filho é um trans de verdade ou se está se encontrando na adolescência. Não temos uma resposta para esta pergunta, porque não há explicação científica para por que nos sentimos trans ou cisgênero... A transidentidade não é, de qualquer forma, mais considerada uma condição psiquiátrica desde 2010 na França.
E os procedimentos cirúrgicos? Eles são feitos em crianças?
A maioria dos procedimentos (vaginoplastia, feminização do rosto) é realizada após os 18 anos. No entanto, a partir dos 16 anos, pode ser realizada uma torsoplastia, ou seja, a retirada das mamas. Se algumas clínicas privadas o fazem aos 14 anos, é secundário. A questão que nos preocupa em cada etapa do percurso é que eles possam se arrepender de sua transição. Com 11 anos de retrospectiva no meu trabalho, de 100 pacientes, apenas um se arrependeu do rumo que tomou e começou a “destransição” de gênero.
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França. Crianças e adolescentes trans: “O que nos preocupa é que eles possam se arrepender de sua transição”. Entrevista com Jean Chambry - Instituto Humanitas Unisinos - IHU