04 Agosto 2021
Inacreditável ! Desumano !
Blog: Sociologia & Análise
Trago notícias da CPI.
O relato é hilário, já está registrado nos anais do Senado e é mais um emblema da gigantesca barafunda em que estamos metidos. Vai com aspas porque é de autoria de outrem, que fica anônimo a pedido. Mas a informação é pública.
“um sujeito chamado REVERENDO AMILTON, dono de uma ong de picaretagens que esteve envolvida com intermediaçao de vacina para o ministério da saúde, contou o seguinte:
que ele não conhecia ninguém no governo, não fez ponte com ninguém. o jeito como ele conseguiu uma reunião no ministério foi pq ele mandou um e-mail pra eles, apenas como cidadão zeloso, falando que conhecia alguém que tinha vacinas pra vender e se eles poderiam recebê-lo DALI A ALGUMAS HORAS. sem nem esperar pela resposta, ele foi para o ministério levando o pessoal. chegando lá, antes mesmo do horário que ele tinha solicitado, e sem nem a confirmação de se os caras tinham sequer recebido o e-mail, ele foi admitido para uma reunião com o secretário de vigilância em saúde […] os senadores pareciam até constrangidos de interrogar o cara de tão ruim que ele era”.
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O cara literalmente escreveu um e-mail propondo uma picaretagem de intermediação de vacina e foi para o Ministério, sem nem esperar resposta. Catou o endereço do Ministério no Google e foi.
Ignoramos se ele foi de Uber, táxi ou carro próprio, mas o secretário de vigilância em saúde o recebeu.
Braga Netto terá de explicar no Congresso Nacional ameaças golpistas sobre as eleições de 2022.
"O ministro da Defesa não pode chantagear uma nação, nem mesmo deixar dúvidas sobre o processo democrático, e insinuar que isso pode ser substituído por um fechamento autoritário, especialmente sendo ele um general da reserva", disse o deputado Rogério Correia autor do requerimento de convocação do general.
SAI DESSA, BRAGA NETTO
O general que ajuda Bolsonaro a blefar caiu na arapuca do próprio blefe e terá de abaixar a cabeça e dizer na Câmara dos Deputados que respeita a democracia e a Constituição. Leia aqui.
Ele fugiu dos ataques brutais de invasores que mataram seus parentes, viveu uma fuga solitária por dez anos e reencontrou os integrantes de sua etnia em seu território, no Maranhão, entre eles um de seus filhos; em julho, morreu de Covid-19
Por Luma Ribeiro Prado
#DeOlhoNosConflitos
#DeOlhonoGenocídio
#DeOlhonosRuralistas
Leia aqui.
10 Compromissos de Bolsonaro para o 2 mandato
1- volta da máquina de escrever
2-volta do orelhão de ficha e do telefone discado
3- volta do óleo de fígado de bacalhau
4- volta do mercuriocromo ardido
5-volta do tocafitas
6- volta do mimeografo
7-volta das locomotivas a vapor
8-volta das calças com boca de sino
9-volta da gravata borboleta
10-volta da TV a preto e branco
Gostaria de saber como o Palácio Tiradentes, onde funcionava a Câmara dos Deputados quando o Brasil tinha 72 milhões de habitantes e 400 deputados, pode ter ficado pequeno demais para um Estado com 13 milhões de habitantes e 72 deputados. Quem se habilita? Leia aqui.
• 02/08 – Dia da lembrança do extermínio Romani celebrado desde 1997. Rememora o extermínio dos ciganos em Auschwitz-Birkenau, em 1944. Neste dia, os nazistas mataram 2.897 ciganos entre homens, mulheres e crianças nas câmaras de gás. Mais de 220.000 ciganos foram exterminados pelos nazistas durante o período do Holocausto.
O Portal da Transparência do Distrito Federal afirma que a última remuneração do policial civil, em junho, foi de R$ 19.746,02. De acordo com a PF, o helicóptero é avaliado em aproximadamente R$ 450 mil. O agente alega ter vendido a aeronave em maio. Leia aqui.
via Danielle Crepaldi Carvalho
Via Zé Jardim: "A melhor descrição do processo histórico de deformação da esperança messiânica dos primeiros cristãos numa dogmática religiosa e especulativa chamada cristianismo."
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“Os escritos cristãos anteriores à segunda metade do século II mostram a completa ausência de qualquer aparato doutrinário no cristianismo primitivo, que não era, no fundo, mais que uma norma de conduta apoiada em algumas verdades e sobretudo em algumas promessas reveladas por Cristo. Estes cristãos primitivos viviam sua fé com toda a alma e não sentiam nenhuma necessidade de representá-la com um complexo de doutrinas determinadas.
No mundo helênico, porém, o cristianismo não poderia permanecer neste estado de simplicidade dogmática. A mente grega estava impregnada de especulação metafísica. O cristianismo transformou-se numa dogmática luxuriante e, como o mundo, foi arrastado por um vendaval de disputas metafísicas, na qual o interesse religioso se exauria completamente. Tal transformação da religião em filosofia fez com que o requisito exigido para ser cristão não fosse mais o reconhecimento de uma determinada norma de conduta moral e a inefável aspiração à união com Deus pai, revelado por Cristo, mas, antes, o reconhecimento da verdade de um determinado complexo de dogmas filosóficos, o fato de estar inscrito num determinado sistema doutrinário e escolástico. Esta curiosa e essencial transformação trouxe consigo o empobrecimento moral do cristianismo.
Nas lutas teológicas que dilaceraram a Igreja durante três séculos, tanto de um lado, quanto do outro só se observava, no cristão, a sua confissão doutrinária. O programa do Sermão da Montanha cedeu lugar às fórmulas dogmáticas que os Concílios lançavam uns contra os outros e que eram recolhidas pelos adeptos das doutrinas em guerra.
A eficácia redentora de tal cristianismo só podia se apagar totalmente. Transformou-se numa religião formalista e, o que é pior, uma religião que não colocava a salvação na renovação interior do homem, como queria Paulo, mas no reconhecimento de exterioridades, tanto doutrinais, quanto rituais, que, daquela luminosa aspiração ao ideal afirmada em sua origem, a transformavam numa complicada supertição."
[Observações que fiz aqui sobre o ridículo do emprego de "todes" (e não de nescaus) geraram uma discussão. Para esclarecer de uma vez por todas o que penso sobre o assunto (que abordei, aliás, no meu livro "Sobre o Relativismo Pós-Moderno e a Fantasia Fascista da Esquerda Identitária"), publico aqui, em primeira mão, artigo que escrevi sobre o tema. É do tipo "textão", paciência]:
EUGENISMO VERBAL: CONTRA O PENSAMENTO LIVRE
A essa altura do campeonato, com a polícia da língua em rondas incansáveis, já nem faço ideia de como hoje, nas Minas Gerais, as pessoas estão chamando o Aleijadinho... Mas, antes de entrar no assunto, faço duas observações preliminares. A primeira: intelectuais se deixam muitas vezes caracterizar pelo virtuosismo retórico – apresentadores e comentaristas de televisão, salvo mais do que raras exceções, pela conversa fiada. A Globonews nos dá um bom exemplo disso. Espicharam o tempo de fala de seus repórteres e comentaristas, com o propósito de conferir aparência de alguma “profundidade” a seus noticiários. E nada. Regra geral, os caras e as moças, que abrem a boca em programas daquele canal, ficaram apenas mais prolixos. Falam pra caramba, sem sair do lugar.
Giram em círculos – entre erros de português (e de outras línguas). Tem um deles que, se for proibido de dizer “a grande questão”, não vai mais conseguir abrir a boca. E, no final das contas, a única coisa que realmente retemos, de seus discursos, é a vasta coleção de “boas noites” que não se cansam de trocar entre si.
A segunda coisa é que ninguém, em sã consciência, é a favor de opressões. Não seria necessário falar disso, se as milícias identitárias não fossem tão escrotas e mentirosas, concorrendo em fake news com a extrema direita hoje palaciana, com “gabinete do ódio” e tudo o mais. Porque basta criticar a esquerda diversidentitária para que suas milícias espalhem que em sua certidão de nascimento está registrado que você descende de Hitler (estranhamente, aliás, alguns poupam Stálin). Mas isso é jogo sujo, desonesto. Como disse, quem não reza pelo dogmatismo multiculturalista e suas perversões rasteiras, pelo politicamente correto e a ditadura diversitária, não é necessariamente “de direita”. Apenas não engolimos a “doença infantil” (para lembrar a expressão de Lênin) do esquerdismo identitário. Exigimos, sim, punição para crimes de racismo (desde que não fiquem no plano da paranoia, do oportunismo ou da mera idiotice). Não aceitamos que maridos e ex-maridos espanquem suas mulheres ou ex-mulheres (esta expressão infeliz; afinal, como alguém já me disse numa conversa, ex-marido tudo bem, mas “ex-mulher” é transgênero e olhe lá). Batemos na mesa contra o genocídio estatístico dos descendentes de índios pelo IBGE. Condenamos o assédio sexual (real, não o fantasioso), assim como agressões a homossexuais passeando de mãos dadas no espaço público. Do mesmo modo que ninguém comemora o enforcamento de rapazes gays no Irã – ou o suicídio recente de Fuad, “transgênero” de 17 anos, na França.
Por falar no jovem Fuad, que se matou na cidade de Lille, existem já sociólogos especializados em “questões de transidentidade”, como Karine Espineira (do laboratório de estudos de gênero e sexualidade na universidade Paris VIII-Vincennes-Saint-Denis), que li outro dia numa entrevista ao Monde. E ouvi o que ela diz. É claro que a visibilidade e a difusão do discurso sobre a “transidentidade” ampliam o questionamento jovem a propósito de “desigualdades de gênero”. Entendo que esses jovens interroguem os “estereótipos da binaridade” e reivindiquem uma margem maior de liberdade, além das figurações do masculino e do feminino. Concordo, ainda, que há, sim, uma boa dose de modismo jovem em toda essa cena, forte dose de adesão ao novo e à novidade, mas também sei que não podemos reduzir o fenômeno à moda, em seu sentido mais cosmético, e menos ainda à futilidade. Até pelo contrário. Não tenho dúvida de que, para pretender negar o tal do “esquema binário”, para chegar a assumir uma “transidentidade” (seja lá o que isso realmente signifique), a pessoa, não raro, atravessa um período de reflexão existencial relativamente profunda e mesmo, em alguns casos, dolorosa. São pessoas que “teorizaram sua identidade”, no dizer de Karine – isto é, percorreram um caminho reflexivo, autorreflexivo, intelectual. Até aí, tudo bem. Outra coisa é acionar milícias vocabulares ou patrulhas ideológico-lexicais. E ainda outra é querer impor autoritariamente à sociedade o emprego sistemático de um pronome inexistente... destinado unicamente a designá-los. Ou, como no Canadá, o uso da terceira pessoa do plural em inglês – they – para se referir a um só indivíduo. O protesto do psicólogo Jordan Peterson foi certeiro, ao se negar a fazer isso. O que temos aqui, mais uma vez e uma vez mais, é autoritarismo fascista e o recurso de sempre à judiciarização da política, com base na ideologia dos “direitos humanos”.
Dito isso, vamos a uma visão geral do assunto, citando a abertura do tópico “Eugenia Verbal”, do livro de Thomas Sowell sobre as relações entre intelectuais e sociedade: “Os numerosos filtros em operação tanto na mídia quanto no universo acadêmico não são aleatórios. Eles refletem um procedimento comum, filtrando inumeráveis elementos indesejáveis, os quais poderiam ameaçar essa visão [multicultural-identitária] consagrada. A manipulação retórica dos intelectuais filtra tanto as palavras quanto os fatos, fazendo uso daquilo que poderíamos chamar de eugenia verbal, análoga à limpeza étnica. Palavras que adquiriram conotações particulares ao longo dos anos a partir das experiências acumuladas de milhões de pessoas, atravessando sucessivas gerações, passam a ter seu significado corrompido por um número relativamente pequeno de intelectuais contemporâneos, os quais simplesmente suprimem o antigo termo, substituindo-o por outro para designar coisas iguais, até que as novas palavras substituam as antigas. Portanto, ‘mendigo’ foi substituído por ‘sem-teto’, ‘pântano’ por ‘paraíso das águas’ e ‘prostitutas’ por ‘profissionais do sexo’”. Aliás, a adoção de vocabulário e torneios frásicos fundados no politically correct gerou situações involuntariamente cômicas nos Estados Unidos. Cita-se, a este respeito, o papelucho “Guidelines for Racial Ethnic Identification”, produzido por “facções minoritárias” na redação do Los Angeles Times. Lá se lia, entre outras preciosidades, que, como não existe mãe que não trabalhe duro pra caramba, não havia sentido algum em empregar uma expressão como “mães desempregadas”...
Além disso, surgiu a “língua” do x-@-e ou “linguagem inclusiva”, que, na verdade, não inclui ninguém e exclui muitos. Me lembro, aliás, de Gustavo Maultasch: “Eu não sei se você já reparou, mas o progressista escolarizado – por exemplo, o bolchehipster da República Popular Democrática do Leblon – raramente usa as expressões da novilíngua progressista que ele tanto defende; já escutou ‘todes’ no Leblon?”. Não por acaso digo que a linguagem supostamente inclusiva é excludente. Diversos educadores insistem nesse ponto. A pedagoga Beatriz Macedo, em “Todxs vs Todos”, dá alguns exemplos. Fala de pessoas que a linguagem dita inclusiva pode excluir. Pessoas com dislexia, por exemplo. “A dislexia é um transtorno específico de aprendizagem, de origem neurobiológica, sua característica principal é a dificuldade no reconhecimento da palavra, de decodificação e em soletração. Todas essas dificuldades ocasionam um déficit fonológico. Quando você escreve trocando letras, você quadruplica a dificuldade de decodificação de uma pessoa disléxica. Você desmotiva sua interação e interesse no assunto escrito e você embaraça essa pessoa na hora da soletração”.
Pessoas semianalfabetas ou em processo de alfabetização, também. “Uma pessoa que tenha estudado até à 4ª. série primária é uma pessoa semianalfabeta. Ela lê com dificuldade, mas consegue decodificar a linguagem básica e a soletra de forma crua. Quando você escreve trocando letras isso é impossível de ser lido... Além da fonética, tira completamente o sentido para o interlocutor. Você dificulta ainda mais o entendimento e desmotiva o hábito para essas pessoas”. Etc. Beatriz provoca ainda suas colegas de classe (social) e de universidade, que agora andam a reclamar de um “sexismo” linguístico: “Muitas mulheres batem na tecla dessa linguagem inclusiva militando pelas mulheres. Entendo o ponto, mas deixo aqui uma pergunta: sua linguagem inclusiva chega na mulher que limpa o banheiro de sua faculdade? A senhora que vende bala no trem, a moça que te vende sanduíche na porta da universidade... Todas essas mulheres pobres, sem oportunidade de estudo e já tão calejadas pela vida com isso. Elas vão entender sua mensagem, caso vejam um cartaz onde está escrito TODXS CONVIDADXS?”.
A “língua” do x-@-e, por sinal, já começa, voluntária ou involuntariamente, querendo nos obrigar a falar não na língua portuguesa ou de língua portuguesa, mas, em termos neutros, de língux portuguesx ou língue portuguese... Adiante, teremos a exigência de reciprocidade: já que dizem “todxs”, deveremos dizer “oi, galerx” – e nem sei como pronunciar isso. De língua admirável pela sonoridade, o português do Brasil se transformaria então numa pedreira consonantal impronunciável. E tudo isso tem sido um campo privilegiado para a proliferação de equívocos e exageros ridículos. A começar por uma trapalhada elementar: gênero gramatical nunca foi gênero biológico. Basta pensar na dupla formada por “cesto” e “cesta”. Alguém por acaso já viu o pinto de um cesto ou o xibiu de uma cesta? O que uma pobre cesta, carregada de tempero no canto de uma quitanda de feira livre, pode ter a ver com “identidade de gênero”? Existem cestas “trans”? E o pior é que, como a língua portuguesa sexualiza tudo e não possui o neutro (como o tó grego ou o das alemão), isto significa que ela tem tudo para ser uma tremenda vítima do diversidentitarismo. Para ser metralhada de cabo a rabo com uma rajada de x-x-x-x-x-x ou minada com muitos eeeeee. E assim experimentar a destruição de uma das suas principais características.
Me lembro do velho Rodrigues Lapa, em sua Estilística da Língua Portuguesa (sempre me recordo, a propósito, do dia em que citei este livro, numa conversa de bar com o escritor João Ubaldo Ribeiro, em Itaparica; Ubaldo se entusiasmou ao ouvir a menção ao trabalho de Rodrigues Lapa, que adorava – depois, exagerando nas cores, entre o irônico e o melancólico, me disse: “acho que aqui no Brasil só eu e você chegamos a ler esse livro”). Lapa confessa que, ao examinar o assunto, se viu obrigado a “acentuar, tratando-se do gênero [gramatical, claro], uma das características do português: a constante preocupação sexual que se verifica no vocabulário”. Não se trata apenas de dividir o mundo (que é masculino, diversamente da Terra, que é fêmea, Terra Mater ou Tellus Mater, “mãe universal de conhecimentos sólidos”, como se ouve num hino homérico) por um prisma sexualizante geral. O que acontece é que falamos diariamente uma língua que, além de desconhecer a indiferença ou a neutralidade sexual, vai em frente, avançando ainda mais no detalhe e criando supostos casais linguísticos. “É natural que os animais se dividam quanto ao sexo: cão – cadela, leão – leoa, etc. A própria configuração do macho e da fêmea torna necessária a distinção morfológica. Mas o que é mais curioso é que essa mesma tendência se verifique nos objetos, nos seres insexuados. A par do masculino, a língua criou formas femininas num sem-número de substantivos: saco – saca, poço – poça, barco – barca, melão – meloa, chouriço – chouriça, gancho – gancha, barraco – barraca, cesto – cesta, etc.”, escreve Rodrigues Lapa. E é evidente que a diferença entre um barco e uma barca é gramatical, não genital. Mas o fato é que coisa alguma, no amplo e luminoso horizonte da língua portuguesa, aparece desprovida de sexo. Sexualizamos tudo. Para horror dos atuais fanáticos do eugenismo verbal e da “linguagem inclusiva”.
Faz bem, também, ler o texto de Vivian Cabrelli Mansano, publicado no facebook por Leonora Fink, tematizando uma aula de uma professora de português (tendo em vista um de seus exemplos, me lembro do já mencionado João Ubaldo Ribeiro dizendo que, para serem lógicos, os reformadores identitários da língua deveriam ser obrigados a dizer “o motoristo”): “Não sou homofóbica, transfóbica, gordofóbica. Eu sou professora de português... Eu estava explicando por que não faz diferença nenhuma mudar a vogal temática de substantivos e adjetivos para ser ‘neutre’. Em português, a vogal temática na maioria das vezes não define gênero. Gênero é definido pelo artigo que acompanha a palavra... O motorista – termina em A e não é feminino. O poeta – termina em A e não é feminino. A ação, depressão, impressão, ficção. Todas as palavras que terminam em ção são femininas [professora: uma exceção: coração], embora terminem com O. Boa parte dos adjetivos da língua portuguesa podem ser tanto masculinos quanto femininos, independentemente da letra final: feliz, triste, alerta, inteligente, emocionante, livre, doente, especial, agradável, etc. Terminar uma palavra com E não faz com que ela seja neutra. A alface – termina com E e é feminino. O elefante – termina com E e é masculino. Como o gênero em português é determinado muito mais pelos artigos do que pelas vogais temáticas, se vocês querem uma língua neutra, precisam criar um artigo neutro, não encher um texto de X, @ e E. E mesmo que fosse o caso, o português não aceita gênero neutro. Vocês teriam que mudar um idioma inteiro para combater o ‘preconceito’. Meu conselho é: ao invés de insistir tanto na coisa de gênero, entendam de uma vez por todas que gênero não existe, é uma coisa socialmente construída. O que existe é sexo. Entendam, em segundo lugar, que gênero linguístico, gênero literário, gênero musical, são coisas totalmente diferentes de ‘gênero’. Não faz absolutamente diferença nenhuma mudar gênero de palavras. Isso não torna o mundo mais acolhedor. E entendam em terceiro lugar que vocês podiam tirar o dedo da tela e parar de falar abobrinha, e se engajar em algo que realmente fizesse diferença, ao invés de ficar arrumando pano pra manga pra discutir coisas sem sentido. Tenham atitude! (Palavra que termina em E e é feminina). E parem de ficar militando no sofá! (Palavra que termina em A e é masculina)”.
Uma breve antologia comentada do burlesco identitário não pode passar ao largo do New York Times – jornal que, no dizer de Pascal Bruckner, é o Vaticano intelectual da esquerda. E está certo: o New York Times pauta o restante da mídia, mas também canoniza e condena, estabelece o que pode e o que não pode ser dito, coloca no index ou concede seu imprimatur a isso e aquilo. Há décadas abraçou a causa indentitária, considerando-a ao mesmo tempo uma boa intervenção social e uma saída comercial para a crise de uma imprensa que via escassearem anúncios e leitores. Daí que, ao lado de uma divisa solene como “a verdade é essencial”, sua opção identitária se tenha dado na encruzilhada do diversity or die, com propósito principalmente comercial. É evidente que, na prática, essas duas frases não combinam: antes, se repelem. Porque, se a primeira delas implica rigor e fidelidade aos fatos, a segunda é um convite à filtragem e à manipulação da informação, de modo a sacralizar os oprimidos e acusar impiedosamente os opressores. Mas, até aqui, a conversa se desenvolve em termos mais sóbrios e sisudos, ainda que não exatamente no campo da seriedade. No entanto, o humor involuntário ou o despropósito levando ao cômico, não deixou de pontuar a trajetória multicultural-diversitária do jornal. Quem lê qualquer matéria sobre coisas raciais nos Estados Unidos – e os norte-americanos são patologicamente obcecados por raça, disposição maníaca que já transmitiram à mídia brasileira –, nele publicada, logo nota: nos seus textos, a palavra “preto” é escrita com inicial maiúscula – a palavra “branco”, com a minúscula de praxe. De um modo geral, empregamos maiúsculas em inícios de período, na toponímia e na antroponímia, para designar órgãos de governo e instituições em geral, etc. Mas nunca, é claro, em substantivos comuns, verbos ou adjetivos (em alemão, sim, o substantivo começa com maiúscula, mas não em inglês ou nas línguas latinas). Mas o New York Times resolveu premiar um só adjetivo – black – com maiúscula, como se fosse uma eterna capitular. E isso desde há mais ou menos um ano. A razão?
Diz o jornal que escreve “preto” com maiúscula e “branco” com minúscula por uma questão de “reparação histórica”... Dá para acreditar? Pois é: vejam a profundidade da subversão multicultural-diversitária – a justiça social identitária alcança agora o domínio da tipografia. Mudar estruturas sociais, como antigamente se pretendeu, é coisa que não interessa (os identitários lutam apenas por seus lugares ao sol da ordem estabelecida). Mas mexer na tipografia, isto sim, é uma verdadeira e profunda ação revolucionária... Fico até me lembrando de que um dos maiores poetas norte-americanos do século XX só assinava seus textos e livros em caixa baixa: e. e. cummings. E jogava criativa e maravilhosamente com a desarticulação de palavras e a tipografia, em poemas como “brIght” ou “D-re-A-mi-N-gl-Y”. McLuhan chegou a falar, aliás, das “caretas tipográficas” de Cumings. E aqui passamos da careta de Cummings ao caricatural do New York Times.
Imperdível ainda, a propósito dessas breves incursões linguísticas e gramaticais, o texto “Domesticando a Língua”, de Eduardo Affonso, publicado no jornal O Globo – que, a seguir, reproduzo na íntegra:
“Está na moda a edição de cartilhas de bons modos linguísticos. A Globo, a HBO, a Associação dos Magistrados de Pernambuco, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul já lançaram as suas. Se antigamente havia manuais ensinando a dizer ‘por favor’, tomar a bênção, pedir licença e não falar palavrão, os de agora deixam de lado as regras de etiqueta e focam nos termos supostamente preconceituosos e ofensivos. Tais como... ‘doméstica’.
A admoestação vem na página 8 da ricamente ilustrada cartilha distribuída pela Fecomércio RS / Sesc / Senac: ‘Domésticas eram as mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das famílias brancas e eram consideradas domesticadas’.
Então ‘doméstica’ é isso? Ingenuamente, confiamos no Aulete (‘Mulher que tem como profissão prestar serviços domésticos em casas de família’), no Aurélio (‘Empregada que executa o serviço doméstico’), no Houaiss (‘Quem, mediante salário, presta serviços ligados à manutenção periódica de um domicílio; que tem apego ou que se devota às obrigações e prazeres do lar’). Laudelino Freire e José Pedro Machado também nos engabelaram ao atestar que doméstico fosse algo concernente à vida íntima ou de família; caseiro, do lar, da mesma terra. É incrível que a acepção racista tenha escapado a tantos estudiosos do idioma – mas não aos justiceiros verbais do século XXI.
Estivemos enganados todo este tempo, achando que ‘doméstica’ vinha do latim ‘domesticus’ – relativo à casa, à família - sem nada a ver com a cor da pele de empregadas e patroas. Culpa, talvez, do Antônio Geraldo Cunha que, em seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, não diz nada sobre mulheres negras escravizadas, e relaciona ‘doméstico’ tão somente a ‘domus’ (casa, morada).
Sempre imaginei que violência doméstica fosse aquela cometida por um membro da família em relação a outro. E jamais me ocorreu que os empregados domésticos – inclusive com carteira assinada e e-Social– estejam se apropriando culturalmente de uma designação exclusiva das mulheres negras.
Como pudemos nos iludir com uma expressão preconceituosa do tipo ‘voo doméstico’, achando que significasse viagem aérea dentro do país? Será que vão pôr abaixo as afrontosas placas de ‘Embarque Doméstico’ nos aeroportos?
E os animais domésticos? Talvez pela carga pejorativa do termo é que tenham passado a ser chamados, de modo mais politicamente correto, de pets.
Não fosse o ‘Programa do Sesc e Senac de Diversidade’, continuaria acreditando que ‘doméstica’, longe de lembrar negras subjugadas por brancos, tivesse a mesma raiz de dona, donzela, domicílio, domínio, condomínio. Que aquele ‘d’ com um pontinho antes de D. Pedro ou de D. Hélder Câmara fosse um sinal de respeito, também ligado a dom, a ‘domus’.
Santa ingenuidade, lexicógrafos e etimólogos!
Pobre da minha mãe, que estudou Economia Doméstica na então Universidade Rural de Minas Gerais (hoje Universidade Federal de Viçosa)! E que sempre se gabou das suas prendas domésticas. Será que vão cancelar o curso quando descobrirem a opressão ali embutida?
Já nos conseguiram impingir que ‘denegrir’ (tingir de preto) tenha a ver com reforço de estereótipos – não com sombras e outras evocações que a escuridão nos traz. Não demora, alguma empresa progressista ou órgão público antifascista nos informará que ‘preterir’ é relegar um preto a segundo plano e que não se deve mais usar nenhum verbo no pretérito, pois isso implica vincular os pretos ao passado, negando-lhes o presente e o futuro.
A luta contra o racismo é justa, urgente e conta com todos os argumentos racionais a seu favor, podendo prescindir do recurso a falsas etimologias, a falácias, delírios e conspiracionismo linguístico. Até para que a causa não caia em descrédito ou vire motivo de chacota.
Recomenda-se moderação ao ler esses manuais bem-intencionados, antes que comecemos a detectar no liquidificador, no ferro de passar, na geladeira um sutil racismo estrutural. Afinal, não seriam objetos escravizados e ligados na tomada - e, por isso, chamados de eletrodomésticos?”.
Agora mesmo, o próprio Museu da Língua Portuguesa emplacou um “todes” (e não um nescaus) no texto do convite para a sua reinauguração. Na verdade, a tendência da turma a converter o museu em casa do identitarismo já vinha de antes: dei um murro na mesa e acabei conseguindo impedir a produção de vários vídeos para o Museu que eram meras festinhas identitárias, sem nada a ver com a língua portuguesa do Brasil. E como a Fundação Roberto Marinho e a equipe do Museu são totalmente colonizados, caindo de quatro diante de qualquer modismo novaiorquino, é capaz de acabarem identitarizando o nome da instituição: Museu da Língue Portuguese... Mas vamos adiante. Para o identitarismo e sua elite midiática, mais importante do que fazer política ou promover alguma agitação cultural pelo menos relativamente significativa, é compor um extenso (e, não raro, abstruso) rol de eufemismos e circunlóquios, a fim de não ofender borboletas, lagartixas, gambás, capivaras, cágados, camaleões, guaxinins, elefantes ou antas eventualmente existentes em nosso entorno. Não são mais os soldadinhos de chumbo de antigamente, mas os soldadinhos do bumbo, batendo tambor para calar críticas e blindar a ideologia que os domina. O grave é que, não raro, ao colocar um determinado vocábulo no index inquisitorial, banindo-o do léxico politicamente correto, os praticantes do eugenismo verbal podem estar simplesmente apagando ou destruindo a experiência sociocultural que se acumulou ali naquela palavra. O projeto totalitário do diversidentitarismo, na verdade, é amplo e sufocante, empobrecendo tudo de uma vez. Trata-se de colonizar a linguagem e o discurso. Mais um capítulo do imperialismo cultural norte-americano em nossa época. O portinglês e o franglais que o digam. Os identitários vivem se autoproclamando adversários irredutíveis do imperialismo e do colonialismo, mas alguém acredita? Nada mais mimético do que esses militantes. Eles são totalmente colonizados pelo trio esquerda-academia-mídia norte-americano. Os Estados Unidos tomaram conta da internet, assentaram os termos da nova doxa planetária e, com isso, fazem suas réplicas locais falar a sua língua, repetir os “ideologemas” que consagrou e fazer o discurso determinado pela matriz.
Não faz tempo, encontrei, no jornal El País, um artigo de Antonio Caño, “Un Proyecto Fallido”, onde se lia: “Que resta do projeto com que se iniciou nossa democracia? Apenas nada nos une. Nem sequer nosso idioma, que parecia até há pouco um valor intangível e neutro, está hoje fora do conflito ideológico. Não digamos nossa história. Não há nada em nosso passado, dos Reis Católicos à Transição, que não tenha sido tergiversado por este adamismo cultural que se impôs. Não tardará o dia em que proponham retirar o nome do Instituto Cervantes para buscar uma figura supostamente mais inclusiva, alguém que represente melhor a todos os idiomas da Espanha, que a cada dia são mais. Nossa principal fonte de conhecimento, a Universidade, está nas mãos de um ministro; com isso, tudo está dito”. É claro que o quadro traçado nos faz pensar em nós mesmos. Espanta que os movimentos negros não tenham ainda cancelado Machado de Assis, com seu elogio da beleza branca. Mas há diferenças. O sistema universitário brasileiro, na área de “humanas”, há muito deixou de ser “fonte de conhecimento”. E não está nas mãos “de um ministro”, mas de militantes diversitários tão ferozes quanto ignorantes, bestalhões boçais que fazem o que querem com reitores e vice-reitores bundões, que fecham os olhos, jogam a toalha, baixam a cabeça e enfiam a língua no próprio rabo.
Escrevi, tempos atrás, que estávamos assistindo à emergência da crença numa nova magia nominalista. Ou ingressando no reino da onipotência do palavreado. Citei, aliás, o caso de um governador baiano que, diante de uma favela violentíssima chamada Invasão das Malvinas pelos seus próprios moradores, rebatizou o lugar como Bairro da Paz e achou que, com isso, tinha resolvido o problema. Foi mais ou menos esse tipo de atitude ou de procedimento que tomou conta do campus e se espalhou pelo ambiente político-cultural norte-americano nas décadas de 1980 e 1990. O combate à cultura estabelecida invadiu o domínio idiomático. As pessoas se dispuseram a agir sobre a língua para mudar o mundo – quando, ao contrário, deveriam se dispor a agir sobre o mundo para mudar a língua. Afinal, como sempre digo, as cores existem não porque tenhamos palavras para elas. É o contrário. Existe um léxico das cores porque, graças ao equipamento ótico luxuoso com que fomos premiados, o mundo humano é colorido. Claro. Roland Barthes falou certa vez que os revolucionários de 1789 falaram em desmantelar tudo, menos a língua francesa. Nenhuma comunidade humana existe sem a sua língua. Ela é a mais fundamental de todas as instituições sociais. E línguas são cosmovisões milenares. A língua possibilita, organiza e estrutura o nosso entendimento do mundo. Ou, por outra, o mundo é visto nos termos de nossas estruturas verbais. Sempre que toco nessas teclas, me repetem o truísmo: tudo muda, as línguas também! Claro que as línguas mudam. Mas uma coisa é a mudança processual ocorrendo, a partir da fala, dentro da lógica da própria língua – a que vai de “vossa mercê” a “você”, por exemplo. Outra coisa é a tentativa instantânea de imposição ideológica, artificial, “desde fora”, de uma partícula ou micropartícula verbal ou de uma justaposição de partículas – como em “amigxs”. Coisas que nem sequer nascem na fala, que é a prática da língua, mas na escrita político-acadêmica, brotando de fórmulas discursivas geradas em tubos de ensaio, no laboratório dos novos ideólogos da língua. Maiakóvski escreveu: “o povo, o inventa-línguas” – e não “o ativista, o inventa-línguas”. A diferença está toda aí.
Reproduzi antes alguns exemplos que Beatriz Macedo deu de pessoas excluídas pela escrita inclusiva. Mas quero aqui, para fechar a argumentação, dizer com todas as letras que isso não é fundamental. Quando a gente se limita a dizer que a linguagem ou escrita inclusiva não deve ser adotada – ou imposta, como querem seus pregadores – porque dificulta as coisas para certos grupos de pessoas, uma implicação emerge de imediato: regras ortográficas e gramaticais também complicam... Logo, a questão central é outra, como bem viu o filósofo Adrien Louis, em artigo recente no Figaro: o que estamos no dever de contestar é a tentativa absurda de querer impor uma determinada instrumentalização ideológica, partidária, da língua. O argumento de Adrien se organiza em torno desse problema. Diz ele que se o caráter desgracioso – le caractere disgracieux – da escrita inclusiva é um fato evidente, isto apenas traduz a “ambição original” do projeto. A disgrâce esthétique “reflete bem fielmente a obsessão moral que aquela escrita quer introduzir em nosso uso da língua e, mais fundamentalmente, em nosso pensamento”. Ou ainda: a disgrâce esthétique traduz uma “intenção exorbitante”, no sentido mesmo de arbitrariedade que ultrapassa a medida justa das coisas, qual seja a de “colocar deliberadamente a língua a serviço de uma certa moral” – ou de “introduzir a pureza moral na textura mais íntima de nosso pensamento”.
E tal “intenção exorbitante” não é dissimulada. Pelo contrário: encontra-se sempre explícita, com toda a clareza, na pregação dos militantes desse projeto de eugenismo verbal. A partir do seguinte raciocínio: desde que a língua é sempre um embrigadement (palavra que significa alistamento, recrutamento, mas também aliciamento e até doutrinação), o dever primeiro de nossa civilização não é liberar os espíritos, mas simplesmente prendê-los ao porto da “boa ideologia”. Bem. Adrien considera corretamente que a luta contra as discriminações e pela vitória da igualdade é a mais legítima de todas as lutas. “Em nome de uma causa assim sagrada, nenhum sacrifício nos parece muito grande”, escreve ele, mas para acrescentar que é preciso medir bem o sacrifício em jogo. No caso, o que se quer sacrificar não é meramente a beleza ou a legibilidade desta ou daquela língua, mas a espécie de liberdade que permite que o pensamento respire e floresça. Vale dizer – e este é realmente o ponto essencial –, o que os militantes da linguagem ou escrita inclusiva querem é “o sacrifício de uma palavra livre, em proveito de um pensamento constantemente vigiado”.
Prezado escritor e amigo, cumprimento-o pelo texto esclarecedor e comprometido com a defesa da Liberdade. A conclusão -" Vale dizer – e este é realmente o ponto essencial –, o que os militantes da linguagem ou escrita inclusiva querem é 'o sacrifício de uma palavra livre, em proveito de um pensamento constantemente vigiado'” - é elucidativa.
Parabéns!
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