23 Agosto 2022
Tentativas de impedir mulheres de exercerem direitos políticos e suas funções públicas é crime previsto no Código Eleitor.
A reportagem é de Duda Romagna, publicada por Sul21, 20-08-2022.
A Lei Nº 14.192, de 4 de agosto de 2021 estabelece normas para reprimir e combater a violência política de gênero, ou seja, qualquer tentativa de impedir as mulheres de exercerem seus direitos políticos e suas funções públicas. Como previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral, alterado pela lei de 2021, é crime assediar ou ameaçar, por qualquer meio, candidatas ou políticas em cargos eletivos, com menosprezo ou discriminação em relação a seu gênero, cor, raça ou etnia.
Para Maíra Kubík Mano, professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a aprovação da legislação significa um reconhecimento do problema que é preciso enfrentar. Ela cita o caso de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, mulher negra, mãe, bissexual e moradora da Favela da Maré, assassinada em 2018, como um dos exemplos mais extremos dessa violência.
“Infelizmente, até hoje não sabemos quem mandou matar Marielle e nem o porquê. O assassinato dela é símbolo não só da violência política de gênero, mas também contra negros e LGBTQIAs. Marielle corporificava a imbricação das opressões. Nos casos mais recentes, também vemos maior incidência de ataques contra mulheres negras e trans, o que demonstra essa combinação de machismo, racismo e LGBTfobia”, explica.
Segundo o Relatório 2020/2021 da Força Tarefa de Combate aos Feminicídios do Rio Grande do Sul, foram notificados casos de violência nos municípios de Sapiranga, Bagé, Caxias do Sul, Torres, Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, Santana do Livramento, Venâncio Aires, São Borja, Santa Maria e Porto Alegre. O relatório destaca o caso de Caxias do Sul, em 2021, quando as vereadoras Denise Pessoa e Estela Balardin (PT) sofreram ameaças de morte após se oporem a um requerimento que tinha como objetivo regulamentar o porte de armas dentro da Câmara.
Em 1º de setembro do ano passado, em meio a uma sessão da Câmara Municipal de Porto Alegre, a vereadora Bruna Rodrigues (PCdoB) denunciou que foi vítima de assédio por parte do vereador Alexandre Bobadra (na época no PSL, hoje no PL) . “Acabei de ouvir do vereador Alexandre Bobadra que tenho ‘tesão’ nele, uma típica demonstração do machismo que nós mulheres somos submetidas”. A vereadora também disse que, durante uma reunião de líderes de bancadas, o vereador a interrompeu seguidamente, não a deixando falar. Em março deste ano, a delegada de polícia Alicia Jantsch Fernandes, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher do Rio Grande do Sul, determinou o indiciamento do vereador.
“Não é uma opção feliz se manter na política, mas um ato de resistência, de demonstração da importância da luta e da discussão sobre pautas como essa. As mulheres se afastam da política e quem é preta ainda tem a soma do racismo. Nem nas minhas piores projeções eu imaginava que seria tão difícil”, diz Bruna. “É óbvio que penso em desistir todos os dias e é a importância de mostrar que dá para seguir que nos mantém aqui. Agora não é feliz, eu não vou mentir, a política comigo é muito violenta”, completa.
Em um intervalo de 15 dias antes do período eleitoral brasileiro, pelo menos quatro casos de violência política de gênero vieram à tona nas redes sociais. No dia 1º de agosto, Manuela d’Ávila (PCdoB), ex-deputada federal, expôs em seu perfil ameaças de morte contra ela, sua filha de 6 anos e sua mãe. Em maio, a ex-parlamentar gaúcha anunciou que não concorreria a cargo eletivo nas eleições deste ano.
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Em entrevista à Folha de S. Paulo, Manuela declarou que as ameaças sofridas por ela e sua família há pelo menos sete anos impactam todas as suas decisões políticas. Atualmente, ela trabalha nos bastidores, na coordenação da campanha de Alexandre Kalil (PSD), candidato ao governo de Minas Gerais.
Também no dia 1º de agosto, Duda Salabert (PDT), mulher trans vereadora de Belo Horizonte e candidata à deputada federal, divulgou uma mensagem enviada a ela, em 28 de julho, com teor transfóbico e com ameaças de morte contra ela e sua família. Assinada com os números “14/88”, uma alusão ao símbolo nazista.
Na última quarta-feira (17), seu gabinete recebeu cartas com ameaças e símbolos nazistas. O conteúdo foi escrito em páginas de jornais com matérias sobre a varíola dos macacos e associando a doença à comunidade LGBTQIA+. Duda declarou que fará toda sua campanha com carros blindados, colete à prova de balas e escolta.
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No dia 09 deste mês, Erika Hilton (PSOL), vereadora de São Paulo, e Natasha Ferreira (PSOL), suplente na Câmara Municipal de Porto Alegre, ambas travestis e candidatas à Câmara de Deputados, denunciaram o presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Ministério Público (MP) após falas homofóbicas no Flow podcast, onde associou a varíola dos macacos à homossexualidade.
Dois dias após as denúncias, os vereadores de Porto Alegre, Matheus Gomes e Karen Santos (PSOL), e a deputada estadual de São Paulo, Erica Malunguinho (PSOL), receberam um e-mail. O texto anônimo ameaçava as vereadoras de esquartejamento e exigia que as parlamentares abandonassem a vida pública, com comentários transfóbicos, se dirigindo às vereadoras no masculino, e chamando a varíola dos macacos de “peste gay”.
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Para Natasha, a transfobia contra pessoas em posição de poder, como ela e Erika, demonstra também o dia a dia dessas pessoas, mesmo fora de cargos públicos. “Pra quem é uma pessoa trans, seja homem ou mulher trans ou travesti, a gente já vive com medo. O Brasil é o país que mais mata por ódio pessoas transsexuais e pessoas travestis. Não é viver, mas sobreviver, o Estado existe, mas não é para nós.”
Apesar de ser uma tarefa difícil, Natasha não pretende desistir de tomar seu espaço na política. “Enquanto for somente a mim, eu acho que pode acontecer pelo simples fato de eu ser uma mulher travesti. É um preço a se pagar para romper com essa lógica, para que daqui alguns anos outras mulheres trans e pessoas LGBTs candidatas tenham a seguridade de poder disputar as eleições com saúde mental em dia, sem ameaças e esse clima bélico.”
Em 15 de agosto, a deputada estadual e candidata à Câmara Juliana Brizola (PDT) denunciou imagens explícitas e mensagens de cunho sexual que recebeu em suas redes sociais. Em fevereiro deste ano, ela já havia recebido ameaças de morte por e-mail após pedir vistas de uma proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). As ameaças também foram direcionadas à sua família. “Disse que sabia onde eu morava e que era bom eu me cuidar, que sabia onde os meus filhos estudavam. Eles ultrapassam o próprio limite da parlamentar, é muito covarde”, declara.
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Juliana relembra sua gravidez, em 2011, quando não havia licença maternidade para as mulheres da Assembleia Legislativa. Maíra Kubík define essa violência como institucional. “A política institucional é um lugar que expulsa as mulheres, seja pela dificuldade em ingressar; pelo tempo restrito, em função da divisão sexual do trabalho, até conseguir ter a candidatura registrada e priorizada pelo partido; seja pela dificuldade em permanecer nos espaços depois de eleita.”
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‘Penso em desistir todos os dias’: Violência política de gênero se agrava em período eleitoral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU