27 Julho 2022
Ele queria a todo custo estar aqui, pela primeira vez o Papa Francisco em solo canadense para um mea culpa perante os aborígenes das populações Primeiras Nações, Métis e Inuit. Cerca de 70 quilômetros ao sul da cidade de Edmonton, na área de Maskwacis, no Alberta central – as "colinas dos ursos" em língua cri - enquanto uma fina chuva parece querer acompanhar o caráter "penitencial" de sua 37ª viagem internacional, Bergoglio não usa palavras de mera circunstância: "Peço perdão - afirma com voz fraca - pelas maneiras como, infelizmente, muitos cristãos sustentaram a mentalidade colonizadora das potências que oprimiram os povos indígenas”. Ele pede perdão e ao mesmo tempo o implora "a Deus".
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 26-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
É o primeiro momento solene da viagem de Francisco ao Canadá. Nos prados onde antigamente havia milhares de arbustos de mirtilos que atraíam uma grande população de ursos, Francisco chega a bordo de seu Fiat 500L branco.
Ele é recebido na entrada da igreja dedicada à Nossa Senhora das Sete Dores por alguns anciãos das populações nativas, aquelas mesmas populações que sofreram violências e abusos nas políticas de assimilação cultural que entre os séculos XIX e XX viram entre os protagonistas também a Igreja Católica. Wilton Littlechild, um líder aborígine, dirige-lhe palavras de boas-vindas.
Depois, perante a governadora-geral do Canadá, Mary Simon - ela mesma de mãe Inuit – e o primeiro-ministro Justin Trudeau, o pontífice fala de "indignação" e "vergonha", de "um grito de dor", "um grito sufocado que me acompanhou nestes meses”. E cita o escritor sobrevivente do Holocausto Elie Wiesel: é correto lembrar, porque o esquecimento leva à indiferença e "o oposto do amor não é o ódio, é a indiferença, o oposto da vida não é a morte, mas a indiferença à vida ou à morte".
Todo o pontificado de Francisco foi conduzido colocando as vítimas de abusos cometidos por membros da Igreja no centro da cena. Em primeiro lugar, as vítimas dos abusos sexuais cometidos por padres pedófilos, escutados pela primeira vez em uma cúpula no Vaticano, agora os aborígenes canadenses a quem o Papa deu a palavra fora dos Muros Leoninos no começo do ano.
Na ocasião os aborígenes lhe entregaram dois pares de mocassins, sinal do sofrimento sofrido pelas crianças indígenas, especialmente aquelas que nunca mais voltaram para casa das escolas residenciais.
O Papa recorda: “Pediram-me que devolvesse os mocassins assim que chegasse ao Canadá; vou fazê-lo no final destas palavras”. A memória das crianças infunde-lhe "aflição e incita a agir para que cada criança seja tratada com amor, honra e respeito". Mas aqueles mocassins “falam-nos também de um caminho, de um percurso que desejamos fazer juntos. Caminhar juntos, rezar juntos, trabalhar juntos, para que os sofrimentos do passado deem lugar a um futuro de justiça, cura e reconciliação”.
Os prados sem fim nesta região veem desde tempos imemoriais a presença de povos indígenas. E nas últimas décadas das violências que sofreram: “As crianças sofreram abusos físicos e verbais, psicológicos e espirituais”, lembrou Francisco. “Foram tiradas de sua casa quando eram pequenas” e isso marcou “de forma indelével a relação entre pais e filhos, avós e netos”. Trata-se, explica o Papa, "de uma memória sangrenta", de uma terra que "guarda as cicatrizes de feridas ainda abertas". E ainda: "O que a fé cristã nos diz é que foi um erro devastador, incompatível com o Evangelho de Jesus Cristo". Por isso “a Igreja se ajoelha diante de Deus e pede perdão pelos pecados de seus filhos” e o Papa “pede humildemente perdão”.
Um carrinho de golfe leva o Papa ao cemitério. Várias cruzes estão fincadas na grama de um grande prado. Sons de tambores o acompanham. Francisco faz uma pausa para uma oração silenciosa sentado em sua cadeira de rodas. "Deixemos que o silêncio nos ajude a internalizar a dor", diz ele.
"Silêncio. E oração: diante do mal, oremos ao Senhor do bem; diante da morte rezemos ao Deus da vida. Nossos esforços não são suficientes para curar e reconciliar, precisamos de sua Graça”.
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Canadá. O mea culpa de Francisco nas sepulturas dos indígenas: “Igreja cúmplice de abusos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU