08 Julho 2022
"Como a Igreja poderá enfrentar seu entardecer, imaginando o cristianismo do futuro com estruturas, lógicas e processos teológicos ligados a uma manhã que já foi superada?", questiona Roberto Oliva, padre da Diocese de San Marco Argentano, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 07-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No capítulo XXV de Os Noivos, a intensa conversa entre o cardeal Borromeo e Dom Abbondio traz à tona as peculiaridades da lógica pusilânime de um determinado sistema eclesiástico que vê na fé cristã uma opção cômoda e neutra mais que enraizada na força revolucionária do Evangelho.
De fato, no final da conversa narrada por Manzoni, falando consigo mesmo, Dom Abbondio exclama: “A coragem, ninguém pode dá-la para si.” A provocante pergunta do card. Martini ("Por que a Igreja não se sacode? Temos medo? Medo em vez de coragem?"), e retomada neste portal por Francesco Cosentino, lembra basicamente a tentação de Dom Abbondio.
O medo esconde uma forma introvertida da Igreja, que lentamente a leva a prestar serviços religiosos sem propor a opção messiânica de Cristo.
O medo que denunciava o cardeal Martini, portanto, pode ser reconduzido a uma Igreja sem Evangelho, a "um cristianismo sem Páscoa" (Papa Francisco, Homilia na Noite de Páscoa de 2022).
A Igreja do futuro é chamada a reencontrar a coragem na força do Evangelho: o único critério de discernimento capaz de traçar os caminhos de um cristianismo que sai do regime da cristandade para habitar de modo novo diferentes culturas e contextos sociais.
Uma comunidade eclesial que quisesse evitar o processo de recepção do Concílio Vaticano II correria o risco de naufragar, pois “foi uma atualização, uma releitura do Evangelho na perspectiva da cultura contemporânea. Produziu um irreversível movimento de renovação que vem do Evangelho” (Papa Francisco, Ao Grão-Chanceler da PUCA, 3 de março de 2015).
Não foi por acaso que durante a assembleia conciliar o livro dos Evangelhos foi colocado no centro da Basílica de São Pedro: toda reforma eclesial exige uma hermenêutica atualizada do Evangelho, questionada pelos sinais dos tempos que as culturas expressam em múltiplas linguagens e estilos. Os apelos da Igreja no futuro interceptados por F. Cosentino exigem, em minha opinião, uma recepção criativa do Vaticano II em chave relacional segundo dois pressupostos fundamentais.
Um dos objetivos mais preciosos do Vaticano II foi a recuperação da dimensão vocacional de todo o povo de Deus através da explicitação dos carismas e dos ministérios (LG 7.12.30). O pressuposto de um ministério verdadeiramente inclusivo é uma cultura vocacional que "desenvolva uma atenção ao itinerário ou ao carisma próprio, não só de cada cristão, mas também daqueles, homens e mulheres, que se encontram cotidianamente, crentes ou não" (C. Theobald, Vocação ?!, 93).
Uma Igreja totalmente ministerial requer um exercício contínuo de discernimento pessoal e comunitário, para que se deixe surpreender "por essas presenças 'carismáticas' tão ricas em potencial criativo" (C. Theobald, 94), e ao mesmo tempo exige uma renovada orientação da pastoral vocacional com os respectivos processos e locais de formação. A organização dos contextos destinados à formação dos futuros ministros ordenados (seminários e casas religiosas) sofre a influência de um modelo tridentino que só foi retocado a partir do Vaticano II.
De fato, não basta esperar e legitimar novas formas de ministerialidade se não se proceder à reforma na comunidade eclesial, "a educação e a formação daqueles que ela escolhe e prepara para o ministério" (T. Halik, Dio oltre i confini visibili, Il Regno / Attualità, 12, 15.06.22). Uma estrutura separada (muitas vezes com uma faculdade teológica anexa), uma espiritualidade quase monástica e uma vida relacional delimitada poderiam talvez favorecer a desclericalização esperada pela conversão pastoral proposta pelo Papa Francisco?
À luz dessas considerações, compreende-se o valor fundamental que deve ser atribuído ao discernimento vocacional no povo de Deus através do cuidado do acompanhamento humano e espiritual: "É minha firme convicção que o ministério do acompanhamento espiritual pessoal será o papel pastoral crucial da Igreja no iminente ‘entardecer’ da história cristã, e aquele mais necessário" (T. Halik, Dio oltre i confini visibili, Il Regno / Attualità, 12, 15.06.22).
A intuição de Halík parece-nos profética num tempo em que se fala do fim da cristandade, pois a Igreja poderá aproveitar a oportunidade para exercer a diaconia da caridade na forma inédita de companheira sábia no discernimento e terna de coração. G. Jung sobre as fases da vida, nos ensina que ela é feita de passagens repentinas e radicais: “É de repente que chegamos ao meio-dia da vida; pior ainda, chegamos armados com as ideias preconcebidas, os ideais, as verdades que tínhamos até então. É impossível viver o entardecer da vida segundo os mesmos cânones da manhã, pois o que era de grande importância então terá pouca importância agora e a verdade da manhã será o equívoco do entardecer.”
Como a Igreja poderá enfrentar seu entardecer, imaginando o cristianismo do futuro com estruturas, lógicas e processos teológicos ligados a uma manhã que já foi superada?
O segundo pressuposto na perspectiva da recepção pós-conciliar diz respeito à consideração das dinâmicas relacionais do poliedro eclesial. São indispensáveis em relação aos processos participativos do futuro eclesial e ao acompanhamento das experiências humanas, conflitos e escândalos.
De fato, o caráter simbólico da sexualidade humana exige uma abordagem integral não só no itinerário dos esposos e dos ministros ordenados, mas em toda a pastoral eclesial à luz de suas dinâmicas relacionais, participativas e de governo. O escândalo dos abusos sexuais por parte dos clérigos destampou o caldeirão fervente: escassa ou parcial formação afetiva e sexual nos seminários e tendência aos abusos de consciência ou de poder às vezes ligados aos sexuais.
A falta de integração da dimensão afetiva no itinerário que leva o candidato a viver o ministério provoca a tendência de preencher com o poder outros vazios emocionais e psicológicos, distorcendo o dinamismo relacional típico dos batizados e das batizadas. A sexualidade líquida de nosso tempo provoca ainda mais a Igreja a valorizar e propor a preciosidade dos laços afetivos e sexuais como um autêntico percurso de humanização responsável e consciente.
Também neste caso se trata de processos de discernimento em que todos os sujeitos eclesiais envolvidos são movidos por uma afetividade livre e madura, capaz de construir e evocar a rede relacional da família de Jesus de Nazaré.
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A igreja do futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU