29 Junho 2022
"É preciso acreditar na utilidade do diálogo para realmente entender o que o outro quer, do que tem medo, a que ele está disponível. Para evitar que a suspeita e a desconfiança de todos em relação a todos se tornem atitudes generalizadas. Caso contrário, a propaganda substituirá o conhecimento e todos ouvirão apenas sua própria bolha, mergulhando em um confronto cada vez mais duro", escreve Agostino Giovagnoli, historiador italiano, professor da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Departamento de Ciências Históricas da mesma instituição, em artigo publicado por Avvenire, 28-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por que não se chega à paz entre a Rússia e a Ucrânia? Há algo muito sombrio na continuação feroz e teimosa do conflito e na propaganda que a proclama inevitável. Uma continuação que não é apenas trágica, mas que também parece irracional. Os custos humanos e econômicos da guerra, de fato, são muito altos e decididamente desproporcionais ao que está em jogo.
Pode parecer brutal dizê-lo, mas é um fato que, com exceção da Rússia e da Ucrânia, para o resto do mundo pouco mudará se no futuro as fronteiras entre os dois países passarem um pouco mais a leste ou um pouco mais a oeste. Deixando de lado - pelo menos por enquanto - o perigo ou a ambição, segundo o ponto de vista, de ver a Ucrânia transformada numa extensão da Rússia, o futuro do mundo não depende do destino da Crimeia ou do Donbass.
Porque então os principais atores da política internacional - os Estados Unidos da América, a China, a União Europeia - se deixaram, pelo menos aparentemente, atolar em uma crise local com resultados trágicos para os contendores e para os pobres do mundo quem sofre as repercussões do conflito?
Por que ninguém está realmente tentando parar esta guerra?
Na realidade, outro jogo muito maior está em andamento sobre o futuro dos equilíbrios mundiais. Inclusive nestas páginas estamos refletindo muito sobre isso. De fato, a guerra russo-ucraniana está inserida em um processo já em andamento, acelerando-o e agravando-o: mesmo que todos neguem que a querem, uma corrida para uma 'nova guerra fria' começou há muito tempo e este conflito está se tornando um teste para verificar pontos de forças e de fraquezas, aliados e inimigos, táticas e estratégias, na lógica de um mundo mais uma vez dividido em áreas contrapostas.
O principal obstáculo ao retorno dos 'blocos' está caindo: os laços de interdependência criados pela globalização. Se, na antiga Guerra Fria, o embate entre os blocos não era apenas político e militar, mas também econômico, depois de 1989 os mercados tornaram-se cada vez mais unificados. Agora, por outro lado, estamos indo para o decoupling ou friendshoring, formas de desglobalização que criarão novos alinhamentos, inclusive econômicos (além disso, empobrecendo a todos, começando pelos países menos desenvolvidos, mas afetando também outros, incluindo a Itália, como ressalta o Governador do Bankitalia Visco).
O caso da Lituânia é emblemático desse jogo maior. Há um ano, Vilnius abriu um escritório comercial com Taiwan. Não com Taipei (definição geográfica), como fizeram todos os outros países ocidentais, mas precisamente com Taiwan (definição política). Isso significa contradizer abertamente o princípio - até agora reconhecido por todos os ocidentais - da One China policy. Aludiu, assim, à 'independência' de Taiwan. A reação de Pequim foi duríssima: rebaixamento da representação diplomática e boicote econômico total. O Ocidente não aceitou bem.
Hoje a própria Lituânia está bloqueando o trânsito de (algumas) mercadorias dentro da Rússia, invocando as sanções contra a guerra. Mas Kaliningrado faz parte do território russo, embora fisicamente separada do resto, e Moscou protesta que, nesses casos, os tratados internacionais garantem a liberdade de comunicação.
Em ambos os casos, Vilnius fez tudo sozinha ou houve algum estímulo? A União Europeia está tentando acalmar o confronto, mas a situação se tornou muito perigosa. E na Lituânia, a Rússia parece encontrar bons argumentos para convencer a China de que existe um paralelo perfeito entre a defesa ocidental da Ucrânia e os avisos de pare de Washington a Pequim para se mantenha longe de Taiwan. Em suma, para puxá-la para o seu lado, apesar do profundo desconforto chinês com esta guerra.
É apenas o exemplo mais recente de um aumento da tensão internacional em que as armas dos exércitos se alternam com aquelas da economia em uma escalada que cava trincheiras cada vez mais profundas.
Diante de tudo isso, o que fazem os governos, as assembleias parlamentares, os partidos políticos e a opinião pública? O debate no Senado italiano teve algo surreal: correto discutir sobre a guerra, mas a questão de enviar armas para o teatro de guerra era decisiva no início e, depois de quatro meses, parar ali significa ignorar que a história está correndo rápido.
Embora os diplomatas comecem a admitir que os problemas estão se tornando complicados demais para serem resolvidos, os encontros do G7 e da OTAN exigem escolhas importantes. E ainda é possível se livrar da inércia e evitar que as distâncias se tornem intransponíveis.
É preciso acreditar na utilidade do diálogo para realmente entender o que o outro quer, do que tem medo, a que ele está disponível. Para evitar que a suspeita e a desconfiança de todos em relação a todos se tornem atitudes generalizadas. Caso contrário, a propaganda substituirá o conhecimento e todos ouvirão apenas sua própria bolha, mergulhando em um confronto cada vez mais duro. Em suma, é preciso voltar a conversar com seriedade, não apenas nas sedes multilaterais ou nos encontros bilaterais de alto nível, mas também em contatos informais, reservados e presenciais. E que todos falem com todos, mas realmente com todos.
Devemos isso não só a nós mesmos, mas também às gerações vindouras.
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Obstinar-se a quê? Evitar a divisão do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU