27 Junho 2022
As regiões do Sahel e do Chifre da África enfrentam uma crise histórica marcada pela insegurança alimentar e pela falta de acesso à água potável. Tudo isso, alertam as ONGs, pode levar a uma explosão de conflitos armados e sociais no Sul Global.
A reportagem é de Alexandre Tena, publicada por Público, 24-06-2022. A tradução é do Cepat.
O mundo está prestes a enfrentar uma crise alimentar sem precedentes. No mês de janeiro, o índice de preços de alimentos da FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, bateu recordes históricos e, de lá para cá, a situação não melhorou. Pelo contrário. A guerra na Ucrânia – um dos principais produtores agrícolas do mundo – agravou a situação de fome e de falta de alimentos, levando grande parte do Sul Global a uma fome que já atinge 49 milhões de pessoas, segundo um novo relatório da Oxfam Intermón, Unicef, Ação Contra a Fome e Save The Children. Além disso, pelo menos 181 milhões de pessoas estão em risco de extrema vulnerabilidade.
A invasão da Ucrânia, no entanto, não é a única causa desta crise alimentar, mas um elemento a mais acrescido a uma crise climática que vem limitando as colheitas há meses e gerando problemas de escassez; ao aumento dos preços dos combustíveis no ano passado; e aos problemas econômicos derivados da pandemia.
De uma forma ou de outra, essa crise afeta todo o planeta, mas há pontos em que o drama se desenrola com força e na forma de uma crise humanitária. É o caso do Sahel, onde nesta altura do ano se estima que existam 38 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, atingindo um máximo histórico sem precedentes. No Chifre da África, onde se localizam o Quênia, a Etiópia e a Somália, os números são igualmente alarmantes, enquanto se estima que cerca de 23 milhões de pessoas estejam em situação de fome extrema e com o problema adicional de uma seca sem precedentes que esgotou as fontes de água.
Nesta situação, são os menores de idade que ficam em situação de maior vulnerabilidade, pois há 13,6 milhões de meninos e meninas que sofrem de desnutrição devido a esta crise global, todos eles localizados no continente africano, segundo dados do relatório. Além disso, as mulheres sofrem com a dupla limitação de serem mulheres e representarem a maioria da força de trabalho agrícola.
Se o conflito na Ucrânia persistir, a situação pode se agravar ainda mais, alertam as organizações, que exigem um orçamento maior para ajuda humanitária por parte da Europa. Tanto a Rússia quanto o país ucraniano são dois dos maiores produtores e exportadores de trigo e produtos agrícolas do planeta, e pelo menos 14 países de baixa renda estavam comprando deles 50% de seus suprimentos, segundo dados coletados pelo relatório.
Não sem consequências, há Estados que são totalmente dependentes desses dois países e que agora sofrem as consequências do bloqueio sofrido pelas rotas comerciais. A Eritreia, por exemplo, importou em 2021 100% do seu trigo da Rússia, Ucrânia e Iêmen. A Somália, que já estava entrando em uma grande crise alimentar em 2021, importou 92% de seus grãos de Kiev e de Moscou antes do início da guerra no norte da Europa. Somam-se a esse contexto os altos preços da energia, que dificultarão o uso de maquinário para a colheita, e o alto custo dos fertilizantes – a Ucrânia é um dos principais produtores –, o que reduzirá o rendimento das terras agrícolas.
No médio prazo, esse coquetel pode eclodir na forma de conflitos armados e revoltas sociais, alerta a publicação da ONG, que lembra como a última crise alimentar de 2008 acabou desembocando, anos depois, na Primavera Árabe e numa crise social que atingiu cerca de 60 países em desenvolvimento. A violência, aliás, já está trazendo consigo o deslocamento forçado de milhões de pessoas e pode intensificar os fluxos migratórios ligados à crise climática.
Os autores do relatório, no entanto, lembram que “o mundo produz alimentos suficientes” e assinalam que a fome é resultado da “falta de ação política que restringe o acesso das pessoas à alimentação adequada”.
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África. A guerra na Ucrânia soma-se à crise climática e à pandemia e deixa 49 milhões de pessoas em risco de fome - Instituto Humanitas Unisinos - IHU