07 Junho 2022
Acredita-se que, no acordo entre o Vaticano e Pequim sobre a nomeação dos bispos, assinado em 2018 – que foi renovado em 2020 e expirará em outubro próximo –, haja uma cláusula que proíbe a Santa Sé de criar barretes vermelhos na China.
Na Rússia, Stanislav Stremidlovskij, analista de geopolítica, especialista em assuntos religiosos, muito atento às relações exteriores da Santa Sé, aliás muito próximo do Kremlin, revela e ressalta em um artigo recente para a revista Regnum (“Geopolítica do Vaticano: por que a Mongólia foi honrada com a criação de um cardeal próprio?”) diferentes olhares que ajudam a entender o estado atual das relações entre Moscou e o Vaticano.
O artigo foi traduzido do original russo e publicado em italiano por Il Sismografo, 05-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Até pouco tempo atrás, a Mongólia raramente aparecia nas páginas das publicações católicas. Mas, depois que o Papa Francisco anunciou a sua intenção de elevar 21 presbíteros ao cargo cardinalício no dia 27 de agosto deste ano, muitos se interessaram pelo nome do bispo Giorgio Marengo [nascido na Itália e bispo desde 2 de abril de 2020], incluído nessa lista. A questão nem é que esse bispo, de 47 anos, se tornará o cardeal mais jovem do atual Colégio, mas sim o fato de ele ser o prefeito apostólico de Ulan Bator e de dirigir há 20 anos a comunidade católica na Mongólia.
Ulan Bator, na Mongólia, entre China e Rússia (Fonte: Wikimedia Commons)
O catolicismo na sociedade mongol se fez sentir pela primeira vez no século XIII durante o Império Mongol. A Mongólia foi ocupada pelos franciscanos. Assim, Giovanni Carpini em 1246 visitou Saray em uma missão diplomática, na qual se encontrou com Khan Batu. Em 1253, Guglielmo de Rubruk embarcou em uma viagem aos territórios mongóis, depois da qual escreveu um tratado, “Viagem aos Países do Leste”, e compilou um mapa de viagem.
Em 1289, Giovanni Montecorvino, em nome do Papa Nicolau IV – o primeiro papa franciscano da história da Igreja Católica [Girolamo Masci, 1227-1292] –, foi à China para pregar o cristianismo. Em 1294, estabeleceu-se em Pequim, onde cinco anos depois construiu a primeira igreja católica do Império Mongol.
Com o declínio da dinastia Yuan em 1368, a missão católica na China e no interior da Mongólia deixou de existir. A sua reanimação ocorreu após a Guerra do Ópio, em meados do século XIX, mas, nos anos 1920, após a instauração do poder comunista na Mongólia, tudo ficou novamente congelado.
Outro retorno do catolicismo ao país ocorreu em 1991.
Atualmente existem no país cerca de 1.300 católicos, distribuídos em quatro paróquias. [Em 2020, ela contava com 1.354 batizados de 3.278.290 habitantes.
Para um país de três milhões de pessoas, isso não é muito. É bastante incomum que essas comunidades sejam agora lideradas por um cardeal, enquanto muitas sedes católicas antigas e famosas na Europa e nos Estados Unidos, cujos líderes antes recebiam quase automaticamente o barrete vermelho, atualmente não tenham líderes desse alto escalão.
Provavelmente, ela se deve às considerações geopolíticas da Santa Sé e à posição geopolítica da Mongólia, onde a China é bem visível. Isso foi indicado pelo portal católico UCA News, de Hong Kong. “Quando alguém se torna príncipe da Igreja Católica em um país asiático escassamente povoado, prensado entre a China comunista e a Rússia autoritária, isso tem muito a ver com fé e as exigências pastorais, mas as evidentes razões geopolíticas não podem ser ignoradas”, escreve o site, que acompanha a iminente ascensão de Dom Marengo.
Acredita-se que, no acordo entre o Vaticano e Pequim sobre a nomeação dos bispos, assinado em 2018 [que foi renovado em 2020 e expirará em outubro próximo], haja uma cláusula que proíbe a Santa Sé de criar barretes vermelhos na China.
O Vaticano escolheu como seu homem na região o líder católico da Mongólia, país antropologicamente ligado à China. No caso de um confronto entre a China e o Ocidente, o Vaticano poderia usar o cardeal mais jovem da Igreja, residente na Mongólia, como seu “punho”. Mas, no início, ao que parece, o fator mongol se desenvolverá por meio do Cazaquistão.
A ex-república soviética receberá neste ano o Papa Francisco, que recentemente aceitou participar do 7º Congresso das Religiões Mundiais em Astana [hoje Nur-Sultan] em setembro. Há algum tempo, as autoridades cazaques falam da vontade de receber o pontífice. No entanto, o papa falou pela primeira vez da sua disponibilidade a visitar a república apenas em abril deste ano, durante uma videoconferência com o presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, e depois, no fim de maio, foram combinados os detalhes da visita durante as negociações no Vaticano entre o ministro das Relações Exteriores do Cazaquistão, Mukhtar Tleuberdi, e o secretário da Santa Sé para as Relações com os Estados, Dom Paul Gallagher.
As partes também concordaram que o Instituto Cazaque de Estudos Orientais realizará uma “busca nos arquivos do Vaticano por fontes inéditas em latim, primeiras línguas germânicas e escandinavas sobre a relação entre o mundo turco e a Europa, e também estudará materiais de arquivo para recriar a verdadeira história da Horda Dourada”. Até certo ponto, isso também afeta os segredos históricos do Império Mongol.
Outro entrelaçamento é evidenciado pela Conferência dos Bispos da Ásia Central (Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Turcomenistão e Tadjiquistão), instituída em outubro de 2021 por decreto da Congregação para a Evangelização dos Povos, à qual em breve serão integradas a Mongólia e a Afeganistão. A coordenação eclesial dessas Igrejas em um vasto distrito eclesiástico, que coincide com os contornos do Império Mongol e a iminente elevação do prefeito apostólico de Ulan Bator ao posto de cardeal são todos fatos que descrevem uma iniciativa do Vaticano, assim como o seu novo passo no “Grande Jogo da Igreja”, no qual a China é o prêmio principal.
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Os caminhos que levam a Pequim e o cardeal da Mongólia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU