05 Mai 2022
"Se houvesse um pacifismo a ser jogado fora, o papa também seria naturalmente obsoleto, ele que gostaria de ir a Moscou para fazer Putin fazer a paz e para fazer as pazes com Putin".
A opinião é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 04-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O chanceler alemão, Scholz, disse no dia 1º de maio a respeito da guerra em andamento que o pacifismo é “obsoleto”. Mas, se é obsoleto, isso significa que, antes de entrar em obsolescência, ele era válido.
Menos mal que ele ficou obsoleto depois da unificação alemã, porque, se isso tivesse ocorrido antes do Muro de Berlim, este não teria caído, o pacifista Gorbachev não teria dito ao encontro de Krenz, sucessor de Ulbricht, para abri-lo, e o restante da Europa não teria estado tão pronta para aceitar a ideia de uma grande Alemanha, quando muitos líderes europeus, como Andreotti dizia brincando, pensavam que muitas Alemanhas seriam melhores do que uma só, ainda mais se induzida a gastar mais de 2% do PIB em armas militares.
Ainda mais grave é liquidar o “pacifismo” quando há uma trágica incompreensão da natureza última da crise que estamos vivendo e das formas de sair dela. Não estamos falando das pessoas de má-fé, daquelas que querem a guerra ou fazem negócios com as armas, mas sim daquelas que, mesmo com as melhores intenções, nos empurram para a catástrofe com as suas análises e seus posicionamentos.
Se houvesse um pacifismo a ser jogado fora, o papa também seria naturalmente obsoleto, ele que gostaria de ir a Moscou para fazer Putin fazer a paz e para fazer as pazes com Putin.
À espera disso, com centenas de assinaturas de grande valor para as experiências de vida que expressam, foi escrita uma carta ao papa para lhe pedir que envie, enquanto isso, uma embaixada de paz à Casa Branca e ao Kremlin, não apenas para parar a guerra, mas também para convencer esses dois poderes a projetarem um mundo no qual todos possam coexistir em paz.
Qual é a relação entre as duas hipóteses de intervenção, aquela à qual o próprio papa se declara pronto e aquela que lhe foi sugerida pelo movimento de base?
O problema é que existem dois níveis da crise; para sair dela, é preciso responder a ambos.
Há o problema humanitário. A missão do papa em Moscou seria – e esperamos poder dizer “será” – uma missão humanitária. Como ele disse de si mesmo e do Patriarca Kirill, “nós não somos clérigos de Estado”, somos pastores de povos, não podemos e nem seríamos capazes de oferecer soluções políticas.
Mas aqui o problema não é simplesmente um problema humanitário, que todos achamos unânime; o problema também não é dividir, mais ou menos salomonicamente, os erros e as razões entre uns e outros. Se a horrível sentença do general von Clausewitz fosse verdadeira, a guerra seria a continuação da política por outros meios, e, se a tese de Carl Schmitt fosse verdadeira, a política seria o acerto de contas entre amigo e inimigo.
Mas, se essas teses são assumidas como verdadeiras (e é precisamente esse delírio que parece ser de domínio comum hoje), também é preciso reconhecer também que o problema de sair dessa guerra não é apenas humanitário, nem de decidir sentenças e penas, mas é um problema político.
Tanto Washington quanto Moscou poderiam se ofender se apenas o problema humanitário fosse levantado, como se eles não fossem humanos, e se apelássemos apenas ao bom coração, como se fosse evidente que o coração deles é de pedra. Nesse caso, não haveria nada a ser feito.
Mas, se o problema é político, ele pode ser identificado e resolvido. Seria possível, então, reconhecer que, sendo a Otan uma aliança defensiva e não ofensiva, o plano há muito tempo perseguido e implementado para expandi-la para Leste até cercar a Rússia foi ditado pela necessidade de defender da Rússia as nações localizadas em sua fronteira ocidental.
Por outro lado, seria possível reconhecer que o problema político de Moscou era o de se sentir ameaçada pelo “latido da Otan às portas da Rússia”, como disse o papa, e de querer salvaguardar a língua e a própria vida (como se viu em Odessa) das pessoas de tradição russa nos territórios ucranianos do Donbass.
Mas esses são problemas políticos muito fáceis de se resolver entre interlocutores até mesmo de inteligência mediana e de capacidade política normal, como é normal quando se trata dos responsáveis dos povos. Por que não intercambiar as suas respectivas seguranças?
Isso, naturalmente, se o problema político não for o de pretender o domínio do mundo ou de imprimir a própria marca sobre toda a terra, hipótese que, porém, neste ponto da civilização e do direito, não pode sequer ser levada em consideração.
Além disso, se Merkel atuasse como catalisadora entre os dois protagonistas para fazer os seus projetos sobre a ordem mundial confluírem em um desígnio comum, ficaria claro que, para inspirar tal desígnio, não poderia ser evocada, nem mesmo na polêmica mais acalorada, a sombra, bem conhecida por ela, de Hitler.
Esse é o sentido da carta ao papa, quando ele mostra que quer fazer todo o possível para estabelecer a paz. Hoje, cabe aos responsáveis pelas nações, apoiados pela assembleia ideal de todos os habitantes da Terra, lançar as bases de uma ordem mundial que encerre definitivamente a era do internacionalismo selvagem dos Estados, de um mundo dividido entre os donos de tudo, de uma história que vai de Vestfália a Campoformio, Versalhes e Yalta, para instaurar uma ordem multipolar, comunitária e constitucional dos povos, que garanta os direitos fundamentais e liberte os oprimidos.
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Pacifismo obsoleto? Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU