04 Mai 2022
"Fica demonstrado que por trás das cadeias de suprimentos é possível esconder tudo. Se o governo brasileiro não controla o desmatamento para criação de bois, nem o governo dos Estados Unidos nem os consumidores americanos sabem da origem do bife que consomem", escreve José Rodrigues Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba e ex-pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard (USA), em artigo publicado por seu blog.
Reportagem desta semana no Jornal Washington Post mostrou como a Floresta Amazônica está sendo devorada com a força do boi e do bife, com a cumplicidade do Estados Unidos. Para o Jornal, se a Amazônia vai morrer, é o bife que a matará.
Enquanto os americanos são os maiores consumidores de bife do mundo, a imprensa brasileira noticiou esta semana que a classe média brasileira não tem mais condições de comer bife, mudando os hábitos alimentares para comer fígado, frango e ovo. Os mais pobres têm que se contentar com montanhas de arroz e ovo.
Já se sabe que o maior escândalo do mundo no momento é a fome e a insegurança alimentar do povo brasileiro, num país considerado o segundo maior produtor de alimentos do mundo. Diante disto, nosso modelo de agronegócios por corporações nacionais e internacionais é perverso e não traz nenhum desenvolvimento para o país, além da busca de riquezas numa das regiões mais ricas do planeta. Estamos vendo uma região sendo devorada num ambiente de corrupção, crimes e ganancias.
Sabemos como começou o desenvolvimento da Amazônia na época da ditadura militar, com a construção da Transamazônica, com o propósito de habitar a região e aumentar o rebanho bovino. A literatura mostra que no ano de 1960, pouca gente da região tinha visto um boi, a não ser os búfalos da Ilha de Marajó. O rebanho bovino hoje na região deve se aproximar da população brasileira. Assim sendo, o poder do boi na região é reconhecido.
No governo petista se faz um dos maiores financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para, com recursos públicos, se criar a maior empresa de bife do mundo - JBS. Ainda hoje não se conhece uma análise de custos e benefícios do uso de recursos públicos para tal propósito, a não ser mostrar a expansão de um agronegócio insustentável no país, com financiamentos públicos a grandes frigoríficos.
No governo Bolsonaro a devastação parece ser maior, com o agronegócio nacional e internacional acumulando riqueza às custas da biodiversidade. Os investidores do boi têm conseguido mudanças da legislação para evitar medidas de proteção ambiental e outros programas contra o trabalho forçado. O poder do boi expandiu o trabalho escravo no país. Vale registrar ainda as grandes queimadas na região no atual governo.
Depois de analisar milhares de cargas, faturas e imagens de satélites das fazendas de gado, o Jornal Washington Post identificou que a JBS ainda não se separou das ligações com o desmatamento ilegal. A destruição da floresta é escondida por trás de uma longa e sofisticada cadeia de suprimentos, que se conecta diretamente com fazendas desmatadas ilegalmente e outras acusadas de infrações ambientais até às fábricas autorizadas pelo governo dos Estados Unidos para exportar bife. Diversos fazendeiros a quem a JBS comprou bois eram reconhecidos e denunciados por autoridades por estarem entre os mais destrutivos atores na região, responsáveis pelo desmatamento ilegal. Pelas imagens de satélites, todos violando a lei brasileira.
Apesar de sua defesa de preservação da Amazônia, o Presidente Biden não parece ter poder para mudar a legislação e influenciar as agencias que inspecionam o serviço de compra e exportação de bife para os Estados Unidos. Para estas agências, eles não determinam se os bois são de origem de áreas que estão sendo desmatadas. Para o IBAMA, o controle ambiental da cadeia de suprimentos de bife deveria ser rigoroso e esta discussão vem sendo feita há mais de 30 anos, mas nada acontece. Estranho.
Fica demonstrado que por trás das cadeias de suprimentos é possível esconder tudo. Se o governo brasileiro não controla o desmatamento para criação de bois, nem o governo dos Estados Unidos nem os consumidores americanos sabem da origem do bife que consomem. Uma vez que o bife importado passa pelo serviço de inspeção americana, todas as etiquetas que identificam a sua origem são removidas, sendo a partir daí vendido como se fosse um produto doméstico.
Por sua vez, os vendedores de bife não são obrigados a informar aos consumidores a origem do produto, sendo protegidos por lei. Quando o Washington Post perguntou a 16 cadeias de vendas de bife nos Estados Unidos se eles vendiam o bife da JBS do Brasil, apenas duas responderam que sim, mas em pequena quantidade. A JBS também não respondeu a quem vende bife nos Estados Unidos. Com certeza, muitos americanos boicotavam o bife da JBS, oriundo do Brasil.
Está aí um resumo da destruição de uma das regiões mais ricas do mundo, explorada por gananciosos, sem nenhuma contribuição para o desenvolvimento social do país. Tudo isto acontecendo com a ajuda do atual governo e governos anteriores. Como no Brasil "os crimes de Estado são respaldados pela burguesia”, nada acontecerá a não ser a nossa tristeza em ver uma região e uma sociedade destruídas pela ganância, poluição e mortes e pelas monstruosas desigualdades sociais.
O boi do futuro e o bife fazem parte da ideologia perversa de país do futuro, onde se destrói o passado e tudo o que se tem de precioso, em benefício de uma elite perversa, de esquerda ou direita. Para debochar de nosso país, ainda existem aqueles que nos insultam tentando vender McPicanha sem picanha. Neste país do futuro e do boi do futuro, onde a grande maioria não pode comer mais um pedaço de bife, não merecemos tamanho deboche e insulto. A fraude e a lavagem da picanha ou bife são crimes brutais imperdoáveis contra os consumidores e a sociedade brasileira.
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Do Boi do Futuro e do Bife à Fome e Destruição da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU