02 Mai 2022
"Dos antigos romanos dizia-se: ‘Ubi solitudinem faciunt, pacem appellant’, primeiro fazem o deserto e depois o chamam de paz! As guerras mostram-nos precisamente esta triste verdade: a ‘paz’ a que conduzem é a do deserto, ou melhor, ousaria dizer, a paz do cemitério, porque construído sobre os escombros de tantas destruições, sobretudo de vidas humanas, que na maioria são de crianças, mulheres, idosos e tantas outras pessoas inocentes. Portanto, não se pode chegar à paz através das armas, pelo contrário, ela só pode ser alcançada com o abandono das armas".
A opinião é do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, em entrevista concedida a Domenico Agasso e publicada por La Stampa, 30-04-2022.
Cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, há quem diga que o Papa seja um dos poucos líderes, senão o único, que busca a paz verdadeira, e não "disfarçada" de trégua "poluída" pelo rearmamento global: é possível chegar à paz através das armas?
Dos antigos romanos dizia-se: ‘Ubi solitudinem faciunt, pacem appellant’, primeiro fazem o deserto e depois o chamam de paz! As guerras mostram-nos precisamente esta triste verdade: a ‘paz’ a que conduzem é a do deserto, ou melhor, ousaria dizer, a paz do cemitério, porque construído sobre os escombros de tantas destruições, sobretudo de vidas humanas, que na maioria são de crianças, mulheres, idosos e tantas outras pessoas inocentes. Portanto, não se pode chegar à paz através das armas, pelo contrário, ela só pode ser alcançada com o abandono das armas. Infelizmente, a disponibilidade para a resolução pacífica de conflitos é muitas vezes inversamente proporcional à força militar disponível.
Como avalia o papel das religiões? E a posição que o Patriarca Kirill assumiu?
As posições públicas assumidas pelo Conselho das Igrejas e Organizações Religiosas da Ucrânia demonstram a total sintonia entre os líderes religiosos do país ao formular a condenação contra a agressão militar sofrida pela Ucrânia e ao expressar a proximidade com a população, solicitando também ajuda militar para fins de defesa. Quanto ao Patriarca Kirill, permito-me apenas citar as palavras que o Santo Padre lhe dedicou na mensagem de Páscoa Urbi et Orbi: "Caro irmão, que o Espírito Santo transforme nossos corações e nos faça verdadeiros agentes da paz".
Pode uma guerra ser justificada com a Palavra de Deus?
Toda guerra, como ato de agressão, é uma ação contra a vida humana e, portanto, é uma ação sacrílega. Consequentemente, nenhuma justificação pode ser encontrada na Palavra de Deus, que é sempre palavra de vida, não de morte.
A questão subjacente do conflito diz respeito às relações entre a Rússia e a Igreja de Moscou junto (contra) o Ocidente, como reivindicado na própria Igreja de Moscou? Ou seja, um dos principais problemas é aquele alegado da decadência das democracias liberais ocidentais que andaria de mãos dadas com a secularização?
É inegável que o mundo atual está tentando promover uma antropologia que se distancia da visão cristã e se reflete nos “Novos direitos”, fundados em uma abordagem exclusivamente individualista. A própria Igreja Católica reconhece o grave risco que isso representa para a defesa e a promoção da dignidade humana e não pode deixar de se preocupar com isso. No entanto, a forma de combater este fenômeno por parte dos cristãos nunca pode ser violenta, e muito menos armada, mas deve inspirar-se no que o próprio Jesus ensinou, uma proposta cada vez mais credível da verdade evangélica sobre o mundo, sobre o homem e sobre Deus.
Qual é a atividade diplomática da Santa Sé?
O compromisso de restaurar a paz na Ucrânia continua, em todos os níveis. Continua disponível para facilitar quaisquer negociações entre as partes que possam pôr fim à agressão militar e proteger a vida dos civis que se encontram nas zonas de combate, inclusive por meio de corredores humanitários. As palavras-chave para a Santa Sé são: respeito pela vida humana e disponibilidade para negociar.
A organização do encontro entre Francisco e Kirill foi interrompida...
A preparação chegou a um bom ponto. No entanto, como o próprio Santo Padre tornou público na entrevista ao La Nación em 22 de abril, no final foi considerado apropriado cancelá-lo, porque poderia criar muita confusão. Imagino que enquanto a situação atual não tiver desenvolvimentos positivos, continuará suspenso.
A hipótese da viagem do Papa a Kiev está sempre "em cima da mesa"? Quais devem ser as condições para que isso aconteça?
O Santo Padre está disposto a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para pôr fim à guerra na Ucrânia e há tempo pondera cuidadosamente as fórmulas possíveis. Portanto, o desejo de realizar uma viagem apostólica à Ucrânia permanece vivo em seu coração, mas sua realização está condicionada pela possibilidade de favorecer uma real melhoria da situação do país. Como ele mesmo explicou, uma viagem não teria sentido se, no dia seguinte, a guerra recomeçasse como antes.
Que sensações teve quando viu as imagens da jovem ucraniana e sua amiga russa carregando a cruz juntas?
A imagem das duas mulheres, Irina e Albina, ucraniana e russa, carregando a cruz juntas na Sexta-feira Santa no Coliseu, durante a Via Sacra presidida pelo Papa, eu percebi – se me permite a expressão - como algo "escandaloso", no sentido paulino do termo, ou seja, como algo humanamente difícil de entender. Foi, ao mesmo tempo, um sinal de esperança. No mistério da cruz encontramos a força do amor e do perdão diante do ódio e da morte. Estes parecem prevalecer, mas a vida e o amor de Deus são mais fortes. A amizade que existia antes da guerra e continua a existir até agora entre aquelas duas mulheres, colegas de trabalho, é mais forte do que a divisão e o ódio. A guerra pretende dividir dois povos, que debaixo da cruz se reconhecem irmãos.
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“A paz não se alcança com armas, as guerras só trazem destruição.” Entrevista com Pietro Parolin, cardeal, secretário de Estado do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU