12 Abril 2022
“Já passou da hora de reexaminarmos o papel da celebração negra na comunidade negra e limpá-la de suas falsas mensagens de ganância e prosperidade para recuperá-la pelo que sempre foi: a voz e as ações de um povo que busca justiça, buscando a libertação, buscando a paz”, escreve Diana L. Hayes, professora emérita de teologia sistemática na Georgetown University, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 09-04-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Como seria uma celebração dominical se fosse feita desde uma perspectiva mulherista? Como seria isso diferente da experiência de celebração dominical que nós compartilhamos hoje, seja protestante, católico, afro-americano, branco ou hispânico?
A teologia mulherista hoje vem de um longo caminho, desde seus começos em resposta ao termo sugerido por Alice Walker “mulherismo”. Isso começa com uma mulher negra e uma mulher de cor explorando o que exatamente significa esse termo e a quem se refere ou a quem não se refere. Era um termo designado apenas para mulheres negras, mulheres de cor ou ambas? Era a teologia e o pensamento mulherista parte ou um ramo da teologia e pensamento feminista ou se sustentava por conta própria?
Hoje, muitas mulheristas, como eu, deixaram a referência de Walker às mulheres negras e se veem simplesmente como mulheristas. Isso é, claro, uma questão de escolha.
Com o passar das décadas, pesquisadoras de teologia mulherista, trabalhando independente de pesquisadoras do pensamento mulherista ou da teologia feminista, construíram uma área da academia que é inovadora, histórica e teologicamente. Hoje, teólogas mulheristas foram além do básico de explorar o que a teologia mulherista é e poderia ser para explorar o novo e as indefinidas áreas da pesquisa teológica que pode servir como disruptiva para novas ideias e compreensões. O novo livro de Lisa Allen, “A Womanist Theology of Worship: Liturgy, Justice, and Communal Righteousness” (“Uma teologia mulherista do culto: justiça litúrgica e comunitária”, em tradução livre), é um trabalho inovador que explora áreas até então não examinadas. É muito esperado, mas muito bem-vindo porque permite que as mulheres negras falem em termos de uma renovação muito necessária de pensamento e ação, não apenas na Igreja historicamente negra, mas em igrejas onde os negros estão presentes, mas não na maioria.
Por décadas, os afro-americanos têm explorado o que significa ser Igreja. Como vivemos nossa compreensão da Igreja em um mundo cada vez mais secular e mais interessado, ou assim parece, em arrecadar dinheiro para os vários projetos de estimação do pastor ou do bispo do que em proclamar a Palavra e ser de Deus de maneiras que curam, alimentam, nutrem, inspiram e criam comunidade? Como nos comprometemos a fazer justiça como parte de nossas liturgias dominicais?
Historicamente, as populações negras das Américas, assim como seus ancestrais da África, acreditaram na compreensão do ubuntu: “Sou porque somos; somos porque sou”. Historicamente, havia um senso de solidariedade em nossos esforços por uma vida, educação e futuro melhores. Parece que perdemos ou corremos o risco de perder aquela autocompreensão crítica que nos permitiu sobreviver à escravidão. Hoje, parecemos mais interessados no que “eu” como indivíduo posso fazer ou alcançar do que em como “nós”, como povo, somos capazes de sobreviver.
Isso não é verdade para a autora. Allen explora a história e o legado do culto negro desde seus primórdios na escravidão até os dias atuais, explorando o que ela descreve como um legado que não podemos esquecer ou perder. As principais Igrejas protestantes estão “lutando pela sobrevivência” hoje, enquanto os paroquianos reclamam que as liturgias dominicais são “chatas, secas, mortas ou estáticas”, escreve Allen. Para entender o que parece estar acontecendo, ela explora essas liturgias, bem como o legado histórico do culto negro ao longo dos séculos. Um grande problema com a maioria, ela observa, é que eles são “baseados em modelos evangélicos de supremacia branca que se concentram na conversão e salvação individual” em vez de uma perspectiva comunitária que inclui todos, dos mais pobres aos mais ricos.
O livro tem dez capítulos e se divide em três partes. “Parte Um: Legado Litúrgico” aborda a importância da liturgia e as raízes africanas da Igreja Negra e as Práticas Litúrgicas Africanas. A Parte Dois explora o desenvolvimento da Liturgia Negra em cinco capítulos, começando com a compreensão da Liturgia Negra e terminando com o Ciclo Sem Fim. A Parte Três reúne todos esses tópicos e temas, com Allen lançando as bases de uma Teologia Litúrgica Mulherista e termina com uma teologia litúrgica mulherista. Esses capítulos revelam sua pesquisa exaustiva, mas focada, para falar com a América Negra sobre sua longa jornada do cativeiro à liberdade e o papel crítico que a liturgia desempenhou ao nos permitir hoje permanecermos fortes e livres, adorando nosso Deus de formas que falam sobre nossas necessidades, como um povo que sustenta uma fé que continua a procurar como ainda dizer “caminhando juntos, crianças, não se cansem”.
A autora aponta vários fatores que impedem que as congregações negras revisem suas liturgias de maneira que agradem e satisfaçam seu povo. Nestes fatores se inclui: a crença na inferioridade da negritude e na superioridade branca, o medo de ser visto como incivilizado e o medo da própria libertação. É necessário que nós, como povo de fé, recuperemos nossa autoridade comunitária e espiritual, reivindicando nossos legados ancestrais africanos.
Então, o que precisa ser feito?
Allen nos fornece “um novo paradigma” que revela uma lente mulherista para reimaginar a liturgia. Ela explora a teologia litúrgica e desenvolve uma “teologia litúrgica mulherista que se concentra nas visões de mundo e espiritualidades cosmológicas e teológicas africanas e afrodescendentes, afirma a plena incorporação no culto, emprega hermenêutica mulherista em todos os elementos do culto e hermenêutica/espiritualidade mulherista de agência e empoderamento comunitário”.
Ela termina revelando uma nova teologia litúrgica mulherista, que aborda a violência feita aos corpos negros nos últimos quatro séculos, que resultou em adoração desencarnada e uma desconexão entre testemunho profético e protesto vivido. Cabe às Igrejas redescobrirem essa herança e usá-la para recuperar a voz profética da América religiosa negra para fornecer um caminho a seguir para todos nós.
Este trabalho é extremamente necessário e há muito esperado. Já passou da hora de reexaminarmos o papel da celebração negra na comunidade negra e limpá-la de suas falsas mensagens de ganância e prosperidade para recuperá-la pelo que sempre foi: a voz e as ações de um povo que busca justiça, buscando a libertação, buscando a paz.
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“Uma Teologia Mulherista do Culto” reivindica a autoridade espiritual e comunitária dos legados africanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU