23 Março 2022
Quando e onde terminarão as introduções aos Evangelhos? Além das científicas, refiro-me aqui apenas às de divulgação, embora sérias. Há uma produção razoável delas.
O comentário é do biblista e padre italiano Giovanni Giavini, ex-capelão de Sua Santidade durante o pontificado de João Paulo II, em artigo publicado por Settimana News, 22-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis duas das mais recentes: R. Aguirre, C. Bernabè, C. Gil, “Cosa sappiamo di Gesù di Nazaret? Il punto sulla ricerca attuale” (Ed. San Paolo, 2010, 270 páginas); P. Mascilongo, A. Landi, “Tutto ciò che Gesù fece e insegnò. Introduzione ai Vangeli sinottici e agli Atti degli Apostoli” (Ed. LDC, 2020, 408 páginas). São muito semelhantes entre si, mas a mais completo me parece ser a do cardeal Ravasi, o renomado biblista e feliz divulgador em muitos ambientes e níveis. Vou me concentrar aqui na sua introdução.
Reprodução da capa de Biografia di Gesù Secondo i Vangeli, de Gianfranco Ravasi (Ed. Cortina 2021, 252 páginas)
Além de ser rico – como geralmente são os escritos de Ravasi – de citações e textos também de escritores crentes ou não, antigos e modernos, em particular aqui de musicistas que lidam com os Evangelhos (como Bach e muitos outros), e de numerosos textos dos Evangelhos apócrifos, o livro se dedica a introduzir muitos leitores aos quatro Evangelhos, no rastro dos numerosos estudiosos dos últimos séculos, protestantes e católicos.
Ravasi compartilha a ideia já difundida de que os Evangelhos entrelaçam estreitamente a história e a fé dos evangelistas e das Igrejas apostólicas primitivas, e isso levanta já há algum tempo o intrigante e difícil problema da sua relação precisa com o Jesus da história: com a sua biografia.
É um problema tão difícil que – como se sabe – nenhum estudioso tenta há décadas publicar uma vida de Jesus. Em vez disso, são muitos os comentários sobre os Evangelhos individuais e sobre as suas características específicas. A menos que nos contentemos em reconstruir o melhor possível uma biografia de Cristo, embora séria, mas também reduzida ao essencial.
É isso que tentam tanto Ravasi quanto os outros autores citados acima, e outros ainda. A tudo isso também tendem as páginas dedicadas às suas bibliografias, embora parciais.
Para iniciar os leitores no problema da historicidade do Jesus dos Evangelhos, alguns critérios foram identificados, os quais Ravasi expõe claramente. O mais importante parece ser o da descontinuidade: aquilo que não pode ser explicado pela proximidade com ideias, ambientes, linguagem, interesses do ambiente judaico e pagão do século I, nem com a vida das Igrejas primitivas, pode ser considerado como algo que remonta a Jesus.
Reprodução das capas dos livros Cosa sappiamo di Gesù di Nazaret? Il punto sulla ricerca attuale (Ed. San Paolo, 2010, 270 páginas) e Tutto ciò che Gesù fece e insegnò. Introduzione ai Vangeli sinottici e agli Atti degli Apostoli (Ed. LDC, 2020, 408 páginas)
Aqui repito aquilo que já manifestei várias vezes em meus numerosos escritos (também ignorados nesses volumes): o elemento mais descontínuo é o fato da morte de Jesus em uma cruz (ou por empalação): nas culturas da época – e não só de então – um Cristo senhor divino morto desse modo era impensável: era um horror, um sinal de fracasso e de desgraça. O mesmo vale para a fé nele como ressuscitado da morte e ascendido ao céu no mundo dos deuses (São Paulo é muito claro a esse respeito).
Por que, então, deixá-lo sozinho no implícito? É esse descontínuo que está na base da historicidade essencial dos Evangelhos e não só. Talvez se queira evitar colocar Cristo de modo muito descontínuo em relação à história das religiões e das civilizações?
Ravasi completa o seu trabalho conduzindo o leitor primeiro a uma leitura global de cada um dos quatro Evangelhos e das suas características específicas e depois com algumas tabelas sobre temas sintéticos presentes neles. A tabela sobre os milagres do Senhor e sobre o demônio foram muito bem editadas. Assim como aquela que guia pelos meandros da Paixão do Senhor. Por outro lado, a do Ressuscitado surpreende: é construída apenas com citações de Evangelhos apócrifos, vistos também como testemunhos interessantes.
Ao mesmo tempo, sente-se uma preocupação do autor: reagir à enorme fortuna de que gozam os apócrifos nas nossas Igrejas, inclusive às vezes as liturgias oficiais. Não se pode dizer que o ilustre autor, que também foi meu colega nos seminários milaneses, está errado. Corre-se o risco de obscurecer a sóbria beleza dos nossos Evangelhos canônicos.
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Uma biografia de Jesus segundo os Evangelhos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU