21 Março 2022
Pode-se pensar em uma verdadeira revolução não tanto nas disposições práticas, mas na mentalidade missionária que deve informar a Cúria e aqueles que ali prestam serviço.
A reportagem é de Carlo Di Cicco, publicada por Tiscali News, 19-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A reforma da Cúria Romana do Papa Francisco também é uma revolução, promulgada hoje na festa de São José, padroeiro da Igreja universal e em vigor a partir do próximo dia 5 de junho, festa de Pentecostes que marcou o nascimento da Igreja apostólica? Tão anunciada, aguardada e adiada, a nova Constituição Apostólica chamada Praedicate Evangelium sobre a Cúria Romana e seu serviço à Igreja e ao mundo traz modulações importantes, algumas decisivas, para a antiga Cúria percebida ao longo do tempo como uma superestrutura e controle centralizado da Igreja Católica. Degrau superior da carreira eclesiástica no qual se respirava um ar de poder benévolo e total do clero sobre a massa dos crentes e o vento do conúbio com os poderes seculares.
A pátina residual do clericalismo, verdadeira ou suposta, desaparece com a Reforma. Na própria cúria ouvia-se ser repetido que os papas passam, a cúria permanece. Uma espécie de poder imóvel, um olho dominante ao qual nada escapa e diante do qual até os bispos se sentiam tratados como representantes periféricos e subalternos da suprema burocracia vaticana. Se do ponto de vista da composição e funcionamento dos órgãos da Cúria as mudanças são significativas, mas não abalam o existente como anteciparam fragmentos de reforma divulgados nos últimos meses, quando se consideram as premissas em que se baseia a reforma, pode-se dizer que se trata de uma verdadeira revolução de mentalidade.
Após o Concílio Vaticano II, houve duas reformas orgânicas da Cúria Romana: a histórica de 1967 com a qual Paulo VI trouxe a Cúria da Idade Média para a modernidade e a "Pastor Bonus" com a qual João Paulo II em 1988 trouxe as adaptações que se tornavam necessárias pelo tempo e pelas novas exigências. A reforma de Francisco está na linha de Paulo VI, no plano das motivações e dos princípios para torná-la fiel à visão da Igreja projetada pelo Concílio: uma igreja de comunhão internamente, onde a igual dignidade dos batizados e discípulos do Evangelho prevalece e, como tal, pois eles são chamados a pregar o Evangelho com a palavra e o exemplo diante de um mundo cada vez mais secularizado.
Uma Cúria de “serviço” a serviço de uma Igreja de serviço à humanidade, antes de tudo para os pobres, os frágeis, os marginalizados, solidária e misericordiosa, antes mesmo que juíza, com pessoas de todas as cores, religiões, culturas. Francisco, portanto, não desvaloriza o papel da Cúria, mas o enobrece, lembrando-lhe a responsabilidade, a coerência e a competência que a missão comporta. Os eclesiásticos de toda ordem e grau, independentemente da função da Cúria, poderão exercer o seu mandato por um período de cinco anos, renovável ordinariamente por mais cinco anos. Depois, espera-se seu retorno à diocese de origem. Este novo espírito, no qual a missão de evangelizar se torna primária, traduz-se visivelmente também na consideração pela importância de organismos renovados ou mesmo unificados em relação aos anteriores.
O primeiro dos dicastérios não é mais o da Doutrina da Fé, o poderosíssimo antigo Santo Ofício, visto ao longo dos séculos como promotor da Santa Inquisição, mas o Dicastério para a evangelização, criado por Bento XVI. Essa mudança radical de perspectiva chamada "conversão missionária" é afirmada de imediato, na abertura do Preâmbulo do documento. “Predicar evangelium: é a tarefa que o Senhor Jesus confiou aos seus discípulos. Este mandato constitui "o primeiro serviço que a Igreja pode prestar a cada homem e a toda a humanidade no mundo de hoje".
Ela foi chamada para isso: anunciar o Evangelho do Filho de Deus, Cristo Senhor, e com ele suscitar a escuta da fé em todos os povos. A Igreja cumpre o seu mandato sobretudo quando dá testemunho, com palavras e obras, da misericórdia que ela mesma recebeu gratuitamente. Nosso Senhor e Mestre nos deixou o exemplo disso quando lavou os pés de seus discípulos e disse que seremos abençoados se também fizermos isso. Deste modo, “a comunidade evangelizadora coloca-se através das obras e dos gestos na vida cotidiana dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se até à humilhação se for necessário, e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Ao fazer isso, o povo de Deus cumpre o mandamento do Senhor, que, pedindo para anunciar o Evangelho, nos instou a cuidar dos irmãos e das irmãs mais frágeis, doentes e sofredoras”.
Com a Constituição, Francisco pretende perseguir esse objetivo que marcou seu pontificado, que agora chega ao seu nono ano. Na reforma que o papa, com a contribuição primária do Concílio dos 9 cardeais, trouxe como regime, nada mais faz além de codificar uma prática e um estilo pastoral que é típico dele e que é até mesmo criticado por seus críticos. Na realidade, torna práxis o espírito conciliar. Esta nova Constituição apostólica “se propõe a melhor harmonizar o atual exercício do serviço da Cúria com o caminho da evangelização, que a Igreja, sobretudo neste tempo, vive”. A passagem sobre o significado da reforma é ainda mais esclarecedora. "A reforma da Cúria Romana será real e possível se brotar de uma reforma interior, com a qual assumimos ‘o paradigma da espiritualidade do Concílio’, expresso pela ‘antiga história do Bom Samaritano’, daquele homem, que se desvia do seu caminho para ajudar um homem ferido que não pertence ao seu povo e que ele nem conhece. Trata-se aqui de uma espiritualidade que tem sua fonte no amor de Deus que nos amou primeiro, quando ainda éramos pobres e pecadores, e que nos lembra que nosso dever é servir nossos irmãos e irmãs como Cristo, especialmente os mais necessitados, e que o rosto de Cristo se reconhece no rosto de cada ser humano, especialmente do homem e da mulher que sofrem”.
A ligação com o Concílio Vaticano II torna-se evidente em outra mudança de refundação da Cúria Romana vista não mais apenas a serviço do papa, mas de todo o colégio episcopal. Torna-se um instrumento para melhor alcançar a colegialidade: todos os bispos com Pedro e sob ele. A Cúria, portanto, não é mais uma autoridade amortecedora entre papa e bispos, mas uma intermediária a serviço de sua reciprocidade. Isso não é pouca coisa diante da nova perspectiva: de supercontrolador a superservidor da comunidade cristã como o papa e os bispos devem ser. Um terceiro ponto qualificador é a plena abertura ao laicato valorizados em todos os níveis, sem diferença entre homens e mulheres. O Papa continua sendo a autoridade suprema, a Cabeça visível da Igreja e, portanto, acima da lei, o único que individualmente pode autorizar a exceção. Para avaliar como esses princípios inspiradores estão codificados em regras e comportamentos, é muito útil ler toda a Constituição composta por um preâmbulo, pelos princípios e critérios para o serviço da Cúria Romana, pelas regras gerais e pela atenção à secretaria de estado identificada como "secretaria papal".
Seguem em ordem os 16 dicastérios que absorvem também os Conselhos anteriores; os órgãos de justiça, os órgãos econômicos com a nova Comissão de Assuntos reservados e o Comitê de Investimentos; os Departamentos como a Prefeitura da Casa Pontifícia, o Ofício das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, o Camerlengo da Santa Igreja Romana; os Advogados, as Instituições ligadas à Santa Sé. Com a norma transitória, os artigos da nova Constituição são no total 250.
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Assim, o Papa Francisco decide revolucionar a Cúria: a lei em vigor a partir de 5 de junho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU