03 Janeiro 2022
Participação, comunhão, missão: estas são as palavras de ordem do Papa Francisco aos seus colaboradores no tradicional encontro para as felicitações de Natal (23 de dezembro). Uma ocasião que merece atenção pela importância que a Cúria tem no exercício pastoral do primado papal.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada em Settimana News, 26-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Antes de apresentar os traços essenciais do discurso, vale a pena sublinhar o que não está no texto, o não dito.
Em primeiro lugar, não há vestígios da constituição apostólica Evangelium praedicate, o documento de reforma orgânica da Cúria, já anunciado várias vezes e que só circula em rascunhos. A reforma da Cúria foi fortemente solicitada no conclave que elegeu o Papa Francisco, e muita atenção foi dada à Cúria de sua parte.
As principais características da reforma já estão em ação: a centralidade da Secretaria de Estado (reconfirmada após muitas hesitações e até ampliada nas suas tarefas), as duas novas secretarias (para a Comunicação e a Economia, reorganizadas de diversas maneiras), os dicastérios dos Bispos, do Clero, dos Leigos, para o Desenvolvimento Humano Integral e da Vida Consagrada, que viram fusões e diversificações das suas tarefas.
A rápida mudança de algumas funções de topo, coincidindo mais ou menos com os cinco anos de serviço, do cardeal Pell ao cardeal Piacenza, do cardeal Becciu ao cardeal Müller, do cardeal Sarah ao cardeal Stella, até a recente decisão em relação ao cardeal Turkson, testemunha uma certa dificuldade em modificar a “máquina”. Em particular, sublinham-se as dificuldades relacionadas com as funções dos escritórios, com a sua coordenação e com a gestão de pessoal.
Os pontos fortes da reforma nem sempre são evidentes, isto é, o reforço das conferências episcopais no que diz respeito aos dicastérios (a pedra de tropeço é representada pela carta apostólica Apostolos suos) e a prevalência da dimensão evangelizadora sobre a gerencial e de supervisão.
Uma segunda ausência se relaciona ao planejamento das atividades papais. Abordado em um dos primeiros discursos por ocasião do Natal, ela desapareceu depois dos encontros subsequentes. Uma falta que alimenta os resmungões e as fofocas.
O papa é acusado de agir sem uma equipe confiável, recorrendo de vez em quando a competências e a personalidades que nem sempre se mostram à altura. Com uma comunicação pública em que projetos importantes são anunciados nas mídias seculares antes da comunicação interna. É difícil acompanhar todos os meandros do descontentamento, mas é evidente que o Papa Francisco pede como prioridade uma conversão interior, espiritual e moral, a seus colaboradores em primeiro lugar, e em correspondência a qualquer mudança administrativa.
Uma terceira ausência é o anúncio da sua renúncia. Francisco nunca a excluiu, mas nunca a anunciou como iminente. Mas às vezes os boatos circulam, obedecendo mais à lógica midiática do que aos fatos.
Entrando no texto, ele poderia ser intitulado: o mistério do Natal e o caminho da humildade. A imagem bíblica evocada é a de Naamã, o Sírio (cf. 2Reis 5), general valoroso do exército arameu que se dirige ao profeta Eliseu para a cura da lepra e aprende, na sua relação com ele, a virtude necessária para a aproximação ao Deus de Israel: a humildade. De pouco servem os títulos de honra, as armaduras refinadas, a riqueza ostentada.
“Naamã compreende uma verdade fundamental: não se pode passar a vida se escondendo atrás de uma armadura, um papel, um reconhecimento social... Chega um momento na existência de cada um em que se tem o desejo de não mais viver atrás do revestimento da glória deste mundo, mas na plenitude de uma vida sincera, sem mais necessidade de armaduras e máscaras.”
Deixando a metáfora de lado: “Nós nos entretemos vaidosos falando a respeito sobre ‘o que se deveria fazer’ – o pecado do ‘se deveria fazer’ – como mestres espirituais e especialistas pastorais que dão instruções permanecendo do lado de fora. Cultivamos a nossa imaginação sem limites e perdemos o contato com a realidade sofrida do nosso povo fiel”.
“A humildade é a capacidade de saber habitar sem desespero, com realismo, alegria e esperança, a nossa humanidade, essa humanidade amada e abençoada pelo Senhor. A humildade é compreender que não devemos nos envergonhar da nossa fragilidade.”
O humilde sabe lembrar, ligado às próprias raízes, e sabe gerar abrindo brotos de fecundidade.
A Cúria é um órgão de testemunho mais do que uma organização empresarial, um instrumento do Evangelho antes de um órgão eficiente. Francisco sugere três formas para tornar concreto o convite à humildade.
A primeira é a participação: “Seria importante que cada um se sentisse partícipe, corresponsável pelo trabalho sem viver apenas a experiência despersonalizante da execução de um programa estabelecido por outrem” e encoraja à criatividade e à participação ativa na missão.
O segundo instrumento é a comunhão: “Jamais teremos um estilo evangélico nos nossos ambientes senão colocarmos Cristo no centro, e não este ou aquele partido, esta opinião ou a outra: Cristo no centro”. A comunhão é real na diversidade que é dom do Espírito, com aquela atitude de magnanimidade e generosidade que o povo santo de Deus reconhece.
O terceiro critério é a missão: “É ela que nos salva de nos curvarmos sobre nós mesmos”. “Só um coração aberto à missão faz com que tudo o que fazemos ad intra e ad extra seja sempre marcado pela força regeneradora do chamado do Senhor.”
E o papa conclui: “Caros irmãos e irmãs, fazendo memória da nossa lepra, evitando as lógicas do mundanismo que nos priva de raízes e de brotos, deixemo-nos evangelizar pela humildade do menino Jesus. Somente servindo e somente pensando no nosso trabalho como serviço podemos realmente ser úteis a todos”.
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A Cúria e o seu serviço. O discurso do papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU