05 Janeiro 2019
A prioridade do pontífice é a da luta contra os abusos cometidos por membros do clero. E será o ano em que será apresentada muito provavelmente a Praedicate evangelium, a nova constituição apostólica que governará a Cúria Romana.
A reportagem é de Matteo Matzuzzi, publicada por Il Foglio, 02-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os discursos de fim do ano do Papa à Cúria Romana se tornaram uma diversão para os observadores empenhados em perscrutar os rostos assombrados dos cardeais enquanto o pontífice os chama de "doentes de Alzheimer espiritual" e define alguns deles de "traidor", "lobo" ou "semeador de cizânia". Discursos que também são um balanço do ano que se encerra, mas que também têm uma valência programática, uma indicação do caminho que tomará a agenda papal nos doze meses que virão.
Na última mensagem festiva faltava o golpe de cena, que às 12 horas de 31 de dezembro despertou a atenção daqueles que lidam diariamente com os assuntos do Vaticano. O boletim oficial do Vaticano informava que o papa havia aceitado a renúncia de Greg Burke e Paloma Ovejero, respectivamente diretor e vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé. Sobre a saída de Burke especulava-se há algum tempo, mas o momento levou a pensar em mais um episódio de um movimento telúrico que há anos sacode a complexa realidade das comunicações do Vaticano, com frequentes rotações e redefinições de competências e funções. Um jogo que parece longe de estar concluído.
O Papa, no entanto, para 2019 tem outras prioridades. Basta reler as palavras colocadas preto no branco à Cúria para entender o que é mais importante para o bispo de Roma. Um tema se destaca, a luta contra os abusos cometidos por membros do clero. Em 2018, o barco de Pedro foi atingido por fortes ondas por esse lado, desde o colapso de toda a hierarquia chilena até às notícias do meio do ano vindas da Pensilvânia, passando pela interminável agonia australiana e os relatórios que chegam da França e da Alemanha. A reação do Vaticano é uma luta sem trégua aos "lobos atrozes prontos a devorar as almas inocentes": uma luta pública, que terá o seu momento máximo daqui a um mês, quando de 21 a 24 fevereiro se reunirão os presidentes das conferências episcopais nacionais "para falar sobre a prevenção dos abusos contra menores e adultos vulneráveis".
Um mini Sínodo - haverá um no segundo semestre sobre a Amazônia - que deverá estabelecer orientações comuns para tentar sanar uma praga que já ciclicamente, entre dossiês de alguma magistratura local e comunicados de bispos aposentados pedindo a renúncia papal, investe a cúpula de São Pedro. O destino do pontificado, ou pelo menos o seu legado, está sendo jogado sobre isso. Francisco sabe disso e tenta livrar-se como pode do cerco que lentamente vai se fechando ao redor de Santa Marta, com o grupo restrito de apoiadores entusiasmados em defender um baluarte que sabe muito bem se defender sozinho das emboscadas de quem não vê a hora de festejar a sua queda.
Uma assembleia, a de fevereiro, que também servirá para regular as relações com aquelas conferências episcopais que não estão em sintonia com o novo curso. Primeira entre todas, a norte-americana, que já foi impedida em novembro passado de adotar diretrizes próprias em relação aos abusos. Pode-se alterar o núncio, pode-se colocar o barrete vermelho na cabeça do melhor representante da própria agenda nos EUA (Blase Cupich, arcebispo de Chicago), mas se a base dos bispos é aquela moldada há mais de trinta anos por João Paulo II, o ajuste de sintonia não pode acontecer de um instante ao outro.
O encontro de fevereiro claramente ofuscou os outros eventos já programados e anunciados, não menos relevantes. O ano de 2019, pelo menos até onde sabemos por enquanto, será um ano de importantes viagens apostólicas. No final do mês, o Papa estará no Panamá para a Jornada Mundial da Juventude, no início de fevereiro, em Abu Dhabi, onde pela primeira vez um bispo de Roma colocará os pés.
No final de março, Bergoglio estará no Marrocos, em maio na Bulgária e na Macedônia. São muito prováveis as viagens ao Japão e a Moçambique, embora ainda não formalizadas. Nos Emirados Árabes e no Marrocos, o que dominará a cena será o diálogo com o Islã "moderado".
Após as etapas no Cairo e em Bangladesh, Francisco irá adicionar duas peças no complicado jogo que é jogado na mesa das relações com as realidades muçulmanas convencidas - mais ou menos - da necessidade de lutar ativamente e não apenas com cerimônias pomposas e assinaturas de retóricos apelos para a paz universal contra as franjas fundamentalistas. Tudo isso acontece, paradoxalmente, enquanto o dicastério do Vaticano encarregado do diálogo inter-religioso está vago desde o meio do ano passado, após a morte de Jean-Louis Tauran, que por calibre moral e habilidade diplomática torna-se difícil de ser substituído com elementos de igual capacidade quanto a conhecimento do tema e por experiência.
Finalmente, 2019 será o ano em que muito provavelmente será apresentada a Praedicate evangelium, a nova constituição apostólica que governará a Cúria Romana. Os tempos parecem maduros, depois de mais de cinco anos de reuniões entre os Cardeais do C9 para traçar os pontos centrais da reforma. "Muitos se perguntam: quando isso vai acabar? Isso nunca vai acabar, mas os passos são bons", disse Francisco em dezembro passado, desejando Feliz Natal e Feliz Ano Novo para os membros da Cúria sentados à sua frente.
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Muitas viagens e intrincados jogos da cúria. O exigente 2019 do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU