15 Novembro 2018
O texto chegou ao Vaticano tarde demais para ser estudado e discutido. Há problemas, de acordo com as normas canônicas e algumas das diretrizes poderiam ser genéricas.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 13-11-2018. A tradução é de André Langer.
O adiamento, devido a um pedido da Santa Sé, da votação dos documentos contendo novas medidas antiabusos da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, inicialmente provocou a reação previsível de apresentar o Papa Francisco como sendo insensível à seriedade da situação nos Estados Unidos e no Vaticano, como elemento que atravanca a firme vontade dos pastores norte-americanos de combater da melhor forma possível o escandaloso fenômeno.
A pedido da Santa Sé, anunciou o cardeal Daniel DiNardo, da Conferência Episcopal do país, “nós não vamos votar os dois documentos sobre as diretrizes de responsabilidade para os bispos e a comissão especial encarregada de receber as denúncias contra bispos.” DiNardo disse que ficou decepcionado com a decisão, anunciada na segunda-feira, 12 de novembro. Diz ter tomado conhecimento da decisão apenas no dia seguinte.
A decisão do Vaticano foi comunicada à cúpula da Conferência Episcopal com uma carta que o cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, enviou no domingo passado ao cardeal DiNardo através do núncio apostólico Christoph Pierre.
Conforme o Vatican Insider conseguiu averiguar, são três os documentos enviados a Roma pela cúpula do episcopado americano. E teriam chegado há apenas alguns dias. A falta de tempo adequado para estudá-los e discuti-los, bem como algumas perplexidades sobre dois dos três textos, estaria na origem do pedido vaticano.
“Está errado pensar que a Santa Sé não compartilha o objetivo dos bispos estadunidenses, o de contar com instrumentos eficazes para combater o fenômeno dos abusos de crianças e adolescentes e estabelecer pontos firmes em relação à responsabilidade dos bispos – explicou uma fonte do Vaticano envolvida no caso. A razão para o pedido de adiamento da votação não deve ser vista como um obstáculo, mas como um convite para avaliar melhor os textos propostos, inclusive em vista do encontro de fevereiro de todos os presidentes das Conferências Episcopais do mundo com o Papa dedicado à luta contra os abusos. É preciso alcançar o objetivo final da melhor maneira”.
Em relação aos padrões de comportamento e de ações solicitados aos bispos, que vão além tanto dos códigos civis como do código canônico, levantou-se uma objeção sobre a generalidade de algumas passagens: poderia acontecer, pois, que um bispo não se dê conta de estar violando ou não estes objetivos comportamentais, que poderiam no futuro levá-lo perante a comissão nacional que deve julgar suas ações.
Outro problema está relacionado a algumas incoerências no conteúdo do documento sobre a comissão nacional sobre a responsabilidade dos bispos e o Código de Direito Canônico. Na proposta apresentada ao Vaticano, a comissão foi apresentada como uma instituição sem fins lucrativos, sem figuras jurídica ou canônica, mas capaz de julgar os próprios bispos.
Ou seja, as normas em vigor podem ser afinadas ainda mais, mas os textos preparados pelo comitê executivo da Conferência Episcopal estadunidense devem ser melhorados, levando em conta o Direito Canônico e a própria realidade da Igreja. A reação decepcionada e aborrecida de DiNardo é compreensível, mas não se pode excluir que alguns dos bispos chamados a votar recebem essa decisão como uma oportunidade positiva para obter mais tempo para reflexão e estudo, apesar da pressão da opinião pública.
Não devemos esquecer algumas passagens centrais do discurso proferido pelo núncio apostólico Pierre durante a sessão de abertura do encontro dos bispos dos Estados Unidos. O representante do Papa citou o escritor francês Georges Bernanos: “Quem quiser reformar a Igreja com os mesmos meios usados para reformar as sociedades temporais não apenas fracassará, mas se colocará infalivelmente fora da Igreja. Não se reforma a Igreja, mas se sofre por ela; não se reforma a Igreja visível, mas se sofre pela Igreja invisível. Reformam-se os vícios da Igreja apenas prodigalizando o exemplo de suas virtudes mais heroicas”.
O núncio enfatizou que não devemos renunciar à responsabilidade de nos reformarmos a nós mesmos em primeiro lugar. Não se pode, insistiu, “transferir o depósito da confiança para outras instituições. Não basta readquirir novamente a confiança. Quando se trata da responsabilidade que temos para com crianças e adultos vulneráveis, devemos demonstrar que podemos resolver os problemas, em vez de delegá-los a outros”.
O que não exclui a contribuição de todos os fiéis, dos leigos, dos religiosos, que “nos ajudam a cumprir a missão”. Mas sem faltar à responsabilidade específica dos pastores. Palavras que indicam um caminho de reforma ligado à fé, com a redescoberta do que é essencial, sem deixar tudo nas mãos das “best practices”, pensando que novas diretrizes e códigos de conduta cada vez mais rígidos (promulgados sob pressão da mídia ) sejam capazes, por si sós, de extirpar crimes, pecados e acobertamentos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As razões para o adiamento da votação das diretrizes antiabusos nos Estados Unidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU