05 Março 2022
Na era do capitalismo maduro e do trabalho precário, “uma paralisia ansiosa coloniza a ação e o discurso”, sentencia o filósofo italiano, semiólogo, acadêmico e ativista político de raiz marxista. Não há falta de potência no “animal humano”: há, ao contrário, uma superabundância que por várias razões não leva a atos “cuidadosamente forjados”. A consequência é um “catálogo de paixões tristes”.
A reportagem é de María Daniela Yaccar, publicada por Página/12, 02-03-2022. A tradução é do Cepat.
Sobre la impotência. La vida en la era de su parálisis frenética (Sobre a impotência. A vida na era da sua paralisia frenética), de Paolo Virno e editado por Tinta Limón Ediciones, põe em palavras um sintoma atual que certamente faz com que vários deles se sintam menos sozinhos. Assim começa o livro – um primeiro parágrafo sem desperdício, diretamente ao ponto: “Os modos de vida contemporâneos são marcados pela impotência. Uma paralisia ansiosa coloniza a ação e o discurso. Quer esteja em jogo um amor sem paralelo ou a luta contra os senhores do trabalho precário, não é possível fazer o que seria mais conveniente nem sofrer de forma adequada os golpes a que se está submetido”.
Filósofo e semiólogo italiano, acadêmico e ativista político de raiz marxista, Virno constrói uma pintura do modo (bastante tétrico) de viver contemporâneo. Para isso, recorre ao léxico de Aristóteles e, às vezes, a um humor ácido. O texto – muito curto, pouco mais de 100 páginas – vai da simplicidade a ideias extremamente complexas. O problema atual, aquele que dá origem à impotência, não é a falta de dynamis (nome antigo da potência). Há, pelo contrário, uma superabundância de potência, que “impedida por muitas e diversas razões de se tornar um conjunto de atos cuidadosamente forjados, não faz senão estagnar e atormentar-se”. As metáforas culinárias sempre servem para ilustrar um certo estado interno: nossa dynamis seria como essa comida que enche a geladeira e acaba estragando.
“Atenção: impotente não é quem adere com tristeza à oração negativa, portanto à potência-de-não, mas quem permanece muito tempo no limiar onde duas orações estão lado a lado, com um valor tão igual como se se implicassem mutuamente (...). Estar durante muito tempo naquele limiar, hipnotizado pela viscosa solidariedade de potência e impotência, não significa outra coisa senão omitir mais uma vez a transformação das próprias faculdades em obras ostensivas e ações”, define o autor. A consequência é o aparecimento de um “catálogo de paixões tristes”: “arrogância manchada de desânimo, timidez desavergonhada, alegria pelos naufrágios, resignação beligerante, solidariedade resmungona”.
Existem três tipos de atos: aqueles ligados à potência de fazer, aqueles implicados na potência de receber e as “ações negativas” (não fazer ou não receber, por exemplo: omitir, abster-se, evitar, renunciar, descuidar, adiar, demorar, etc.). Nos segundos, Virno explora o que acontece no “animal humano” quando se trata de sofrer: nas formas de vida contemporâneas predomina a “incapacidade de suportar”. Deveríamos aprender novamente a receber os acontecimentos, para parar de cair em “excitações nervosas” causadas por “uma ação induzida e sincopada, tão incontrolável quanto um arroto ou um soluço” ou “reações assustadas e raivosas”.
Todas essas questões têm seu marco: o capitalismo maduro; a era do trabalho precário (como exemplos, riders [entregadores] e call centers). Nesse contexto, ocorre uma guerra civil – metafórica e literal – entre os hábitos de administrar e usar nossa potência. Desenvolve-se uma administração “meticulosa, astuta e febril” das faculdades próprias, uma “manutenção zelosa”, em detrimento do seu uso. A tarefa, típica do fordismo e do taylorismo, foi substituída pela performance. Antigamente havia a “exploração intensiva”, mas não a impotência. Por outro lado, a performance – como provisão motora ou cognitiva – é uma “execução que nunca é previsível, exigida ou imposta por circunstâncias efêmeras e surpreendentes”, um “protótipo que não inaugura nenhuma série” e “baseia-se no eclipse do uso como elo intermediário entre potência e ato”. A “atitude dominante” em trabalhadores e falantes é um “exaustivo estar pronto”. Devem reservar uma “disponibilidade de taquicardia”, porque o desempenho está sempre “à espreita, prestes a arruinar qualquer continuidade suave”. “O impotente espera com os dentes cerrados a ocasião imprevisível para fazer quem sabe o quê. Nem distraída nem apática, sua espera é até ocupada, marcada por espasmos musculares, imagens mentais sincopadas, começos mal esboçados e imediatamente abortados”.
Em ‘Instituições’, sexta e última seção, a pergunta é sobre os caminhos que se abrem para “se livrar” desse sentimento. O filósofo expõe “considerações lógicas, não éticas, muito menos políticas”. A solução não está na nostalgia. Virno traça um “modo hipotético de ser e operar” de “instituições republicanas, nem soberanas nem estatais”, a serviço da organização da “multidão precária”, do exercício do uso, da práxis coletiva, da repetição experimental, da rotina sem roteiro. Imagina uma instituição “sem raízes autônomas”, com uma relação íntima com a impotência e a renúncia, que visa omitir a omissão, abster-se de abster-se, adiar o adiamento. Instituição a que “se adere como uma luva à identikit da impotência contemporânea. Ou melhor, adere-se a ela como uma luva da fábula, ansiosa para acabar com a mão que cobre”.
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Segundo Paolo Virno, os modos de vida contemporâneos são marcados pela impotência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU