Acerca do ministério feminino, não se trata de “restaurar alguma coisa”, mas de recorrer profeticamente à tradição que vem não só do passado, mas do futuro. Uma espécie de “fidelidade ao futuro”. Ler a Escritura e a tradição indica que as mulheres participaram na evangelização da caridade para todos. Restaurar é um anacronismo, enquanto a busca pela novidade é profética.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 23-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não pude acompanhar o recente simpósio sobre a “teologia fundamental do sacerdócio”, mas recebi a transcrição da fala da Prof.ª Michelina Tenace, que aborda um dos pontos sensíveis da reflexão sobre “ministério/sacerdócio” e merece ser lida e comentada.
Obviamente, refiro-me não a um texto publicado, mas à transcrição de um texto falado. Com toda a aproximação que isso envolve tanto para quem fala quanto para quem escuta e transcreve, e, por fim, para quem lê.
No entanto, acho que é uma boa oportunidade para destacar algumas ideias de fundo, às quais nos chama a atenção o texto curto, mas intenso, da Prof.ª Tenace e pelo qual ela deve ser agradecida.
A transcrição do discurso, que eu imagino ter cerca de 20 minutos, abrange pouco mais de duas páginas densas. E o regime de argumentação é intenso. Tento desenrolar o novelo.
Algumas palavras parecem ser imediatamente de grande destaque. Apresento aqui as quatro mais fundamentais:
a) Acerca do ministério feminino, não se trata de “restaurar alguma coisa”, mas de recorrer profeticamente à tradição que vem não só do passado, mas do futuro. Uma espécie de “fidelidade ao futuro” aparece com grande força no texto, a partir da experiência de colaboração com a primeira Comissão sobre o diaconato. Ler a Escritura e a tradição indica que as mulheres participaram na evangelização da caridade para todos. Restaurar é um anacronismo, enquanto a busca pela novidade é profética. Faz sentido refletir sobre aquilo que não foi dado às mulheres, porque isso coincidiu com um desvio machista e clericalista da Igreja. É urgente restaurar ministérios instituídos para as mulheres “não para um reconhecimento da dignidade das mulheres, mas para um reconhecimento da verdadeira identidade da Igreja”.
b) Se a Igreja não chama, o ministério corre o risco de ser considerado um direito. Servir não é um direito, mas um dever. O dever do serviço encontrou uma forma histórica na estrutura hierárquica. E o discernimento sobre o ministério feminino diz respeito ao bem do povo de Deus, nas diversas culturas. A partir disso, Tenace deduz que, “para não ser uma resposta ditada pela onda de uma ideologia (parêntese: “feminista” significa argumentar sobre o direito), a reflexão sobre os ministérios teve que voltar à fonte. Qual é a fonte? O Batismo, onde nasce e floresce toda vocação”. Uma verdadeira redescoberta do “sacerdócio de todos os batizados e batizadas” é sublinhada com grande força e indicada como uma tarefa a ser desenvolvida com convicção, fora dos esquemas machistas ou androcêntricos.
c) A dignidade não diz respeito apenas ao serviço sacerdotal: “Por isso, é uma contradição pensar que o sacerdócio concedido às mulheres seria uma forma de reconhecer a sua dignidade”. É preciso se perguntar quais são as necessidades reais dos homens e das mulheres de hoje, para evitar reduzir a promoção dos leigos e leigas à zona de influência da eucaristia e do altar. Daí a conclusão: “Então, parece-nos que a questão do ministério das mulheres sofre de duas reduções: a redução da dignidade de todo ministério à dignidade do sacerdócio ministerial e a redução da dignidade do sacerdócio ministerial ao sacerdócio de Cristo como homem”.
d) A última passagem é muito densa: “Homem e mulher são duas realidades que expressam uma diversidade complementar em relação ao ato de gerar: segundo o próprio gênero, os homens geram, as mulheres trazem ao mundo (os homens geram, as mulheres trazem ao mundo); assim, simbolicamente, homens e mulheres participam do único sacerdócio de Cristo que confiou a Igreja a quem gera, em virtude do sacerdócio ministerial, e a quem traz ao mundo, em virtude do sacerdócio comum, em uma recíproca dependência e apoio”.
Emergem do texto pelo menos três pontos sobre os quais o simpósio pode ter tido o mérito de chamar a atenção e alimentar a discussão. Tento formular as perguntas para às quais Michelina Tenace ofereceu respostas importantes, mas não unívocas e às vezes não persuasivas:
a) Como as lógicas do dever e do direito (no serviço) se entrelaçam em relação ao tema da “dignidade”?
Se a dignidade da mulher vem do “sacerdócio batismal” e depois da possibilidade de “servir” ao corpo da Igreja, precisamente o batismo, na sua lógica de serviço, de aquisição das virtudes e de desenvolvimento dos carismas, pode se abrir aos caminhos do matrimônio e do ministério ordenado.
A lógica sacramental é clara: a Igreja precisa compensar os limites dos sujeitos individuais: ela quer uma instituição matrimonial e uma instituição eclesial. O fato de que o acesso ao ministério ordenado deve ser considerado excluído com base na dignidade, relativa para a mulher exclusivamente ao sacerdócio batismal, não é um ponto sistematicamente claro.
O fato de que a “vocação feminina” é ao matrimônio, mas não ao ministério ordenado, é certamente uma evidência pacífica da sociedade fechada. Mas, quando a sociedade e a Igreja se abrem, como podemos reconstruir a dignidade do sujeito de modo não predeterminado?
Um percurso diferenciado de “dignidade” entre homens e mulheres corre o risco de usar um conceito de “dignitas” que não foi posto à prova da Dignitatis Humanae. Essa é minha primeira perplexidade que apresento ao rico texto de Michelina Tenace.
b) Em que sentido deveria ser evidente que as mulheres “não têm direito ao sacerdócio”?
Aqui, como se sabe, as fontes devem ser usadas necessariamente: por um lado, temos pronunciamentos que, sem argumentações fortes e com referência apenas ao passado, excluem a possibilidade de que a mulher possa ser objeto de “ordenação sacerdotal”, mas sem excluir que ela possa ter acesso ao diaconato. No entanto, esse texto de 1994 (Ordinatio sacerdotalis) não exclui de forma alguma que haja uma teologia que trabalhe sobre as razões dessa proibição. E que se interrogue, porém, não apenas “apologeticamente”, mas também “de modo fundamental”.
Sabemos que uma tradição interna à teologia católica gostaria de limitar a função do teólogo a apoiar as posições que o magistério assume de vez em quando. Porém, sobretudo sobre as questões que não são pacíficas, há a função de uma teologia que explora o campo das argumentações que permitem ao magistério dizer a verdade de forma mais plena e completa. Uma dupla postura do magistério da cátedra magistral em relação ao magistério da cátedra pastoral é vital sobretudo sobre os temas mais delicados.
Como já dizia W. Boeckenfoerde, sobre esse ponto específico, o direito canônico de 1983, que prescreveria o silêncio teológico diante dos verdadeiros problemas, é um retrocesso em relação a 1917. Devemos discutir pacatamente sobre as evidências que mudam. Caso contrário, fazemos apenas teologia de autoridade. E isso é sempre um sinal de fraqueza e de irrelevância.
c) De que modo a “diferença entre masculino e feminino” poderia ser verdadeiramente compreendida em termos de “gerar masculino” e de “trazer ao mundo feminino”?
Precisamente o que Michelina Tenace elabora como contribuição sistematicamente mais refinada, a saber, os dois conceitos do “gerar” e do “trazer ao mundo” como qualificações da especificidade masculina e feminina, deveria funcionar como uma justificativa sistemática para a perspectiva assumida.
Mas aqui eu custo a acompanhar o raciocínio e precisaria entender mais a fundo a legitimidade sistemática dessa distinção. O que está por trás disso? Uma antropologia fundamental traduzida em “funções eclesiais”? Uma retomada da similitude dos dois “princípios” (petrino e mariano) elaborados por Von Balthasar? Ainda é bastante obscuro para mim por que a diferença entre “gerar” e “trazer ao mundo” permitiria excluir que a mulher possa participar não só do sacerdócio batismal, mas também do ministerial.
A uma leitura certamente não totalmente fiel e talvez sequer correta, poderia parecer quase uma forma de resistência apologética a novas formas de reconhecimento da dignidade da mulher. Eu acho que aquilo Tenace chama de “feminismo” e que ela conecta direta e criticamente à “demanda por direitos” não pode ser lido simplesmente como uma ideologia. Como se a demanda por direitos da mulher (mas dois séculos antes também do homem) não fosse um ponto decisivo para a aquisição daquela “humana dignitas”, que mudou profundamente a abordagem à tradição, obviamente somente depois que a “liberdade de consciência” foi reconhecida pela Dignitatis humanae.
Aqui, na minha opinião, abre-se um espaço de reflexão que eu não acho desenvolvido, mas diria apenas delimitado, no texto de Tenace e que poderia ajudar a elaborar categorias sistemáticas menos suscetíveis a uma injusta redução apologética. Isso corresponderia melhor à intenção original com que o “tema feminino” entrou no debate católico oficial, precisamente com o texto singularmente profético da Pacem in terris, ao qual gostaria de dedicar a última passagem.
O que é central no texto da última encíclica do Papa João XXIII é um “ato de reconhecimento”, um reconhecimento de autoridade. O caminho foi longo e acidentado, e encontrou, por muito tempo, uma profunda surdez eclesial.
A exclusão das mulheres de qualquer autoridade encontrava, desde Tertuliano, palavras de apoio. Mesmo quando admitida, era profundamente limitada ao âmbito privado. As mulheres podiam ler, ensinar e batizar, mas apenas em privado.
A novidade entrou no magistério da Igreja Católica com a Pacem in terris (1963), que põe o dedo na ferida, convidando a considerar como um “sinal dos tempos” o ingresso da mulher na vida pública. Ouçamos novamente as palavras do Papa João XXIII, de 1963, quando ele lembrava:
“O fato a todos conhecido, isto é, o ingresso da mulher na vida pública: mais acentuado talvez em povos de civilização cristã; mais tardio, mas já em escala considerável, em povos de outras tradições e cultura. Na mulher, de fato, torna-se cada vez mais clara e operante a consciência da própria dignidade humana. Ela sabe que não pode mais ser considerada e tratada como um objeto ou um instrumento, exige ser considerada como pessoa, tanto no âmbito da vida doméstica quanto no da vida pública.”
E um pouco mais adiante acrescentava:
“Em muitos seres humanos, vai se dissolvendo o complexo de inferioridade que se prolongou por séculos e milênios; enquanto em outros se atenua e tende a desaparecer o respectivo complexo de superioridade, decorrente do privilégio econômico-social, ou do sexo, ou da posição política.”
Esse texto, na sua poderosa simplicidade, parece-me que deveria nos ajudar a não utilizar critérios sistemáticos nos quais, de forma mais ou menos direta, continua sobrevivendo aquele critério segundo o qual os homens estão no público, e as mulheres, no privado.
É difícil contornar esse obstáculo, que era a evidência de uma sociedade fechada, na qual a função “pública” da autoridade sacerdotal não podia de modo algum dizer respeito a uma mulher. E acho que uma “antropologia” ou uma “teologia” não pode pensar em restaurar, no nível sistemático, aquilo que se revelou como uma ideologia social e cultural.
Aqui, ideológico não é falar sobre o direito das mulheres, mas não falar sobre ele. O serviço delas só pode ser verdadeiramente tal se corresponder a uma plenitude de autoridade possível, da qual ninguém está excluído, não porque o faça valer como um direito, mas para que a Igreja possa verdadeiramente encontrar uma resposta às suas necessidades, sem impedimentos ou preconceitos.
Por esse motivo, nem o feminismo nem a referência ao direito podem ser reduzidos a “aprioris negativos”, aos quais o teólogo católico renuncia e constrói a sua argumentação “de muliere”, “de ministerio” e também “de sacerdotio”.
Um debate favorecido pela bela síntese oferecida por Michelina Tenace, que saiba integrar esses aspectos problemáticos, conseguiria dizer uma palavra verdadeiramente cheia de frescor e realmente nova no quadro da tradição católica sobre a relação entre mulher e ministério, sem ter que forçar a distinção entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial a agir também como uma diferença de gênero.