17 Fevereiro 2022
O pedido do cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e conselheiro do Papa nas questões econômicas, dirigido a Bento XVI para que decidisse pedir desculpas explícitas pelos erros cometidos quando era arcebispo na Baviera foi ouvido nos últimos dias na Mater Ecclesiae, a residência de Joseph Ratzinger nos jardins do Vaticano, desde que em 2013 renunciou definitivamente ao trono de Pedro. Sua carta de perdão divulgada ontem pela Santa Sé, de fato, é também fruto da pressão de Marx e ao mesmo tempo do mundo eclesial alemão e da imprensa internacional. Ratzinger tem dificuldade para falar, aos noventa e quatro anos carrega no corpo os sinais indeléveis da idade avançada, mas está lúcido e entende tudo.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada pelo jornal La Repubblica, 09-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Suas palavras, lidas em vídeo por seu secretário e primeiro conselheiro Georg Gänswein, marcam uma primeira mudança de direção após a decisão de algumas semanas atrás em decorrência da publicação do relatório externo à diocese de Munique de devolver ao remetente todas as acusações. Agora, o Papa Emérito e sua comitiva perceberam que uma atitude de autoabsolvição não pode mais se sustentar. E eles agem de acordo. Por isso, entre outras coisas, o próprio Vaticano reconhece oficialmente a importância da manifestação. Andrea Tornielli faz isso com um editorial no Vatican News no qual explica que as palavras de Bento XVI são aquelas de um "humilde trabalhador na vinha do Senhor" que pede com sinceridade perdão sem fugir da concretude dos problemas e convida toda a Igreja a sentir como própria a ferida cruenta dos abusos”.
E assim o faz seu ex-porta-voz, o padre jesuíta Federico Lombardi, que comenta que em Ratzinger “o serviço da verdade sempre esteve em primeiro lugar. Ele - diz - nunca tentou esconder o que poderia ser doloroso de reconhecer para a Igreja; ele nunca tentou dar uma bela imagem falsa da realidade da Igreja ou do que acontece. Portanto, acredito absolutamente que sua veracidade não possa ser posta em dúvida de forma alguma”. A carta de ontem é um primeiro passo importante, portanto. Diante do que, no entanto, nem todos ainda estão satisfeitos.
Como explica Hans Zollner, teólogo e psicólogo alemão, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, decano do Instituto de Antropologia e um dos maiores especialistas mundiais no campo da proteção e prevenção dos abusos sexuais, em primeiro lugar, "dever-se-ia perguntar às vítimas se estão satisfeitas com a carta de Ratzinger ou não. Ele explica: “Não sou o juiz do Papa Emérito, mas chamou-me a atenção que ele tenha agradecido primeiro aos amigos e só depois às vítimas. E que, em uma visão mais teológica do que qualquer outra coisa, ele não admita nenhuma responsabilidade pessoal e não entre no cerne das acusações que o relatório alemão move contra ele de modo específico”.
No fundo, a escolha de Bento XVI para redigir um texto espiritualizante, num quadro escatológico no limiar da última milha de sua longa e intensa existência, não foi vista positivamente por aquele mundo alemão que pedia, sim, desculpas, mas bem circunstanciadas, ponto por ponto. Se por um lado Marx levou o Papa Emérito a se expor com uma declaração pública, provavelmente aqueles mais próximos a ele, entre eles os teólogos alemães especialistas em direito canônico que redigiram para ele uma defesa em resposta aos advogados bávaros, em vez disso, o convenceram a permanecer no geral, a tratar o tema por cima sem entrar no mérito.
Uma abordagem que ainda parece filha de uma reticência misturada com despreparo que caracterizou os eventos eclesiais em relação aos casos de abusos ao longo do século XX e além, o pontificado de João Paulo II incluso, no qual o próprio Ratzinger desempenhou um papel de primeiro plano como prefeito do antigo Santo Ofício.
Bento XVI está hoje perto dos noventa e cinco anos. Ele ainda recebe várias pessoas, prelados mais amigos. A estratégia defensiva que adotou também é filha da influência que sofre dessas pessoas. Recentemente, por exemplo, foi o cardeal conservador alemão Gerhard Müller quem disse que “contra Bento XVI” está em curso “uma campanha de difamação”. E ainda: "Não são justamente aqueles que zombavam dele na época por ser um panzerkardinal que agora criticam a sua falta de dureza para com os criminosos, embora esses casos não forneçam provas, nem mesmo fracas, de má conduta e negligência?".
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"Chega de silêncio". A virada de Bento XVI ditada pelo clero alemão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU