04 Janeiro 2022
"A coragem da transparência, de assumir responsabilidades, de comunicar abertamente, tudo isso ainda falta com demasiada frequência na Igreja Católica", diz o pe. Hans Zollner ao comentar a questão dos abusos na igreja. Segundo ele, para muitas pessoas do clero e, "mesmo entre os fiéis comuns, a imagem de uma Igreja imaculada tem um grande significado".
Hans Zollner, S.J., é psicólogo e psicoterapeuta licenciado com doutorado em teologia e é um dos principais especialistas da Igreja na área de salvaguarda de menores. Ele é o presidente do Centro de Proteção à Criança da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores e consultor da Congregação para o Clero.
A entrevista é de Roland Juchem, publicada por KNA e reproduzida por Settimana News, 02-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padre Zöllner, há dez anos o senhor fundou o Centro de Proteção à Criança, que recentemente se tornou um instituto de antropologia para a dignidade humana e o cuidado de pessoas vulneráveis. O que o levou a tornar o terrível tema dos abusos a sua tarefa de vida?
As razões essenciais foram certamente o grande mal-estar, o caos inicial, a incapacidade de falar e a paralisia da Igreja. A questão fundamental era: como se enfrenta a dor dos sobreviventes, como podemos ir ao seu encontro? Como se coloca tudo isso na formação do pessoal eclesial?
Mas também se trata de encontro com as pessoas, com as vítimas dos abusos?
Como psicoterapeuta, me encontrei diante dos abismos humanos de muitas maneiras. O abuso sexual não é a única forma.
A partir daqui, imediatamente ficou claro para mim que esse caminho só poderia ser percorrido com os sobreviventes. Somente assim, em nosso trabalho, podemos criar uma imagem adequada da realidade dos fatos - tanto na vida das pessoas quanto na instituição.
O senhor começou em 2012 em Munique e em 2014 o Centro foi transferido para Roma. Onde encontrou apoio e onde resistência?
Meus superiores na Companhia de Jesus me apoiaram imediatamente, o padre geral e o reitor da Gregoriana nos ajudaram imediatamente. Também recebemos consenso de muitos líderes da Cúria do Vaticano.
Resistência, oposição?
Resistência de forma direta e concentrada, não recebemos nenhuma. O que eu noto é que muitos sentem um grande desconforto quando confrontados com a questão dos abusos. Eles acreditam que não se deve enlamear a Igreja, mas defendê-la. Mas, pessoalmente para mim, essa forma de sentir nunca é expressa diretamente.
Fala-se muito sobre causas sistêmicas dos abusos. Quais são as que podem ser constatadas na Igreja?
Sistêmico significa que fatores únicos influenciam uns aos outros: formação, forma de exercer o ministério, disponibilidade para a reforma, subdivisão dos recursos disponíveis e muito mais. Um exemplo: não temos certeza jurídica de como proceder. Por que alguém é demitido em um caso e outro não em outro caso?
Os direitos de todos os envolvidos no processo também não são suficientemente claros: acusados, vítimas, superiores ... Quem pode dizer e saber algo - não há uma definição clara sobre isso.
Portanto, são necessárias mudanças no direito penal eclesial?
Certo. E além disso há a questão da divisão de poderes na Igreja. A convergência do legislativo, do executivo e do judiciário no bispo torna extremamente difícil a transparência e o dever de prestação de contas do trabalho.
Em todo caso, em 2019 foi dado um passo em frente no que diz respeito ao dever e à obrigação de prestar contas por parte dos bispos. Além disso, o sistêmico e o pessoal se misturam. Para muitos, mesmo entre os fiéis comuns, a imagem de uma Igreja imaculada tem um grande significado. A coragem da transparência, de assumir responsabilidades, de comunicar abertamente, tudo isso ainda falta com demasiada frequência na Igreja Católica.
Qual é o papel do clericalismo?
O clericalismo pode ser encontrado tanto entre os padres quanto entre aqueles que não o são. A tendência ao prestígio e a sensação de ser intocável não dependem apenas da ordenação. Como o pessoal eclesial é escolhido e formado? Como alguém se torna bispo? Quais são as qualidades que realmente desempenham um papel em tudo isso? Como é a formação nos seminários? São seguidos os documentos pontifícios nos quais a formação humana é a base para todo o resto? Não me parece.
Em que ponto está com sua pesquisa sobre os abusos espirituais. Trata-se de um dos âmbitos do novo Instituto, se não me engano?
Certo. Para a Igreja, esta é uma questão importante. O que surpreende é que surgiu na esfera pública apenas nos últimos dois/três anos.
Quais são os objetivos fundadores do novo Instituto?
Importante é a revisão do nosso Blended-Learning Program – um instrumento essencial para agir numa base ampla. Quanto aos conteúdos, trabalhamos neles o tempo todo - até porque surgem novos temas e áreas.
Também iniciamos alguns projetos de pesquisa, inclusive para fortalecer nossa reputação em nível científico. Um projeto diz respeito às expectativas espirituais dos sobreviventes em relação à Igreja. Este projeto insere-se no âmbito da fundação “Spes et salus”, projetada pelo card. Marx, que assumiu esse tema para o nosso Instituto.
E o pessoal do Instituto?
Finalmente, não sou mais o único professor, o ex-vigário geral de Munique, Peter Beer, também trabalha há pouco tempo conosco. Depois teremos uma pessoa que se dedicará particularmente à pesquisa. Por fim, temos toda uma série de jovens que continuam sua carreira acadêmica em nosso Instituto e que poderão se tornar professores aqui. Nos demos alguns anos para realizar isso.
O futuro pessoal do Instituto permanecerá interno?
Não só, pessoas qualificadas de fora do Instituto entram em contato conosco continuamente. Recebemos da diocese de Stuttgart-Rottemburg uma perspectiva de financiamento para um pós-doutorado no campo da pedagogia da prevenção.
Um tema importante é a prevenção dos abusos na Internet - que hoje é o maior fator de risco para crianças e adolescentes. Em uma antropologia interdisciplinar, devemos aprender a conectar as disciplinas do direito, direito canônico, psicologia, psiquiatria e teologia. Só assim podemos compreender melhor e garantir a dignidade da pessoa e o cuidado dos vulneráveis - e também garantir uma melhor prevenção.
Mas não precisam de especialistas em informática e professores?
A rigor, não precisamos de especialistas em informática, mas de pessoas que saibam o que significam os abusos na Internet, que danos causam, como estão ocorrendo os desenvolvimentos na Rede. Em primeiro lugar, eles precisam saber quais meios devem ser aplicados para que as empresas de mídias sociais nos escutem.
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Os abusos, uma tarefa de vida. Entrevista com Hans Zöllner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU