14 Dezembro 2021
A primeira parte gerou um debate animado. Muitos me escreveram: alguns para me dizer que concordam, outros para contestar, inclusive duramente, algumas passagens. Agora a segunda parte da entrevista com Andrea Grillo. Teólogo refinado e capaz de entrar com parrésia e coragem, sem usar linguagens enfadonhas, nas questões eclesiais que tantas vezes temos de enfrentar.
A segunda parte da entrevista com Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, é de Daniele Rocchetti, publicada por La Barca e il Mare – Chiesa e Dintorni, 11-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A primeira parte da entrevista pode ser lida aqui.
Quais são suas expectativas em relação ao Sínodo recém-lançado?
São boas se o Sínodo for uma oportunidade para a Igreja se colocar na escuta. Uma Igreja na escuta é uma Igreja que aceita a lógica dos sinais dos tempos. Trata-se de uma palavra que, de forma subjacente, é muito importante no pontificado de Francisco e para aquela parte da Igreja que não quer parar no passado. Sinais dos tempos: significa que na história acontecem coisas com as quais a Igreja deve aprender. Às vezes, nós os interpretamos simplesmente como: “ao longo da história, há coisas que merecem atenção”.
Não é assim: para João XXIII - em 1963! - os sinais dos tempos são diferentes. São os povos que têm a mesma dignidade, os trabalhadores que têm a mesma dignidade que os empregadores e as mulheres que têm a mesma dignidade que os homens. Agora o mundo avançou e hoje também há outros sinais dos tempos para ler. Eles são a evidência de questões relativas à natureza, à criação. Mais ainda: a evidência de novas formas de experiência de sentimento, da relação. Em suma, existem mundos que estão mudando e nos quais é possível encontrar elementos de mal e de bem e depois aprender a discernir.
Um confronto sério finalmente com a modernidade ...
Os dois Sínodos iniciados - tanto o universal como o particular de cada Diocese - têm a possibilidade de se colocar em sintonia com essa necessidade de escuta. Os sinais dos tempos devem ser elaborados. Portanto, é necessário trabalhar a linguagem, as reformas institucionais e os direitos-deveres-dons dos sujeitos. Estas são as três frentes em que devemos sair das formas do Antigo Regime que ainda gerimos na Igreja. Às vezes não percebemos que confundimos a tradição eclesial com as formas tridentinas ou oitocentistas com as quais gerimos o matrimônio, as paróquias, as relações com os Estados. Nos tempos passados, foram boas soluções, mas hoje vazam por todos os lados. Não vemos por que ainda temos que mantê-las, senão confundindo a normatividade da palavra de Deus e da tradição com a normatividade de cada passagem.
Há coisas da tradição que é bom que morram para que a tradição continue. Sempre foi assim, não é como se inventássemos isso hoje. Na história da Igreja por muito tempo não existiram os seminários. Foi o Concílio de Trento que os impôs em todas as dioceses. No começo foi um trauma porque tinha quem dizia “Nunca se fez assim, sempre foi feito diversamente”. O Concílio de Trento teve a coragem e a autoridade de dizer "Não, os futuros sacerdotes devem cursar o seminário". Hoje aquela solução, naquela forma, não funciona mais. Talvez hoje não se devesse cursar o seminário para se tornar padres. Houve uma longa temporada em que não era assim que o padre se formava. Lemos em Ambrósio, mas também em Agostinho. Eles se tornaram padres à força, os levaram, os jogaram na Igreja e os ordenaram. Trata-se de um modo violento que não aceitaríamos, mas, na história, também houve uma Igreja assim. Portanto, não devemos nos escandalizar se queremos reformar o seminário. Se também queremos reformar as jurisdições das Dioceses, os tribunais canônicos ... São todas coisas que passam, as suas formas históricas não são definitivas.
O que significa para a Igreja assumir uma forma sinodal? Porque o que você está dizendo agora significa uma configuração, uma postura no mínimo insólita, para a nossa Igreja do Ocidente e para a Igreja italiana.
Acredito que significa assumir o que há de bom dentro das experiências que a Igreja fez no passado e também no presente. Acertar as contas, discernindo, com o que foi determinado pelas revoluções que mudaram o mundo. Estou pensando na revolução industrial e na revolução liberal francesa e estadunidense. Mas cuidado com um mal-entendido em que escorregamos continuamente: usamos a palavra Sínodo, porque é uma palavra clássica. No entanto, o Sínodo de que falam os padres tridentinos e aqueles que, em dois dias, o celebravam, apenas entre padres, nos anos cinquenta do século passado, não têm muito a nos ensinar. O Sínodo de que falamos hoje é a forma clássica, mas repensada com novas categorias. Ninguém nos exime de pensar como se exerce a liberdade, quem vota e quais são os temas a serem discutidos.
Na Itália, mas também fora, houve imediatamente bispos que disseram "Não, não devemos falar sobre isso". Na realidade, se é um Sínodo, ninguém estabelece de antemão o que deve ser falado. Sobre isso, o Papa Francisco foi muito claro desde o início. Igreja sinodal significa, por exemplo, uma Igreja que se deixa ensinar pelos mundos da democracia, sempre incompleta, mas na qual as pessoas se escutam. Mais ainda: uma Igreja que deixa instruir por novos estilos de gestão da realidade, de escuta do Evangelho e de proximidade com quem mais precisa da palavra do Evangelho. Porque uma Igreja capaz de se colocar em uma postura sinodal se torna um lugar em que um precisa do outro para ser si mesmo. Desta forma, despedindo-se finalmente de um modelo de Igreja detentora de uma autoridade concorrente com aquela do Estado ou da Universidade. Esse é o imaginário - do qual ainda somos vítimas - do qual não é responsável nem a Idade Média nem o Concílio de Trento, mas o século XIX.
Uma mudança significativa ...
Certamente. Por meio do estilo sinodal, aprendemos a arte de ser Igreja sem recorrer a formas de exercício do poder. E sem depender de formas de identidade e de relações típicas do ancien régime. Infelizmente para nós, a Igreja Católica ainda é frequentemente identificada com a não democracia, com o não consenso. Muitas vezes ouvimos: "O Sínodo não é um parlamento". Sim, mas aprendemos algo com o parlamento. No sentido de que aquele consenso é fundamental não para tomar decisões em sentido absoluto, mas para entender como está a situação. Só no confronto se pode realmente entender o que significa hoje amor. E também o que significa hoje viver juntos, o que significa hoje trabalhar.
Ajude-nos a entender melhor. A Igreja não é uma democracia, mas não pode eximir-se da escuta e do confronto. Como colocar essas duas instâncias juntas?
Aqui é uma questão de trabalhar nas instituições. A tentação que vivemos hoje, tanto na Igreja quanto fora dela, é pensar que, se você fizer uma nova lei, tudo vai se ajeitar. As leis sozinhas não mudam as mentalidades, os modos de viver e fazer. Mas também é verdade que se você pensa que os instrumentos sinodais, os confrontos e as escutas servem apenas para amadurecer as consciências. Você não leva em consideração que os homens também reagem a atos institucionais, ou seja, a autorizações, proibições, orientações, incentivos. A Igreja deve se aperceber disso. Se discutimos, falamos, mas não tomamos providências concretas em termos de aberturas no plano do ministério. Se não adotarmos formas de consulta do sensus fidei diferentes do opcional, corremos o risco de não termos impacto.
Os códigos canônicos no fundo são pequenos arranjos de um sistema absolutamente monocromático, incapaz de administrar a divisão do poder enquanto na Igreja algumas experiências de divisão do poder são necessárias. Não é que não existam, mas aquelas que existem são sobretudo ad intra. Ad extra, a Igreja é absolutamente monolítica. Essa é uma sua limitação, pois fala uma linguagem antiga de duzentos anos. Nesse sentido, o ponto de equilíbrio é aceitar que as normas fundamentais da vida da Igreja tenham algo a aprender com o desenvolvimento das formas de vida e das formas institucionais dos homens e das mulheres modernos.
Procure ver, por exemplo, como são geridos os casos de crimes cometidos por homens de igreja, sejam padres ou leigos. Hoje precisamos de um diálogo transparente com a justiça civil. Mas isso as normas não nos permitem fazer, porque construímos mundos jurídicos e institucionais em relação aos do Estado. Isso não se sustenta mais. E também vale quando se trata de casamento, formas de penitência e muito mais. À primeira vista parece algo aberrante, mas sempre foi assim, na história da Igreja: as passagens sempre foram passagens de confronto radical com o mundo.
O Sínodo conseguirá dar voz e coloca-se à escuta de quem vive à margem dos acontecimentos eclesiais?
Eu acredito que possa fazê-lo, espero que sim, desde que concordemos em nos converter. Não falo apenas de conversão do coração, que também é fundamental. Mas também de converter as mediações do coração, isto é, a nossa maneira de falar, de pensar, de construir experiências eclesiais. Veja, falar com palavras bíblicas é rápido. É mais difícil traduzi-las aqui e agora, porque estamos ligados aos horizontes de sentido de cento, cento e cinquenta anos atrás.
Por exemplo, muitos cristãos associam imediatamente a palavra homossexual com um vício da castidade. Se alguém pensa assim, fica prejudicado em relação à realidade, porque vê primeiro o pecado e não a pessoa. Este é um caso, poderia citar muitos outros. As categorias com as quais costuma se pensar são antigas, não funcionam mais. Ser homossexual não é em primeiro lugar - mesmo que pareça espontâneo para alguns - pecar contra a castidade. Essa ideia é fruto de um mundo e de uma história que temos às nossas costas, mas que hoje já não se sustenta mais e que marginaliza, deixa de fora.
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Uma Igreja que precisa do outro para ser ela mesma. Um diálogo com Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU