06 Dezembro 2021
“Não importa o quanto seja difícil. Quantos obstáculos os governos nos criam, quantos conflitos eclodem, quantas pandemias e desastres temos diante de nós. Vestimos o jaleco e vamos até os cantos mais remotos do planeta para que ninguém morra sem esperança. A esperança de que alguém se importa com ele e com a sua dor.” Christos Christou é o que há de mais distante do estereótipo do cirurgião ranzinza, cínico e indiferente da TV, Dr. House. Mesmo assim, ele passou as últimas décadas em setores de emergência, primeiro em Atenas e Londres, depois, desde 2002, viajando ao redor do mundo com os Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Ele operou pessoas mutiladas na guerra civil no Sudão do Sul, feridas nos atentados no Iraque, migrantes reduzidos à morte por viagens desesperadas nas ilhas gregas. No entanto, ele não tem medo de falar de esperança. “É fundamental na nossa missão. Existimos para aliviar o sofrimento de pessoas abandonadas, esquecidas e marginalizadas. E só teremos sucesso se conseguirmos incutir nelas a esperança de que juntos podemos conseguir”.
Ele disse isso há dois anos, quando foi eleito presidente internacional da organização. E o repete agora, na véspera do 50º aniversário desta última. No dia 22 de dezembro, terá passado exatamente meio século, um grupo de treze pioneiras, entre médicos veteranos da emergência de Biafra e jornalistas franceses, conseguiu mobilizar o primeiro grupo de trezentos voluntários que teriam dado vida aos Médicos Sem Fronteiras. Muito aconteceu nesse ínterim, inclusive o Prêmio Nobel da Paz em 1999.
E muito mudou dentro e fora da organização, que agora tem projetos em mais de 80 países e mais de 65.000 agentes humanitários no campo. “E muito mais vai acontecer e mudar – afirma o Dr. Christos Christou. O essencial, entretanto, permaneceu e permanecerá inalterado, mesmo nos próximos cinquenta anos. Aprendi isso na minha experiência como cirurgião”.
A entrevista é com Christos Christou é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 05-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao que se refere?
Como todos os cirurgiões, quando trabalho, minha preocupação central é manter o paciente vivo. Este é o essencial: a vida das pessoas, de cada pessoa. Depois vem todo o resto. Sempre tento me lembrar disso agora que estou longe da sala de cirurgia e tenho que gerir uma organização complexa como a MSF. Planos, estratégias são importantes, mas como instrumento para proteger a vida dos seres humanos.
Em vez disso, o que estão mudando são os desafios que vocês enfrentam. Quais são os principais?
Mudaram muito. Quando começamos e até não muito tempo atrás, nos chamavam de "anjos", "heróis", "samaritanos". Agora nos consideram como cúmplices de traficantes de seres humanos ou terroristas...
O que você quer dizer?
Entre os principais problemas críticos que enfrentamos está a criminalização dos agentes humanitários - de todos, não apenas os do MSF - e a tendência crescente de vê-los como inimigos.
Por que isso está acontecendo?
Os Estados - não estou falando exclusivamente de regimes autoritários, mas também das grandes democracias europeias e estadunidense - estão implementando cada vez mais uma série de políticas destinadas a punir e limitar a ajuda. E tais medidas têm o consenso de grande parte da opinião pública. Eu não julgo essas pessoas. Eu sei que elas reagem assim porque estão confusas e com medo. Os dramas não acontecem mais em áreas remotas do planeta. Eles batem à nossa porta ou já estão lá dentro, e isso nos assusta. Só me permito dar um critério para nos orientar neste momento turbulento e caótico: a carne humana, que todos partilhamos. A única coisa que não podemos nos permitir perder é a humanidade.
Que outros desafios você vê?
Um está ligado ao primeiro e diz respeito, sobretudo, a algumas zonas quentes, como o Sahel, a Nigéria ou os Camarões. O endurecimento das normativas antiterrorismo leva a considerar a nossa neutralidade e imparcialidade - princípios fundamentais do direito internacional humanitário - como apoio ao inimigo. E, portanto, nós também acabamos nos tornando inimigos. O terceiro grande desafio é o aquecimento global. Estamos testemunhando as consequências da degradação ambiental na saúde da população. A crise climática é uma crise sanitária. Por isso, pela primeira vez neste ano, participamos da cúpula da ONU sobre as mudanças climáticas (COP26).
O que vocês não deveriam ter feito ou feito melhor?
Eu diria: o que deveremos fazer melhor. Ainda não conseguimos resolver o dilema dos dilemas: o equilíbrio entre denúncia e baixo perfil para poder continuar atuando em uma determinada área. No final, você sempre erra: seja por excesso de cautela ou por temeridade. Claro, existem estratégias, como a difusão indireta de informações. Cada vez, porém, aparece a dúvida: fiz a coisa certa?
Em sua opinião, qual é a vitória da qual o MSF pode se orgulhar mais?
A campanha pelos antirretrovirais. No início, a comunidade científica duvidava. Nós imediatamente acreditamos nisso e fomos de aldeia em aldeia para explicá-lo às comunidades. Quando compreendiam, não apenas concordavam com o tratamento, mas se mobilizavam para exigir o acesso universal a tais medicamentos. Sua obstinação obrigou, inacreditavelmente, as empresas farmacêuticas a ceder.
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“Mesmo que nos chamem de traficantes, a ‘Médicos sem Fronteiras – MSF’ sempre estará com os últimos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU