18 Outubro 2021
Estamos na manhã de 16 de outubro de 1943. Por toda Roma, não apenas no gueto, judeus são sequestrados pelos nazistas. 1024 pessoas são retiradas de suas casas. Entre eles 200 crianças.
A reportagem é de Walter Veltroni, publicada por Corriere della Sera, 16-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dezesseis voltarão. Uma única mulher e nenhuma criança.
Ontem foi apresentada à comunidade uma nova iniciativa do Museu da Shoah, que instalou em sua sede e a partir de 27 de janeiro vai disponibilizar online um mapa interativo da deportação de outubro. Do sequestro de pessoas à sua permanência no colégio militar, da viagem para o extermínio ao retorno dos sobreviventes. Memória não apenas da grande História, mas das histórias daqueles seres humanos cuja vida foi destruída naquele dia de 1943.
Lorella Zarfati um dia, após a morte de sua avó Emma Ajò Calò, encontrou numa gaveta em sua casa uma fronha amarelada dentro da qual estava um vestido de menina.
Era de sua prima, Emma di Veroli, e tinha sido dado a ela quando tinha quarenta dias de idade. A menina nasceu em 1941. Naquele maldito outubro, ela tinha, portanto, dois anos. Sua mãe era uma garota de 23 anos. O nome dela era Grazia Ajò Di Veroli e ela havia se casado com Mario.
Eram um lindo casal, de garotos que sonhavam com o futuro.
Naquela manhã, Mário e a menina estão na praça de Monte Savello. Os alemães os pegam e carregam nos caminhões da deportação. No caos daqueles momentos alguém avisa Grazia que desce desesperadamente de casa em busca de seus entes queridos. Ela os vê no veículo alemão e não titubeia nem por um instante, pede para subir e ficar com eles.
Todos estão tentando se pôr a salvo, Grazia, uma garota judia, não consegue se imaginar sobrevivendo sem seu marido e filha.
Como todos os outros, chegarão a Auschwitz, depois da curta estada no Colégio Militar e da longa viagem nos vagões lacrados. Ao chegar ao campo de extermínio, a mãe e a filha serão imediatamente enviadas para a câmara de gás. Passou-se apenas uma semana desde aquela manhã no gueto.
Mario, por outro lado, destruído pela dor e pelo cansaço, morrerá alguns meses depois.
Também o pai de Grazia e Emma, seu nome era Jacob, será morto em Auschwitz-Birkenau. Era um mascate, uma das muitas profissões que os judeus, depois das infames leis de 1938, não podiam mais exercer. Ele foi preso em abril de 1944 e levado para Fossoli. De lá, ele foi então transferido com as viagens da morte para o campo de extermínio, do qual nunca mais voltou.
Quando se percorre a lista das vítimas da deportação de 16 de outubro, se encontram repetidos os sobrenomes de famílias exterminadas pela loucura nazista e pelo colaboracionismo fascista. Em muitos bairros de Roma, casas foram esvaziadas e pessoas desapareceram, engolidas pela máquina de morte do ocupante.
Em Roma, portanto, sabia-se o que estava acontecendo. Os fascistas certamente o sabiam e colaboraram ativamente. Muito provavelmente Mussolini havia sido informado e dado seu consentimento visto que no dia anterior havia recebido, como mostra a lista de audiências na Villa Feltrinelli, líderes da ocupação alemã como o General Wolff, comandante supremo das SS na Itália, e Moellhausen, cônsul geral da Alemanha. É difícil pensar que os dois representantes do Fuhrer tenham omitido a operação que teria começado em poucas horas.
Mas também havia verdadeiros italianos. Trabalhadores que naquelas horas arriscaram a vida, assim como aqueles que por opção decidiram lutar pelo lado da liberdade.
Emanuele di Porto, então com 12 anos, desobedeceu à mãe que lhe ordenou que ficasse em casa. Ela teria corrido para avisar o pai sobre os acontecimentos, que estava trabalhando na estação Termini desde as três da manhã. Mas Emanuele desobedeceu, saiu para a rua e viu sua mãe já sequestrada no caminhão. “Eu estava olhando pela janela. Eu vi quando eles a pegaram e a forçaram a entrar em um caminhão. Corri até ela e entrei no veículo, mas ela me empurrou para fora do caminhão. Eu não a vi novamente”. Ele pegará um bonde, um dos "circulares", e contará ao cobrador o que está acontecendo no gueto. E assim por dois dias inteiros aquele garotinho ficará sentado ao lado dos condutores que, mesmo mudando de turno para turno, se mantêm perto daquela criança que não conhecem. Eles correm riscos, movidos apenas pela pena.
Lorella Zarfati conta sobre uma de suas tias, Elisabetta Ajò, que, sabendo do que estava acontecendo com sua família e com a comunidade, pegou seus três filhos e foi para a Via Marmorata, no bairro Testaccio. Ela chamou um táxi e disse ao motorista, talvez de forma imprudente, que era judia e que não sabia para onde ir. O taxista não a denunciou, não pegou as cinco mil liras da delação, mas a manteve o dia todo em seu carro. Ele a fez circular por Roma e, à noite, levou-a para casa e a fez dormir com as três crianças no porão.
A avó de Lorella, por outro lado, conseguiu sobreviver ao arrastão porque se refugiou no apartamento do primeiro andar do prédio onde seu pai trabalhava em um ferro-velho. Era um bordel. Mas a senhoria os recebeu e à noite, quando os nazistas vinham se divertir, ela escondia a família em um depósito com a recomendação de silêncio absoluto.
Os “ladrões e as prostitutas” cantava Lúcio Dalla. E é assim que até os malandros de Trastevere entram na história de Lorella.
Seu avô paterno, Pellegrino Zarfati, naquela manhã de 16 de outubro, viu dois carros pretos e avistou os caminhões na rua. Pegou a família e fugiram pelos telhados. Mas eles não sabiam como sobreviver. Então, procurou o ladrão do bairro, o mais famoso, e pediu-lhe dinheiro em troca do pouco ouro que havia escapado da coleta feita pela comunidade judaica para atender ao pedido - ao engano - dos nazistas que obrigaram os judeus romanos a pagar em troca da promessa de salvação da vida.
O ladrão olhou para Pellegrino e recusou o ouro. Ele lhe deu a contrapartida em dinheiro, mas não quis nada em troca. O avô de Lorella lhe disse que não sabia se voltaria. Aliás, não sabia se iria sobreviver.
O ladrão de Trastevere apenas disse a ele: "Zarfati, você tem que voltar, porque você tem que me devolver o dinheiro”.
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O vestido de Emma deportada do campo de concentração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU