A teologia e a pastoral na cidade. Desafios e possibilidades atuais

Foto: PxFuel

11 Agosto 2021

 

"Nesta perspectiva, um dos temas que mais interpelam a teologia em nossos tempos, está a compreensão das cidades e do complexo urbano, com suas características múltiplas, conforme os variados contextos temporais e socioculturais que configuram a convivência humana em suas diversas expressões e dimensões. O desafio teológico é, na perspectiva cristã, discernir na cidade os elementos que podem indicar uma revelação do divino com rosto humano e urbano", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro A teologia e a pastoral na cidade: desafios e possibilidades atuais (Paulus, 2021, 392 p.) de organização de Elias Wolff, Antônio Ernesto Palafox e Benjamin Bravo Perez.

 

Eis o artigo.

 

A resposta à pergunta “o que é a cidade?” não obtém consenso, e depende da perspectiva na qual é analisada e da ênfase que se quer dar para alguns de seus aspectos, como político, o econômico, o cultural, o religioso, ou outro. Seja como for, a cidade se caracteriza por estilos de vida decorrentes dos diversos fluxos e atividades de pessoas, grupos e comunidades constituídas em seu interior. Como processos de vida, mesmo em contexto de secularização, na cidade emerge a pergunta sobre o sentido, o sagrado, Deus. O secular também pode ser crente, aspirando por transcendência nas vicissitudes do mundo urbano. Essa aspiração indica que o ser humano não constrói sozinho a vida das cidades.

Nesta perspectiva, um dos temas que mais interpelam a teologia em nossos tempos, está a compreensão das cidades e do complexo urbano, com suas características múltiplas, conforme os variados contextos temporais e socioculturais que configuram a convivência humana em suas diversas expressões e dimensões. O desafio teológico é, na perspectiva cristã, discernir na cidade os elementos que podem indicar uma revelação do divino com rosto humano e urbano.

Esta é a proposta do livro: A teologia e a pastoral na cidade: desafios e possibilidades atuais (Paulus, 2021, 392 p.), organizado pelos doutores Elias Wolff, Antônio Ernesto Palafox e Benjamin Bravo Perez (in memoriam), com o objetivo de explorar os caminhos da pastoral urbana, onde a pluralidade das análises enriquece a resposta a algumas questões centrais abordadas por todos/as os as autores/as: que desafios emergem das cidades atuais para a fé cristã e a missão da Igreja? Como a Igreja deve ser e situar-se nas cidades hodiernas? Como fazer “teologia da cidade” e “pastoral urbana”?

Ao prefaciar esta obra, Dr. Gilles Routhier (p. 9-17) ressalta que as propostas feitas pelos autores e autoras deste livro são fruto de uma longa experiência na cidade: “fruto da experiência de vida urbana dos teólogos latino-americanos, experiência pensativa e meditada” (p. 17), oferecendo por isso “formas de pastoral urbana ou, melhor ainda, inclui algumas sugestões para nos ajudar a viver na cidade cristã” (p. 17). Neste processo, segundo Routhier a América Latina contribuiu de forma importante para a reflexão magistral sobre a cidade e, somente após décadas vivendo na cidade, os bispos latino-americanos foram capazes de fazer uma proposta substancial sobre a pastoral urbana. Isso porque após as Conferências de Medellín e Puebla, o aprofundamento teológico e pastoral sobre as cidades continuou nas Conferências de Santo Domingo e Aparecida – apreendendo cada vez mais a novidade cultural induzida pela urbanidade.

A presente obra está estruturada em treze (13) capítulos:

1) Teologia da cidade e Pastoral Urbana: origem e expoentes; questões epistemológicas é o assunto do primeiro capítulo (p. 25-47), de autoria de Dr. Benjamin Bravo. Para Bravo o primeiro sentido da cidade  em seu conceito imediato é o de um lugar para viver . O segundo sentido é ser uma realidade de imaginários. Destaca que o imaginário nem sempre foi substantivo. Durante décadas foi apenas adjetivo, no singular e no plural: o imaginário e os imaginários (cf. p. 25). Diante disso, amparado pelas reflexões do filósofo Cornelius Castoriadis (1922-1997), o autor assume o termo imaginário no singular e no plural (p. 26-30) por uma razão muito simples: o Papa Francisco introduziu esse termo no vocabulário pastoral, especificamente quando fala da pastoral urbana, ou seja, o Papa Francisco integra o termo “imaginário” à pastoral urbana (p. 30-31). E mais, Francisco com um olhar de fé descobre o Deus que vive na cidade (p. 31 -34). Desta forma, o imaginário de João presente no livro do Apocalipse (p. 34-38), assumido pelo Papa Francisco é a chave para evangelizar o pluralismo cultural (p. 38-40). Conclui dizendo que a cidade é a base da morada de Cristo ressuscitado (p. 40-44), um “laboratório” (p. 44-45), sendo, por isso, necessário  ir além do território, explorando os imaginários culturais com uma chave hermenêutica dos símbolos que configuram a cidade.

2) Deus na cidade e a cidade em Deus: breve ensaio de uma teologia teologal da cidade (p. 49-89), de autoria de Dr. Carlos María Galli. O referido autor entendendo a cidade como um mistério a ser contemplado  e uma realidade a ser evangelizada (p. 50), pensa na cidade global como uma morada humana/ a nova casa do ser humano: casa e cidade constituem o lar do ser humano (p. 51-56), reconhecendo Jesus como hóspede e peregrino no mundo urbano (p. 56-61), reconhecendo na ação pastoral as presenças de Cristo na dor e no amor (p. 61-67), projetando a presença ausente e a ausência presente de Deus (p. 67-72), encontrando-o na vida urbana cotidiana (p. 72-79), testemunhando a misericórdia de Deus para com o “excedente” urbano (p. 79-84), dirigindo nossa esperança para a plenitude da Cidade de Deus (p. 84-87).

3) Deus na cidade”: uma pastoral a partir da irrupção do escatológico (p. 91-112), é o tema do terceiro capítulo escrito por Dr. Félix Palazzi. Palazzi procura analisar o que significa e implica a afirmação: “Deus está na cidade”. Para isso, aborda a pastoral urbana a partir da “irrupção escatológica” que nos convida a um novo estilo de viver a nossa existência cristã na cidade. O autor entende que esta perspectiva permite compreender  que a natureza de uma pastoral urbana é muito mais do que formulações ou projetos práticos. Ela responde a um novo estilo de existência cristã no meio da cidade, encarnando e assumindo as esperanças de nosso tempo. Em vista disso a evangelização urbana precisa enxergar a cidade como metáfora viva (p. 92-96), entrando em um relacionamento “a partir de fora e de baixo” (p. 96-106), assumindo a esperança como critério pastoral, conectando-se e respondendo às expectativas das pessoas que vivem na cidade (p. 107-110).

4) A cidade na Bíblia: Novo Testamento (p. 113-131), de autoria de Dr. Eduardo De La Serna. O autor busca mostrar as cidades da Galiléia e o campesinato no tempo de Jesus (p. 114-116). Essa descrição é importante para  compreender o ministério de Jesus (p. 116-118), dando lugar, mais tarde, às seguintes gerações cristãs, nas quais a adaptação ao mundo urbano constitui um claro avanço evangelizador. Em um primeiro momento, Paulo, pregador da cidade (p. 118-124) e, posteriormente, seus discípulos, já assumiram os elementos constitutivos da cidade para a organização e atuação missionária (p. 124-127). De La Serna esclarece que a cidade, que a princípio parece ser vista de forma negativa no ministério de Jesus, foi aceita e assumida desde o início pelas comunidades cristãs. Num primeiro momento, apenas de forma estratégica (Paulo) para passar, num segundo momento, a uma organização eclesiástica gradual seguindo o esquema da “casa” que é uma cidade em miniatura. Como a Igreja está organizada e estruturada, a hierarquia, que a Igreja-casa de Deus considera necessária, segue os políticos da cidade (p. 128-129).

5) Evangelização e Pastoral Urbana é o assunto desenvolvido pelo Dr. Agenor Brighenti no quinto capítulo (p. 133-154). Entendendo que evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo, a Pastoral Urbana quer contribuir com a edificação do Reino de Deus na cidade, o autor destaca que para isso se faz necessário levar em conta três exigências básicas: a) ter uma compreensão adequada do que consiste a evangelização, pastoral e missão (p. 134-140); b) levar em conta o contexto em que se vai evangelizar levando e conta o fenômeno urbano (p. 140-145); c) fazer da pastoral urbana um processo evangelizador, para além de ações pontuais ou eventos isolados. Para isso, segundo Brighenti é preciso levar em conta quatro princípios para evangelizar no mundo urbano: 1) o tempo é superior ao espaço: 2) a unidade é superior ao conflito; 3) a realidade é mais importante que a ideia; 4) o todo é superior à parte (p. 145-151). Diante disso, o autor conclui dizendo que no atual momento eclesial, o magistério do Papa Francisco é uma mediação preciosa e inspiradora, pois, além de resgatar a renovação do Vaticano II e a tradição eclesial libertadora da Igreja na América Latina, confirma o imperativo de uma presença mais incisiva e profética da Igreja na cidade, ainda que também a questione e desinstale (p. 151-152).

6) Uma caminhada pastoral nas grandes cidades, escrito por Dr. Antônio Ernesto Palafox (p. 155-179). Neste capítulo, o autor procura traçar um caminho a percorrer nas grandes cidades a partir da intervenção pastoral. Um caminho que contém três momentos fundamentais: a) humanização / humanizar a partir da humanidade de Jesus (p. 156-161); b) evangelização / evangelizar a partir e desde a fragilidade (p. 161-171); c) sacramentalização / sacramentalizar “de baixo”. Palafox esclarece que é justamente esta a ordem de direção, porque a colocação e a sequência têm consequências graves. A distinção é feita no âmbito pedagógico ou teórico da reflexão, pois se sabe que na prática esses elementos andam de mãos dadas, ainda que devem estar em plena conexão e fecundação mútua. O referido autor conclui dizendo que tendo-se presente a unidade orgânica deste três elementos desde o polo articulador da evangelização, a potencialidade humanizadora que contém a evangelização cristã e a graça que passa pela celebração dos sacramentos e pela sacramentalidade de toda a Igreja. Esse três elementos estão em correlação triangular mútua, eles se nutrem e se fertilizam um ao outro; não se trata de processos lineares, nem passos a dar, mas de momentos a privilegiar, de forma que quando um deles é explicitado, os outros dois devem estar presentes pelos menos implicitamente (p. 177-178).

7) Cidade, Casa Comum e novos modos de habitar interculturalmente: elementos para pensar a Pastoral Urbana (p. 181-204). Dr. Alex Villas Boas destaca que a relação entre cultura e religião tem o desafio comum de ajudar a sociedade a compreender a diversidade como algo bom e a pluralidade cultural, o que inclui a pluralidade religiosa como um valor, o que implica uma diversidade reconciliada e promoção de formas de compreensão mútuas. Assim, diante dos novos modos de habitar a cidade interculturalmente (p. 182-185), explicitando a relação entre religião, cultura e sociedade (p. 185-194), o autor apresenta elementos de hermenêutica diatópica e interculturalidade mostrando como estes podem ajudam a pastoral urbana em perspectiva ecumênica e inter-religiosa (p. 195-202). Villas Boas esclarece que a hermenêutica diatópica como método para o diálogo intercultural tem como condição fundamental o reconhecimento de incompletudes mútuas, desenvolvendo-se, tanto na identificação local como na inteligibilidade translocal das incompletudes (p. 198).

8) Pastoral Urbana em perspectiva ecumênica e inter-religiosa (p. 205-228) é o tema central do oitavo capítulo escrito por Dr. Elias Wolff. O referido autor destaca  que a pluralidade de igrejas e de religiões são um dos grandes desafios para uma compreensão teológica da cidade e da pastoral urbana (p. 205). A  abordagem desta reflexão começa com a apresentação de elementos para compreensão da cidade (p. 206-209); chama a atenção para a pluralidade religiosa na cidade (p. 209-212, e, para o diálogo e a cooperação entre os credos (p. 212-213). Remete a uma teologia ecumênica da cidade (p. 213-215) e para a pastoral urbana em diálogo ecumênico e inter-religioso atendo-se a algumas opções e/ou horizontes  de ação que caracterizam o agir próprio das igrejas e outras das religiões (p. 215-225). Esse percurso segundo Wolff oferece condições para perceber a importância de refletir sobre o lugar e o papel das igrejas e das religiões na neste meio, verificando em que medida elas configuram o espaço urbano e como essa configuração incide nas relações entre pessoas e estruturas que interagem no complexo das relações na cidade. Tudo isso implica pensar a pastoral urbana em perspectiva dialógica, ecumênica, buscando entender o pluralismo eclesial e religioso atual como oportunidades para a afirmação do valor sagrado nos espaços urbanos em crescente processo de secularização, analisando como as diferentes expressões de fé podem cooperar na oferta de substância espiritual para a vida das cidades (p. 225-227).

9) Pobres: sujeitos eclesiais e pastorais na cidade (p. 229-249). Neste capítulo a Dra. Emilce Cuda oferece uma contribuição para refletir a pastoral social como pastoral urbana descentralizada e ecológica. Descentralizada porque não parte da pastoral urbana praticada desde os horizontes do centro até os habitantes do centro e da periferia mas, de uma pastoral urbana praticada em duas direções: uma, a dos moradores da periferia entre eles e para os moradores do centro, de outra forma de constituição do saber teológico e teologal, expresso em outra linguagem, a da cultura popular; outra, a dos habitantes do centro às periferias, como ação relacional e solidária (p. 229). Ecológica porque o ecológico supõem uma pastoral teológica e teologal, desde a periferia ao centro, como do centro à periferia. Assim, é possível, pensar em uma pastoral urbana conectada e ecológica, onde a vida das periferias depende da vida do centro, assim como a vida do centro depende da vida das periferias (p. 230). Diante disso, a autora destaca ser preciso: reconhecer a linguagem dos pobres como sujeitos das periferias culturais (p. 231-237); reconhecer a cidade como vila, como unidade teológico-política urbana, ou seja, reconhecer a cidade como dividida em duas partes da mesma cidade que devem ser religadas, e reconhecer os habitantes pobres e excluídos da cidade como sujeitos eclesiais e pastorais do mesmo fiel Povo de Deus (p. 238-244). Cuda conclui apresentado um esquema pastoral para pensar a implementação de uma transição cultural que possibilite a conversão ecológica como saída para a crise ambiental e social (p. 244-249).

10) A cidade e a religião: cacofonia e ressonância (p. 251-278), de autoria de Dr. Rudolf Von Sinner. Para o autor religião e cidade tem história e relação estreitas, porém ambíguas (p. 251), por isso, o percurso oferecido pelo autor apresenta a ambiguidade da cidade na Bíblia e na tradição teológica (p. 259-264). Em seguida, Von Sinner aborda diversas formas de presença pública da Igreja na cidade (p. 265-269). Conclui apresentando ateria da ressonância conforme o sociólogo alemão Hartmut Rosa como fomentadora à convivência e a uma presença religiosa significativa na cidade, visando contribuir para uma cidade real e profundamente humana, pois, segundo o autor é preciso fomentar a ressonância na cacofonia do ambiente urbano (p. 269-274). Esclarece que a ressonância é uma realidade emocional, neurológica e corporal, um elemento básico da existência social e cultural. Torna-se o critério principal para a vida bem-sucedida num sentido amplo, não apenas econômico, profissional ou de consumo – cuja qualidade não pode ser medida meramente pelo acesso à riqueza, opções ou recursos materiais, mas também pela qualidade da relação com o mundo. Essa relação pode ser de ressonância, mas também de indiferença ou de repulsa, tendo-se em conta que o oposto de ressonância é a alienação (p. 272-273).

11) Urbano e experiência religiosa: devoção ao Nazareno de São Paulo no centro de Caracas, Venezuela (p. 279-301), escrito por Dra. Maria Del Pilar Silveira. O objetivo deste ensaio é fazer conhecer a experiência religiosa vivida pelos devotos que vêm todos os anos na quarta-feira da Semana Santa, para expressar sua fé e amor a Jesus Nazareno – na Basílica de Santa Teresa, no município de LiberadCaracas. A manifestação da fé através de visitas à imagem e procissões realiza-se desde 1696. Tendo em conta essa expressão de religiosidade popular, a autora apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com devotos do Nazareno, descobrindo o Deus que habita no meio da cidade de Caracas e que neste caso se manifesta através da fé popular do povo devoto do Nazareno (p. 283-298). Silveira conclui suas reflexões chamando a atenção para o que esta experiência religiosa urbana traz como elementos positivos e como desafios pastorais (p. 298-300).

12) Pastoral Urbana e ecologia integral (p. 303-323), são assuntos do décimo segundo capítulo de autoria de Dra. Olga Consuelo Vélez Caro. A autora busca relacionar os pronunciamentos do Papa Francisco no tocante as grandes cidades e ecologia integral (Laudato Sí; Documento Final do Sínodo Pan Amazônico e Exortação Querida Amazônia). Em primeiro lugar, Vélez Caro mostra o espaço que a reflexão ecológica tem nas grandes cidades abordando o desafio ecológico das grandes cidades (p. 305-311). Em segundo lugar, apresenta a ecologia integral, proposta por Francisco na Laudato Si´, procurando suas relações com as grandes cidades (p. 311-314), traçando alguns caminhos de ação ecológica nas grandes cidades (p. 315-320). A autora conclui dizendo que o diálogo entre pastoral urbana e o cuidado da casa comum ou responsabilidade ecológica leva em consideração de algumas categorias fomentadoras do diálogo como a contemplação, vulnerabilidade, cuidado, cidadania ambiental e o pecado ecológico. Este pecado ecológico é uma realidade quando nos projetos de evangelização das cidades não se contempla a tripla dimensão da relação com Deus, com os outros e com a criação (p. 320-321).

13) Para uma mística da cidade (p. 325-351). Dr. Marcial Maçaneiro. O referido autor destaca que  a humanidade outorgou às cidades muito de si mesma, forjando a alma das vilas e das metrópoles (p. 326-327). Assim, as cidades são irradiadoras de civilização (p. 327-328), onde se destacam três fios básicos na tessitura urbana: humanidade, natureza e divindade (p. 328-330), inaugurando deste modo a religião cidadã (p. 330-331). Maçaneiro esclarece que cada religião, a partir do seu tesouro próprio, pode colaborar para o bem de todos, seja no nível do sentido e da experiência do transcendente, seja no nível da promoção humana e das iniciativas comuns pelo bem da cidade e dos cidadãos. A partir isso, se verificará uma mística da cidade coerente com a religio (capacidade vinculante do sagrado), não e sentido exclusivo, mas inclusivo: valores e iniciativas que, ao mesmo tempo, promovem o bem e conferem sentido ao cotidiano, capazes de agregar crentes e não crentes. Neste sentido, a mística urbana não se define por um único valor ou itinerário espiritual, mas pelos valores e itinerários que as religiões podem partilhar com todos e todas (p. 331-332), fazendo da cidade o território da hospitalidade (p. 332-336), da paz (p. 336-340), da misericórdia (p. 340-346) e do diálogo (p. 346-348). O autor conclui dizendo que a partir disso é possível reconhecer as cidades como o território do espírito (p. 348-350).

Na Conclusão desta obra (p. 353-366), Dr. Antônio Ernesto Palafox, transfere as questões filosóficas: O que podemos saber? (p. 353-359), O que devemos fazer? (p. 359-365), O que podemos esperar? (p. 365-366), para as questões urbanas no formato de teses, os principais conteúdos destes artigos, retomando os principais eixos e expressões dos escritos, relançando em outras direções por meio de questionamentos, desafios, ensinamentos e esperanças. Diante disso, Dr. Carlos Mendoza-Álvarez, no Posfácio (p. 367-373), chamando a atenção para uma teologia performativa do comunal, qualifica este livro como a versão mais atual da teologia pastoral que acompanha as experiências das pessoas e comunidades nas cidades desta região do planeta, sob o impulso da Teologia da Libertação e do Povo, junto com as cinco Conferências Gerais do Episcopado Latino-americano e da Igreja Romana, explorando com coragem os novos rostos da Igreja que se expressam na cidade hoje (p. 370).

Se “Deus mora na cidade”, urge uma Igreja com rosto urbano...

A cidade que nos desafia com os seus contrastes é a mesma que abriga nossas esperanças e potencialidades. Lá encontramos nosso jardim e nosso templo, nosso espaço e nossos acessos, nossos semelhantes e nossos diferentes (p. 366). Por isso, a cidade é um lugar teológico, ou seja, uma fonte de sentido para a teologia e a pastoral eclesial (p. 354). Diante disso, a pastoral urbana precisa ser um projeto sempre aberto. Não pode ser baseado em esquemas fixos, inflexíveis e adaptáveis, igualmente, em qualquer cidade. Por um lado, é uma pastoral em processo. Sempre está sendo feitas. Mas por outro lado, ainda há muito a fazer. Nenhum modelo ou esquema deve esgotá-la. Continuar encontrando e criando sempre novas formas de anunciar o Evangelho (p. 359).

Portanto, são muitos os desafios para uma evangelização inculturada no mundo urbano. Um desafio permanente para a pastoral urbana como evangelização inculturada na cidade, em um mundo cada vez mais diversificado, é aceitar o conflito e saber como enfrenta-lo. Uma tarefa importante é construir pontes, promover a reconciliação onde há ódio, a paz onde há discórdia, tecer laços de interação onde há ruptura e separação, postulando que a realidade é superior à ideia. Dadas a complexidade e as contradições da realidade atual, em vez de evita-la, é necessário oferecer espaços de fidelidade e conversão à realidade (p. 361).

Este livro com distintas perspectivas  é antes de tudo fruto da experiência de vida urbana dos teólogos  e teólogas latino-americanos. Entende-se que a cultura urbana é porta para o Evangelho e cada uma das contribuições explora novos caminhos para a Igreja na cidade. Como um dos organizadores desta obra, Elias Wolff (p. 23-24), observa que a envergadura de tal tarefa exige um trabalho coletivo, interdisciplinar e interinstitucional, o que é feito em cada uma das reflexões que compõe esta substanciosa obra com a contribuição de distintos autores e autoras de diferentes países. Essa internacionalidade também é grande fator de enriquecimento do livro, com o aporte das experiências e perspectivas locais para uma compreensão global do tema com a originalidade e atualidade pertinentes para a compreensão das atuais realidades espaço-temporais urbanos, seus sujeitos e sua cultura, num diálogo entre história, sociologia, antropologia, teologia entre outras perspectivas de nossa leitura da cidade.

 

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